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Contos-->ASSOMBRAÇÃO -- 21/05/2002 - 13:34 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ASSOMBRAÇÃO

Moura Lima


Mumbica era um negro de sujeição, de grande estatura, lábios de gamela e olhos injetados de sangue. Um típico criminoso tira-prosa, frio, perverso e sádico. Um bigorrilha de marca maior, de muitas mortes no lombo. Era só o patrão desalmado mandar, que moqueava mesmo o cristengo. Escravo que fugia, era só botá-lo no encalço, que voltava em riba do rasto e debaixo do chicote! Era um tranca!
E a senda trevosa do seu primeiro crime? Foi uma ação sinistra, de arrepiar o cabelo da venta de qualquer caneludo! Uma negra do sinhô-Grande havia roubado um trancelim de ouro da sinhá-moça, e Mumbica recebeu ordem de cozinhá-la viva, na tacha de cobre, para servir de exemplo aos cativos. A pobre alma foi atirada nua no caldo de garapa fervendo! O corpo sumiu-se de escantilhão no melaço que gorgolejou por riba! E o bufido das bolhas rebentaram-se como sabão em ebulição. E o guampudo das canajubas escuras baixou a espumadeira, no fururu, e arribou lenha na fornalha, horas a fio. Logo brotou de esbarro, no meio da tacha, como capim ao rés-da-terra, a ossada branca do crânio da negra!...
E a partir deste dia, Mumbica tornou-se um matador por prazer. Foi como o despertar do sujo, que estava dormindo dentro de si, no bem-bom da madorra. E nem à mão de Deus-padre, pôde barrar o seu cutelo sinistro!
Ali em Conceição e cercanias, até Taboca, São Miguel e Almas, era só falar, que o casca-grossa estava a caminho, que o povo corria pro mato. As mães, para controlarem os filhos desobedientes, ameaçavam-nos com seu nome, e os moleques viravam uma seda !
E há quem diga, de finca-pé, que o excomungado era emissário das profundas das areias gordas. E quem não se lembra da empalação de Sebastião Sabará defronte da capela de Nossa Senhora do Rosário? Foi um horror o ato do ferrabrás! E o grito do homem pedindo socorro? Era uma lâmina afiada cortando as almas piedosas.
E naquela manhã de solão brabo, o seu patrão, Manoel Jacinto, portuguesão fogoió, estumou-o na busca de um negro fujão, filho da sua horrível escravidão e, retorcendo o bigodão ensebado, ordenou:
— Mumbica, traga-me o fujão debaixo de relho! ...Não tenha dó do cabundá safado! drugada fez sertão. Depois de vários dias rasteando o escravo fujão, chegou a Natividade, altas horas da noite. A vila dormia, e o silêncio era quebrado pelo latir dos cães. E resolveu bater o seu pouso na igreja dos escravos, de Nossa Senhora dos Pretos, que estava em construção, só faltando a cobertura do teto. As paredes eram de pedra-canga. Mumbica desarreou o burro e o soltou num lote vago, nas proximidades da igreja. E jogou o arreio no canto esquerdo do templo, estendeu a carona no chão, retrancas, pelego, e se agasalhou como pôde. Os maus pensamentos fervilhavam-lhe nos miolos, como bichos em tapurus de carniças.
O céu estava estrelado por riba da construção, formando, de maneira natural, uma rica abóbada. O caminho de São Tiago projetava-se visivelmente. Quando o relógio da matriz badalou meia-noite, no céu, por cima da igreja em construção, formou-se uma porta oval de fogo, que se abriu de chofre, e lá de dentro do umbral misterioso, jorrou intensamente uma névoa prateada, reluzente, para o interior do templo, e do meio da fumaceira foram saltando vultos de brancos floconados, que batiam no chão como bola de mangaba. E, com passos ordenados, iam tomando os seus lugares na nave da igreja. Logo um altar foi materializado, e dois abantesmas,de turíbulo às mãos, começaram a incensá-lo, dando três voltas ao seu redor. E lá das alturas saltou o último abantesma, o chefão do grupo. E, com gestos de líder, espingulado, andou triunfal para o altar e postou-se de frente.
Mumbica, do seu canto, de olhos esbugalhados e se borrando todo, não compreendia aquela maçaroca do outro mundo. Era assombração, alma penada. E batia os queixos como se estivesse de sezão braba. E sentiu-se como um pau oco, com os grilos cantando dentro. E cadê o valentão de muitas mortes? Fugiu! E deu lugar a um outro medroso, covarde e borra-botas, que não valia tuta-e-meia.
O chefão daquelas almas do outro mundo, de dedo em riste, apontou na direção de Mumbica e, com voz cavernosa, que parecia um dobre de finados, ordenou:
— Vamos julgar o criminoso!
Murmúrio de júbilo da assembléia macabra. E o gunga dos abantesmas prosseguiu:
— Com a palavra a acusação !
E o abantesma de balandrau negro, com sua voz de taboca rachada, começou:
— Eu acuso o criminoso Mumbica de crimes contra a missão de cada criatura que ele matou, de forma fria e perversa. Pois ninguém tem o direito de barrar a missão que foi destinada pelo nascimento a cada ser humano, que veio ao mundo por permissão superior.
Assim sendo, invoco as leis superiores da vida e a pena de açoites dos ventos, com a agravante das ferroadas e do fogo !
E o julgamento sobrenatural prosseguiu:
— Com a palavra a defesa:
E um abantesma de cogula vermelha, coxeando de uma perna, ergueu a voz de chocalho:
— O abutre negro da acusação não disse, de viva voz, que ninguém não tem o direito de barrar a missão de cada um? Disse sim ! E com a arrogância do crocitar de sua voz carniceira ! Mas protesto, com todas as minhas forças, contra essa acusação leviana e imoral. E pergunto aos senhores: o eterno não manda sempre à terra os anjos vingadores, para cobrar o carma de delitos passados das pessoas? E aí está a tese da minha defesa: será que o negro Mumbica, também, não foi enviado para limpar, a ferro e fogo, o caminho das almas impuras?
A defesa, neste ponto, fez uma pausa, para a assembléia refletir, depois continuou:
— Senhores jurados, eu peço a absolvição do réu!
E o maioral voltou a palavra para a acusação fazer a réplica:
— Deus não dá asas a cascavel de quatro ventas! Portanto, senhor presidente, senhores jurados do além, eu reitero, de forma veemente, a acusação e peço para o réu a pena dos ventos, em planta o mal, colhe o mal!
E o presidente, em continuidade, passou a palavra para a defesa fazer a tréplica:
— Todo ser vivo é um futuro cadáver. A conta dos mortos quem faz são os vivos!
Assim sendo, senhores jurados, dêem a liberdade ao nosso vingador! Ele foi apenas um instrumento para receber as contas da lei da compensação! Quem planta o bem, colhe o bem!
E assim, a defesa fechou a tréplica, com um sorriso zombeteiro.
O gunga da assembléia dos mortos ergueu a voz e deu a palavra para o corpo de jurado dar o veredito, de forma sumária!

