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Erotico-->Conto cruel (2) -- 19/09/2002 - 00:20 (Maria José Limeira Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CAÇULA, CAÇULINHA, CAÇULETA
Maria José Limeira

Caçula era a última filha de um casal de meia-idade, e única fêmea dos rebentos. Os outros três eram machos.
Caçula era “fim-de-rama”, como se diz na linguagem popular.
Quando nasceu – em tempo errado, naturalmente! – revolucionou a família. Foi cercada de todos os cuidados, para que nada de ruim lhe acontecesse, pois todo filho de velho é problemático, segundo recomendações do médico, que vaticinou com ar grave: - Lembram-se de um sujeito chamado Hitler? Era filho de velho também!
Como filha mais nova, Caçula cresceu com as vontades satisfeitas, o mundo girando em torno de sua beleza e castidade.
Tinha um quarto somente seu, decorado com brinquedos de toda qualidade. Não faltavam bonecas xuxas, magalis, barbies, vídeo-game, televisão privativa e radio-gravador. Dispunha de toda parafernália moderna para viver em festa permanente.
Talvez por isso fosse tão criativa e trelosa, e não gostasse muito da disciplina escolar, contra a qual se insurgira desde o curso fundamental.
Cheia de vontades, batia o pé quando era contrariada. Porém, como era a menina-dos-olhos do papai, não lhe faltava nada. À primeira manifestação dos seus desejos, todos corriam para atendê-la.
Ganhara a alcunha de Caçula desde a hora do nascimento. De maneira que seu verdadeiro nome sumiu no tempo e os próprios familiares esqueceram-no, e não saberiam mais dizer como se chamava de verdade.
Os problemas de Caçula começaram na adolescência, quando o Hitler guardado dentro de si deu início à revolução do seu corpo, provocando os primeiros abalos na família.
Menina aparentemente normal, passou a agir de modo estranho. Não dormia direito à noite. Ou dormia demais durante o dia. Saía de casa pela manhã, na direção da escola, e só voltava à noite. Dizia que estava em casa de colegas. Comia demais. Depois, passava dias e dias em jejum.
Quem primeiro notou a transformação foi a mãe, a partir dos movimentos irregulares da balança, descendo e subindo, como cavalinho de carrossel em alta velocidade.
Não falou nada para o marido. Chamou o filho mais velho. Pediu-lhe que seguisse a irmã, para saber o que estava acontecendo. Depois, fizesse relatório por escrito, que seria bem recompensado.
Assim se fez.
O resultado foi dos mais desagradáveis, desanimadores, desastrados e surpreendentes.
Mas, tudo ficou em sigilo, entre a mãe chorosa e o filho, elevado, subitamente, à categoria de detetive particular.
Menina mimada, voluntariosa e cheia de razão, Caçula havia penetrado na trilha do mundo globalizado.
Não pisava mais na escola. Zanzava pra cima e pra baixo, no centro da cidade, liderando uma turma braba, onde se destacavam mauricinhos filhinhos-do-papai, apostando entre si quem seria o primeiro a entrar na mata virgem daquela garota tão legal que, no entanto, se esquivava.
Caçulinha abria a boca e dizia pra todo mundo como seria o cavalheiro dos seus sonhos: um garotão sarado, tatuado – e por aí vai – e até arriscava a medida em centímetros do pênis que o feliz mancebo deveria exibir. Com isso eliminava vários pretendentes de uma só cajadada. Pois não era a três por dois que se encontraria um sexo assim para uma gata especial.
Contava, pra quem quisesse ouvir, que estava sendo assediada por um empresário de meia-idade, dono de uma rede de franquias dos Correios e Telégrafos. Promessas eram muitas, se aceitasse o pedido de casamento: casa, comida, roupa lavada, barba, cabelo e bigode, todas as estrelas do céu e os peixinhos do mar.
Ele a chamava de Su, carinhosamente, na tentativa de invadir sua intimidade.
Ela o chamava de Sr. Antraz, respeitosamente, para mantê-lo à distância, apelido que ele aceitava sem contestar, na esperança de conquistá-la.
Mas, quando tentou beijá-la, ela sentiu um desagradável cheiro de mofo.
Não! Jamais entregaria seu lindo corpo a quem fedesse a mofo.
Contava estas e outras bravatas, nas rodas de embalo, intercaladas com risadas estrondosas, deixando à mostra sua dentadura perfeita e sobressaindo os lábios carnudos. O que a tornava mais interessante, excitante e sensual.
Porém, dizem as más línguas que ninguém pode enganar a todos, durante todo o tempo, e por toda a vida.
Talvez tenha sido por isso que fatos comprometedores sobre Caçula tenham vindo à lume, descobertos justamente pela pessoa errada: o pai.
