Em meus rascunhos, eu não comecei essa resenha dessa forma. Essas primeiras linhas são improvisadas, pois achei necessário escrevê-las. Pois bem, vejamos o que temos como resumo disponibilizado no encarte da mídia. Transcrevo-o integralmente:
“Quando um xerife prende um escritor, uma família e um caronista, e os trancafia em uma cela, na desolada cadeia da pequena Desperation, eles devem lutar por suas vidas. A caminho do Lago Tahoe, por ansiadas férias, a família Carver é presa quando os quatro pneus de seu trailer furam. Collie Entragian é o xerife encarregado na pequena cidade de Desperation, Nevada, e um policial cuja maldade transcede sua vida. Mas os Carvers não estão sozinhos. Entragian tem o péssimo hábito de, regularmente, deter os viajantes na estrada que corta a cidade e cuja população, na verdade, foi formada a partir do seu arbítrio. O xerife também pode mudar de forma e convocar a ajuda de criaturas horripilantes, incluindo escorpiões, cobras e aranhas”.
Esqueçamos os erros de coesão e coerência e passemos para a interpretação do conteúdo. Agora esqueçamos o conteúdo desse resumo também. O texto acima, além de extremamente superficial, não corresponde ao que o filme realmente transmite. Caso esteja algum dia em uma locadora, pegue esse filme e leia o resumo, lembre-se: você não o alugará. O texto que o ilustra atua como veneno. Use essa resenha minha como antídoto. Eu não sei de onde as empresas responsáveis pelas montagens dos encartes de dvd retiram essas criaturas paquidérmicas para escrever os resumos. Isso chega a ser desesperador! Isso sim! Ainda bem que não há como descobrir o e-mail do cidadão, porque se eu o descobrisse, alopraria a caixa postal do sujeito de uma forma tão radical que fatalmente teria que pedir desculpas a ele, assim como fiz com um conceituado jornalista que escreveu “o fato é que, nos vastos domínios dos romanos, quase ninguém mesmo falava o latim clássico de almofadinhas como Cícero”, na revista Superinteressante de abril de 2006. Sim, eu nunca mais comprei a revista a partir de então. Eu sou “birrento”, eu sei. E sim também, eu mostrei a ele quem era o almofadinha, aporrinhando-o com longos e infindáveis e-mails e páginas e páginas de artigos sobre a vida de Cícero e sobre a sua importância para a Língua Portuguesa. Enfim... acho que ele nunca mais usará o termo em questão, nem para designar as almofadas de pequeno tamanho, que costumam ornar os nossos almofadados sofás, em que assistimos a obras fantásticas como Desespero.
Por falar nesse filme, é justamente sobre ele a resenha. Acabei de lembrar...
O mestre do terror Stephen King condensou a imagética metafórica de sua obra em Desperation, todos os significantes estão lá, todos os significados fluem deles: os animais das trevas (animalia tenebrarum), lobos, cobras, corvos, aranhas; o humano-zumbi possuído que serve como hospedeiro do mal, lembrando-nos clássicos como “Invasores de corpos” (1956); o resgate da história indígena americana, por meio das representações iconográficas e da conexão com as suas lendas; a cidade-fantasma; os intertextos nas falas das personagens, não só com obras clássicas do terror, como também com as obras de cunho próprio; o ambiente fantasmagórico e a atmosfera em suspense contínuo, com visões fellinianas, mascaradas em insights e flashbacks, que explicam a trama, além de desviar a atenção do telespectador do foco principal da narrativa, incessantemente, cena após cena, em um frenesi insaciável, que somente soberbo maestro poderia orquestrar.
Nesse filme, há a presença de um garoto, que serve como um aglomerador no grupo, manifestando a sua crença cega em Deus e que desenlaça os fios da narrativa. Ele focaliza e concentra a ação, guiando as demais personagens. Essa presença da criança na obra de Stephen King é marcante: somente ele poderia fazer uma menina cega, enxergar mais que todas as outras personagens (Fenda no Tempo); um menino com habilidades psíquicas em O Iluminado; crianças que matam uma aracnobesta alienígena (IT), só para citar alguns exemplos.