E rapidamente os abantesmas, em uníssono, emitiram o veredito:
— Condenado! Condenado!...
O chefão dos mortos, num movimento de ringir de ossos, puxou o capuz do balandrau que cobria a cabeça, e o crânio branco aflorou, mostrando a caveira horripilante, e sentenciou:
— Açoite o criminoso Mumbica, na prova dos ventos, com as agravantes das ferroadas e do fogo!
Um do grupo dos jurados deslocou-se para o centro do templo e ergueu a mão para o alto, num gesto cabalístico, e um tronco lavrado de forma piramidal, linheiro, de aroeira, de uns oito metros, desceu veloz do túnel de fumaça, e fincou-se num estrondo medonho no chão.
Outros dois algozes, arrastando pesadas correntes, gargalheiras, acabramo e dirigiram-se ao condenado e meteram-lhe no pescoço e tornozelos os ferropéis e o puxaram até a proximidade do tronco. Um dos executantes marinhou tronco acima e prendeu lá no alto uma carretilha graúda. E Mumbica, que já era um molambo humano, foi içado para o alto e soltado para o chão como um saco de abóbora. Puxaram-no outra vez, colocaram próximo à carretilha um esbirro e começaram a girá-lo, tresloucadamente, como um pião, e um dos carrascos saltou-lhe em cima, e meteu-lhe o relho, sem dó, numa taca sacudida!
Mumbica gemia, e a chibata deslombava-o exemplarmente! E no final, soltou-o de novo, num baque seco para o chão. E para despertá-lo, em razão da queda, um dos carrascos verteu-lhe na cara um jato de urina. Mumbica voltou a si, agoniado; aí arriaram-lhe as calças e chegaram o ferrão na popa, do lado esquerdo e do direito. Mumbica corcoveava de dor. Cessada a pena das ferroadas, um dos carrascos pegou-o pelas pernas e um outro chegou-lhe na sola dos pés um tição aceso, a pele chiou como num assado ! Mumbica não agüentou e perdeu os sentidos. Os galos já amiudavam, e as almas vingadoras desapareceram pelo caminho de volta, da porta no céu.
No outro dia, a cidade acordou sobressaltada, com um doido vagando nu pela rua e catando marroxo de alimentos pelo chão, todo esfolado. E, de vez em quando apontava pro céu e saía correndo à tuna. A molecada logo o batizou de Chambarí Gordo. E nunca mais recuperou os sentidos. Era a punição que veio do além, para cobrar-lhe os crimes praticados!








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