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Contos-->Tirar uma palha, picada de fumo, o que o gato enterra -- 24/05/2002 - 21:37 (Semi Gidrão Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tirar uma palha, picada de fumo, o que o gato enterra

A lingüística e as expressões idiomáticas em língua portuguesa sempre realizaram prodígios em terras brasileiras. Sempre estiveram na construção de uma língua plura, na construção de uma língua de riquezas múltipla e implementação infinda.
Na faina do dia-a-dia da fazenda Gameleira, em quanto o pasto era ruminado preguiçosamente por chifres e cascos nos talhões ermos de invernadas sem fim, depois da bóia energética do quibebe de mandioca com costela gorda, arroz rapento e feijão grosso com ubre de vaca e pele de porco, que dava "substância", Tibúrcio vagava a ermo pelas longarínas do pomar, rodeava o paiol e levantando a tampa de tulha, meio esgueirando, largava o corpo nas palhas que, reservadas, serviriam em uma madrugada qualquer para pelar o capado.
Neste entrevero, meio que fugindo do trabalho, embernava no escuro da tulha por três quartos de hora, num sono alucinado, daquele de sonhar e babar, até acordar alvoroçado, escolher sem muita escolha duas ou três cabeças de palha e se largar trilheiro adentro, rumo ao eito da roça para continuar o baile com o guatambu.
A palha escondida na pressa do atraso do sono, meio que tomada de susto ente tantas e tantas, acabava ficando longe da maciez e da textura ideal para o cigarrinho saboroso, mas na lida de venda de dia, que sabor que nada, cigarro serve mesmo para fraquejar o peito, enfumaçar em roda e espandar muriçoca.
Uma pitadinha, por fora, era divertimento até barato, uns níqueis e algo por uma chave bem medida na carga da venda rende muitas e muitas picadas e cada uma, se o canivete estiver bem amolado, dá um e até dois porroncos de derrubar varão bem fornido, que além de ajudar o correr do tempo, ainda alonga de volta todo o tipo de tentação cantante, muriçoca, mosquito, mosca, marimbondo e até mangangás.
Depois que o tempo passou a custar dinheiro e a renda apredeu a ser contada por mês, dia, hora e até minuto, quando as tarefas empreitadas perderam o uso para tal de semana inglesa, a ajuda do cigarro e da palha de enrolar ganhou duplo sentido, enrola-se cigarro e o patrão e a sexta depois da bóia, no entendimento dele, o patrão, é conversa de preguiçoso. O cigarro de palha passou a ter um outro motivo, uma certa vingança prazerosa em relação ao ato de domínio que o patrão nos exerce.
Tibúrcio nunca perdeu tempo de seu, nunca mangou no eito da tarefa, se o fazia, quando fazia, era no tempo de dia vendido, no tempo de hora medida e paga pelo patrão.
Certa tarde, depois da bóia preguiçosa e da palha furtada ao paiol na forma de deliciosa cochilada, bem como do enrolar de vários porroncos, quando já se levantava assustado com o próprio atraso para ganhar o caminho do eito, inadvertidamente, Tibúrcio escorreu o braço por sobre o eitão da tulha e um moio de apetrechos veio ao chão. Era estribo, badalo, cutelo, esporas e até um velho alicate bordijo de capação, com a queda uma barulheira incontível e com ela a atenção de Limiro.
- Tibúrcio, Tibúrcio..., essa preguiça te acaba e põe sua vida na braveza.
Seua custeio é maior que seu rendimento. Você não vale uma picada curta de fumo.
Até aí tudo bem.
Não seria fácil outra ocupação nas redondezas, mas vá lá, até na troca de dia, com os capados do chiqueiro, dava para esperar a colheita. Só não dava para pregar prego sem escopo.
Humilhado, Tibúrcio foi maquinando uma vingancinha. Nada cruel, mas algo que demonstrasse sua indignação.
Na venda da rodovia, ainda com os poucos trocados do acerto, bebeu uns tragos, no martelinho mesmo, comprou dois litros fechados, dois palmos de fumo grosso, uma quarta de polvilho azedo, dois litros de sal amargo, dois tostões de pó de cagaita e se foi.
O pó da cagaita foi bater direitinho no fundo do pote de servidão de seu Limiro. Misturado com o povilho, dentro de um embornal branquinho de algodão alvejado o sal amargo escafedeu, sumiu, virou nada a não deixou rastro, mesmo acompanhando Tibúrcio até a varanda de Limiro.
Pelas tantas, Limiro, já sedento, acabou por mergulhar a caneca de flandre no pote e engoliu prazeroso, em golfadas abundantes quase litro d água.
Bateu e valeu, da varanda às moitas de bananeiras do fundo do quintal foi um corisco.
Gemidos, roncos, berros e uma fedentina só.
Combalido, olhos fundos, ar debilitado e expressão quase cadavérica, era o retrato da dor. Apertar a cinta das calças impas e pedir delicadamente pra Dona Candoca lavar as outras, Limiro, que até era prepotência e arrogância, agora humilhação...
Tibúrcio ainda não se contentara..., era preciso mais... muito mais.
- Seu Limiro, pr essas desarranjadas de tripa, o mio é mingau cru de polvilho azedo. Dis que é tiro e queda...
Dito e feito, e o polvilho saiu do embornal e foi para caneca nadar em mais água do pote. Três dias depois, bem mais magro e desidratado, fraco e sem força, voltando da cidade, carregado de remédios na sacola e com os braços roxos e doloridos de injeções, limiro encontrou Tibúrcio, contou-lhe com detalhes das mazelas e dos tratamentos e agulhas da cidade e se despediram:
- Que Deus te cuide, seu Tibúrcio...
- Que Deus te cure e devolva saúde, seu Limiro...
Viu condenado, pensou consigo Tibúrcio, neste mundo de meu Deus, vale tanto quem vale pouco e nada quem tudo vale.
Os poderosos, perto do Poderoso, vale menos que o que o gato enterra.
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