Ode
Eu poderia começar elogiando a aveludada textura de suas coxas.
Mesmo assim, eu pouco diria da sensação que elas me provocam
porque teria que aliar o sentimento ao cheiro, o cheiro à vista, a vista ao toque
e por mais que te elogiasse, apenas passaria ligeiro por tuas penugens douradas.
Ouço a voz que vem de onde sobe a doce fragrância
de tudo que seu hálito exala,
de todo seu amargo e seu álacre e seu doce,
onde quer que você esteja, e sempre e muito.
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Eu poderia começar do instante
em que primeiro os cheiros nossos se juntaram.
Teu suor de fêmea desejosa e incontida.
Meu suor querendo invadir todo seu corpo.
Olho na praia tuas pernas perfeitas.
E tuas pernas são como meu passado,
onde sempre busco meu mergulho,
como o presente, onde me cego e, cego, cada vez mais te percebo,
como o futuro, onde, banhado de luz,
queimo e ardo, amanheço, anoiteço e tardo.
E teu sexo frondoso é uma generosa copa
onde sorvo meu úmido desejo.
E teus peitos são como suave colina
onde o vento sopra majestoso,
eriçando teus pelos, enrijecendo seus cumes.
E como eu te amo, mulher,
e como sempre me vivo e me imagino
onde te vivo e não te alcanço.
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Qual a temperatura em que nossos sucos se fundem?
Qual é o tom de vermelho que reina
quando meu corpo se esfrega no seu?
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Em cada dobra de sua pele mora um tempo.
E é assim que te encontro, simultaneamente.
Ana da Bretanha, camponesa, fonte, regato,
praça, martelo, obra, luz.
E em cada suspiro de teu regaço mora um sonho.
E é assim que te imagino, torre, parede, veludo,
água que corre, ponto, pétala, noz, imensidão de mar sem fim.
E em cada expressão de teus olhos
mora um dia que é todos os dias.
E assim te vivo, sexta-feira santa, ano-novo, carnaval,
círios, procissões, incubação de todas as espécies.
E te sorvo como quem sorve um tempo,
nau de catedral, vazio e silêncio,
altas colunas e seus desígnios,
piso branco e negro que alterna e engana a vista
e onde nunca se sabe o que é o céu e o que é o céu.
Assim te olho inteira todos os dias,
todos os tempos e em todos os sonhos.
E assim você reina soberana como um mosquito,
uma taturana, uma flor, uma lua que teima em se mostrar
por trás de massas de cinzas nuvens.
E então, enfim, calmo em teu colo te amo.
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