A abertura dos arquivos da ditadura militar é um assunto premente a ser tratado com a devida clareza. Não devemos ser afoitos, mas o descaso também é constrangedor.
O que aconteceu de tão extraordinário e tenebroso nos porões da ditadura que o tema é proibitivo e intocável?
O mais interessante e que causa indignação é que setores das esquerdas, aqueles que tinham o maior interesse nesses arquivos, também estão omissos. O que causa tanto desinteresse? O próprio presidente Lula, em outros tempos, foi fichado nesses porões. E hoje silencia.
A abertura dos arquivos secretos é um anseio da sociedade e de todos aqueles que possuem um parente ou amigo desaparecido. De todos aqueles que foram presos políticos e que ainda hoje sofrem os traumas da tortura. O que essas pessoas desejam é saber onde estão os seus entes queridos.
Devemos seguir o exemplo da Argentina, Uruguai e Chile que abriram seus arquivos. No Brasil há um compasso de espera. Alguém já comentou em uma espera de 50 anos. Falta, para nós, a perseverança das locas da Plaza de Mayo.
Os dois últimos governos, FHC e Lula, entraram na contramão da história. Sem o menor empenho nesse sentido. Os arquivos continuam intocáveis e reina o silêncio. Por outro lado, esses governos resolveram premiar quem foi torturado, preso político ou é descendente de desaparecido. As indenizações são milionárias. Atualmente, há uma corrida para ser herdeiro ou comprovar que foi preso político para por a mão na grana. E com isso a luta pela abertura dos arquivos fica relegada a um segundo plano.
Acho importante uma indenização para um familiar ou perseguido político. No auge da ditadura eram pessoas discriminadas por alguns setores da sociedade. É importante esse reconhecimento e não há problema que seja financeiro. O que é indecoroso são as somas aviltantes, exageradas e fora da realidade. Quem não desejaria ter um parente ou ter sido um preso político para embolsar milhões de reais? Hoje, é chique ser ex-revolucionário.
O Ministério da Justiça aprovou a promoção do ex-capitão do Exército Carlos Lamarca a general. Com isso sua esposa receberá o equivalente como pensionista. Dona Maria Pavan Lamarca e os dois filhos sofreram com a ausência do esposo e do pai. Quantas noites insones no exílio? Quantas foram as lágrimas de saudade? Quais os traumas que trazem seus filhos pela incerteza da vida do pai?
Assim, entendo justa a pensão como esposa de militar. Mesmo que o ex-capitão tenha sido um desertor. Lamarca continuou militar. Um revolucionário no sentido mais romântico da palavra, pois sua luta era por ideais, coisa meio fora de moda hoje.
No entanto, a abertura dos arquivos deve ser o cerne da luta dos brasileiros, principalmente daqueles que ainda são assombrados pela tortura em seus pesadelos. Por aqueles que se assustam com um busca-pé numa festa junina ou por um telefonema em hora incerta.