Murmúrios
Regressar é partir outra vez, deixando para trás os afectos, os lugares, as pétalas rosáceas dos frutos prometidos, em tempo a crescer.
Regressar é como desprender a alma para que ela roce ao de leve apenas a superfície dos objectos. Tudo o que é livre prende. Fixei os teus olhos como uma criança que, ainda perto dos mundos espirituais, confia na magia dos gnomos que a fada lhe segredou. Eram de cor indefinida os teus olhos e eu esqueci-me de procurar o cais donde sairia o barco que tinha de tomar.
Regressar é segurar na mão a carícia do desprendimento, deixando as palavras do adeus flutuando ao vento como os cabelos no momento do barco se afastar. Soprava como siroco uma aragem de mistério, sugerindo rumores confusos, vultos indistintos, murmurando, em surdina, nas ruas estreitas do burgo mal iluminado.
Regressar é voltar ao teu olhar de magia, é reaprender o caminho mais próximo. É poder repousar nas penas dos pássaros e segredar-te baixinho que um pássaro é como um navio, sem a preocupação de descodificar o momento seguinte.
Regressar é parar junto de ti, esquecer o momento, sentir o calor, saborear o olhar e deixar que o vento te transporte no sonho. É a dissolução, a oxidação, o milagre esquecido, o floco de neve que queimou o cálice. É a pobreza da folha nocturna, a escuridão da noite, a corrosão plena, o delírio. É erguer-te porque te quero.
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