O pai era homem correto, honesto e regrado. Cumpridor de seus deveres. Reacionário assumido. Retrógrado até a medula. Homem de princípios e moral ilibada. Um autêntico exemplo de dignidade, só encontrado no século passado.
Folheando, aleatoriamente, o livro escolar da filha, viu as fotos coloridas, que escorregaram pelo chão.
Lá estava ela, retratada: nua. Totalmente nua. Em poses esdrúxulas e contrárias. Ora só. Ora acompanhada. À beira-mar.
À medida em que passava foto por foto, ia reconhecendo a doce filha e seus acompanhantes. Estes, filhos de Fulanos e Sicranos (desembargadores, empresários juízes), que freqüentavam sua casa, pessoas de confiança da família, colegas de escola e vizinhos do bairro. Todos pelados.
O olhar do pai anuviou-se. Pela primeira vez na vida, chorou. Grossas lágrimas derreteram-se em cima das figuras, manchando tudo.
Era tarde da noite. A esposa dormia. Acordou-a para dividir a dor. A mãe não demonstrou surpresa. Já sabia das novidades. Calara-se para evitar escândalo, e mais sofrimento.
A filha e os irmãos foram chamados para a reunião familiar de emergência, realizada em torno da mesa da cozinha.
Foi uma longa noite de terror, quando obrigaram Caçula a confessar o nome do autor das fotos, o qual seria denunciado à Polícia, como corruptor de menores.
A mãe aparteou, lembrando que a filha já havia completado a maioridade. O pai não quis saber. Era sua garotinha mimada, criança inocente ainda, enganada pelos cabras safados de quem se acompanhava.
Na manhã seguinte, colocou a filha, à força, dentro do carro. Rumaram os dois na direção da Delegacia de Polícia.
O Delegado era um sujeito gordo, esparramado na cadeira que mal o cabia, numa sala mal-cheirosa, onde o descaso oficial se evidenciava: o reboco das paredes se despregando, os vidros das janelas quebrados. Faltava uma perna no móvel onde ele apoiava os gordos braços e, no lugar dela, uma pilha de tijolos sustentava o birô, para que não arriasse.
Ao ver adentrar na sala aquele pedaço de mulher, acompanhada do velho, o Delegado meditou: - Puxa vida, bem que dizem que araruta tem seu dia de mingau...
O pai mostrou as fotos à autoridade, com o nome do autor. Estava disposto a prestar depoimento para formalizar a queixa.
Mas, o Delegado, ao descobrir a idade da suposta vítima, levantou-se e, apontando o dedão na direção dela, gritou: - A senhora está presa! Por atentado ao pudor! As fotos ficam comigo, como provas!.
A cena foi muito rápida. Não houve tempo para qualquer reação.
Quando deu por si, o velho viu agentes policiais levando sua linda filha algemada, e todos sumiram num comprido, escuro e frio corredor.
Lembrou-se, tarde demais, que deveriam ter-se apresentado ao agente da lei munidos de um bom advogado.
Homem letrado, ele sabia que prisão sem flagrante era ilegal. Sabia também, porém, que de nada adiantava saber, diante da arbitrariedade.
Deixou o prédio com a certeza de que o mundo, aquele maravilhoso mundo que conhecera, a filha virginal como o centro de tudo, não era mais mundo. Talvez, nunca existira. Ele se enganara. O que havia mesmo, de verdade, era o sub-mundo que lhe restava: a delegacia fedorenta, com o mal-cheiroso e mal-pago Delegado asqueroso, e os agentes policiais com caras de bandidos, que desapareceram com a filha algemada no escuro, comprido e frio corredor.
Ainda ecoava em seus ouvidos a voz cavernosa da autoridade policial (- Quem manda aqui sou eu!), em resposta ao tímido protesto esboçado.
Mais tarde, ao encerrar o expediente, o Delegado gordo desceu a escada que conduzia às celas, abriu a grade atrás da qual a moça Caçula chorava, e disse: - Então, pombinha? Gostas dos embalos à beira-mar, é?
E, desabotoando a braguilha, puxou para fora uma lapa de pênis tamanho família, tipo vinte ou trinta centímetros, bico largo, pronto para o combate.
Caçula, Caçulinha, Caçuleta, era menina mimosa, gostosa, dengosa, manhosa e debochada.
Mas, derrubada do alto de seu orgulho, parecia uma gata assustada, acuada num canto de parede por um cão feroz, que arreganhava os dentes, em posição de atacá-la.
Ao ver a cena que o adversário armava, e do fundo poço da mais profunda tristeza que a tomava, pensou consigo mesma:
-Eu devia ter-me casado logo com o tal de Sr. Antraz...

(Do livro “Contos cruéis)
Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB













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