Stephen faz justiça ao seu sobrenome, quando se trata do sobrenatural. Todos os elementos estão relacionados entre si. Há uma íntima relação entre o que o símbolo representa no inconsciente coletivo com a representação particular do escritor, expressa em seus livros e em seus filmes. Como tenho que limitar o número de caracteres do meu texto, ressalto apenas um símbolo marcante nesse filme, a título de ilustração: a figura do “corvo”.
Essa ave que, na cultura ameríndia, particularmente na América do Norte, tem a carga semântica de “guardião das almas”. Ele é o elo entre esse mundo e o além, já bem representado por James O’Barr, inspirado em Poe, diga-se de passagem. No caso do filme, ele assimila a criatura do Mal, “Tak”, mantendo-o entre o nosso mundo e o “poço das almas”. É o corvo o vigia, é o corvo quem vê e ouve, é o corvo quem transporta a entidade maléfica para os corpos das pessoas.
Quem está lendo esse texto provavelmente está se perguntando: mas quando esse tedioso e chato sonífero humano escreverá sobre o enredo do filme? Qual é o nome da personagem principal? O que acontece cronologicamente na história? Qual a classificação do filme? Será que minha avó pode ver isso? Que fim levou o Robin? Qual é o nome do filme, mesmo?
Se essas perguntas foram feitas, lamento informar que você não deveria ler textos meus. Se quiser saber o “enredo”, leia aquele maravilhoso resumo que ornamentou magnificamente a introdução dessa resenha, se quiser ficar na superfície, não me leia. Se quiser saber sobre os atores, personagens e créditos, leia a ficha técnica.
A propósito, acabei de lembrar....
Eis uma boa ficha técnica do filme, retirada do website oficial de Stephen King (http://www.stephenking.com/):
Directed by
Mick Garris
Writing credits (in alphabetical order)
Mick Garris
Stephen King (also novel)
Cast (in credits order)
Tom Skerritt .... John Edward Marinville
Steven Weber .... Steve Ames
Annabeth Gish .... Mary Jackson
Ron Perlman .... Collie Entragian
Shane Haboucha .... David Carver
Kelly Overton .... Cynthia Smith
Matt Frewer .... Ralph Carver
Sylva Kelegian .... Ellie Carver
Charles Durning .... Tom Billingsley
Henry Thomas .... Peter Jackson
Ewan Chung .... Shih
Alain Uy .... Cha an
rest of cast listed alphabetically
Sammi Hanratty .... Pie Carver
Tom Parker .... Young Johnny
Trieu Tran .... Young Viet
Chris Calilung .... Vietnamese moped rider 2 (uncredited)
Produced by
Mick Garris .... executive producer
Stephen King .... executive producer
Mark Sennet .... executive producer
Kelly Van Horn .... producer
Cinematography by
Christian Sebaldt
Casting by
Lynn Kressel
Production Design by
Phil Dagort
Art Direction by
Jason Weil
Set Decoration by
Marcia Calosio
Costume Design by
Warden Neil
Makeup Department
Claudia Breckenridge .... assistant hair stylist
Kim Collea .... makeup department head
Jake Garber .... prosthetic makeup supervisor
Tina Sims .... key hair stylist
Art Department
Cortney Burk .... art department coordinator
Bill Garber .... set dresser
Nancy Garber .... shopper
John M. Oswald .... on-set dresser
Sound Department
Mark Greene .... sound utility
Kate Jesse .... boom operator
Lisa Pinero .... sound mixer
Special Effects by
Lou Carlucci .... special effects coordinator
Andy Schoneberg .... special effects makeup coordinator: KNB EFX Group
Cory R. Starr .... special effects technician: Bisbee, AZ