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cronicas-->A janela do hospital -- 02/03/2002 - 23:36 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O dia está no horizonte.
O que Cláudio vê através de sua janela no hospital é a tarde encarnada adormecendo por detrás dos pinheirais e o sol, alaranjado, sumindo atrás dos montes. Um sabiá solitário, em cima de um moirão, lá no meio do descampado, espreita a noite que chega de mansinho.
Há poucos minutos uma moça de branco trocou o soro e saiu sem dizer uma palavra, são infinitas gotas que caem, como carneiros pulando a cerca ou uma ampulheta medindo vagarosamente o tempo em gotas de areia. Um pouco acima de sua cabeça um bip-bip compassado avisa a todo instante que ainda está vivo. No dorso de sua mão, outra enfermeira colocou uma nova agulha. Teve muita dificuldade em localizar a veia e a dor foi intensa. Meio sonolento ouviu, um sussurro de voz, como se fosse sons vindos do infinito.
-Neste braço só existe pele e osso.
A cama baixa e Cláudio volta para a posição horizontal. Um lençol e um cobertor xadrez são os agasalhos que trarão um pouco de aconchego e alguns momentos de paz. O quadro se fecha, não vê mais o dia e nem a escuridão noturna. Ao longe, o latido de um cão seguidos de um sem fim de outros arruaceiros guaipecas.
O estranho, para Cláudio, é que não há mais o barulho dos motores dos carros. Ontem, os automóveis estavam insuportáveis, buzinavam, cantavam pneus e aceleravam violentamente. A sua cabeça rodava. Seu filho disse que foi o campeonato ganho pelo Inter, só que não o deixou ver, pois não podia fazer esforços.
- As bandeiras vermelhas tremulavam nos carros e o Luis Cláudio, teu tocaio, fez os dois gols da grande vitória colorada.
- Luis Cláudio? Eu não conheço nenhum Luis Cláudio. Não era o Cristhian? Meu deus quanto tempo estou aqui? Depois que eu vim para o hospital o Inter não perdeu mais, só vitórias, Luis Cláudio, Hiran, Fábio... não lembro mais. -Tornava-se pensativo um colorado fanático.
Ontem havia um crucifixo na parede, hoje um rosário. Cláudio teme que o seu ontem seja um tempo mais distante e não foi o enfermeiro que trocou o crucifixo pelo rosário e sim ele que está em um outro quarto de outro hospital. A moldura da janela é sempre a mesma, um tom pastel dos anos vinte carcomida pelo tempo.
Ontem ronco dos motores, hoje pássaros, latidos de cães e uma névoa no pé do serro.
Novamente, a moça de branco abriu a janela, o quadro lá fora está cinzento. Chove torrencialmente, a chuva e o vento movimentam o verde, parece frio, o ruído do aguaceiro em um telhado de zinco deixa sua cama mais aconchegante e o embala para uma soneca.
Seu filho lê o jornal, pernas cruzadas, no vaivém das folhas, faz comentários. Não fala mais do Inter, deve ter percebido que Cláudio não acredita mais nas boas notícias das vitórias coloradas. Pouco presta atenção, faz de conta que entende. Nada o emociona. Nada lhe interessa. Nada lhe atrai. Só o olhar do filho, o jeito de falar, o seu bigode, sente-se com quarenta anos a menos. Pergunta pela sua mãe, mas ele não responde. Tudo está ficando meio confuso, aquela mancha preta no teto, ontem ela não estava lá. Sua cabeça roda e a mancha fica maior e mais escura. Está impaciente, se debate, seu filho larga o jornal abruptamente e se levanta, ouve ruídos, o quarto está tumultuado. Muito barulho, choros ou gargalhadas? Nada percebe. Nada sente. Uma enfermeira fincou uma agulha no seu braço, como derradeira tentativa, um entra e sai, correrias de médicos e enfermeiras. O bip-bip do aparelho fica intenso e de repente pára...
Não ouve mais nenhum ruído, não vê a sua janela e nem o sol lá fora. Não ouve os cantos dos pássaros nem os latidos dos cachorros. Não vê seu filho lendo jornal. Está com o olhar fixo, vidrado, em um infinito ponto da parede do quarto.
Enfim silêncio. Enquanto a chuva cai sobre o telhado de zinco e o vento assobia na veneziana.
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