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Contos-->Beira de Rio -- 30/05/2000 - 09:43 (Marcos Gimenes Salun) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Assim que se viu livre do mulato Isaura lavou-se e ajeitou os lençóis. Passou um pente encardido no cabelo. Borrifou uma colônia nas mãos. Espiou sua cara no espelho. Notou as olheiras roxeando por baixo dos olhos miúdos, sem brilho. Ergueu-se da banqueta, puxou a saia no lugar, esfregou as mãos. Abriu a janela.

O sol quente entrou pelo quarto, clareando. Isaura debruçou no parapeito e espiou a rua. Os moleques, sujos de terra, corriam atrás de uma bola furada. Firmou a vista procurando Ludinho. Chamou por ele. Nada. Olhou do outro lado, onde os homens faziam roda em volta de uma mesa na calçada do Capitania. Bebiam e jogavam cartas. Ludinho com eles, interessado no jogo. Mulheres passavam, no vagar do sol quente, carregando trouxas de roupa na cabeça.

Isaura não chamou mais por Ludinho. Que ficasse lá. Entrou, foi para o outro cômodo, buliu numa coisa e outra, procurando ocupação. Abriu uma gave-ta da cômoda ensebada. Pegou uns trocados, colocou entre os seios, fechou a porta e saiu. Tomou rumo oposto ao Capitania, que fervilhava de homens bebendo e jogando. Desceu a rua em direção às barcas. Ouviu o apito de uma delas que estava para cruzar o rio. Apertou o passo. Havia muita gente cruzando o rio.

Ficou num canto, olhando a água bater na proa da barca, olhando o clarão do sol refletindo no rio. As pessoas conversavam, falavam alto, riam. Ou-tras, como ela, olhavam para qualquer canto, mudas na contemplação. A outra margem do rio se aproximava aos poucos, crescendo aos olhos. Pouca gente. Quase nenhum movimento. Umas quatro ou cinco pessoas.

A barca encostou e em pouco tempo o pequeno porto fervilhou da gente que desembarcava, rindo, falando alto. Cada um tomou seu caminho. Cada um com sua ocupação. Isaura olhou de um lado e outro. Subiu a rua do mercado.

Parou diante de um cego que tocava sanfona e batia um bumbo com o pé descalço. Ficou ouvindo aquela musiquinha repetitiva. Ninguém que passou por ali nesse tempo jogou sequer uma moeda para o cego. Isaura sentiu pena. Enfiou a mão por dentro da blusa, separou uma nota e se aproximou mais do cego. Desviou o rosto. Os olhos do cego virando, como que querendo sair do buraco inútil onde estavam.

Isaura afastou-se, num passo rápido, deixando a música do cego para trás. Longe, ainda ouvia os grunhidos desesperados da sanfona. Um som que chegava abafado, mas que incomodava Isaura.

No mercado Isaura andou de barraca em barraca, olhando as mercadorias, perguntando preços. Não comprou nada. Andou sem destino certo pelo meio da gritaria dos vendedores de peixe, de abóbora e banana. Mulheres vendiam cocada. Isaura transpirava. O ar abafado, sufocando. Nem mesmo na sombra das barracas o calor era menor.

Quando saiu do mercado, tinha nas mãos um embrulho pequeno. Disse qualquer coisa a um homem de pele morena, queimada de sol. Dois moleques passaram à sua frente, disparados. Vinha um velho atrás deles, gritando pega ladrão. Os moleques sumiram no meio das pessoas que enchiam a rua. Suando, o velho praguejava por ter sido roubado.

Isaura deu a volta por outra rua. Não queria passar novamente onde estava o cego. Não ouvia mais a sanfona, nem o bumbo, mas sabia que ele estava lá, com os olhos virando de um lado para o outro.

Caminhou devagar, à esmo. O calor ainda era intenso, apesar do sol estar quase desaparecendo. Voltou com a barca das seis. Do outro lado, subiu a rua, àquela hora já escura. No Capitania, as luzes fracas acesas. Homens bebiam. A mesa já não estava mais do lado de fora.

Isaura foi logo se sentando ao chegar em casa. Ludinho vinha do outro cômodo, cheirando a brilhantina. Não disse nem a nem b. Saiu para a noite. Ela olhou para o filho, já quase homem feito, querendo dizer qualquer coisa que parou na garganta, não saiu. Ludinho caminhou pela rua, devagar. Parou no Capitania.

Isaura esquentou água, tirou a roupa e banhou-se numa bacia grande. Despida ainda, andou pela casa. Descascou as laranjas que trouxera do mercado. Depois de chupar as laranjas, lavou as mãos e a boca na bacia que ainda tinha a água do banho.

Depois, nua, deitou-se. Olhou o teto. Não fechou os olhos. Esperou. Lá pelas tantas chegou o homem de pele morena, com quem ela conversara no mercado. Deitou-se com ele. Isaura se deu naquele amor sem prazer. Ficou o tempo todo pensando nos olhos sem vida do cego da sanfona, aspirando o cheiro de brilhantina de Ludinho.

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do volume "Os Pardais do Largo" - 1979
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