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Artigos-->Areia levada pelo vento num continente longínquo -- 14/11/2001 - 18:47 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
B R I E F E A U S P A K I S T A N (23): "Olive Jane"



[Ulrich Ladurner escreve do Paquistão para o jornal de Hamburgo DIE ZEIT online. Da mesma série, neste site, o leitor vai encontrar as minhas traduções para: "Islamabad-Blues", "O amor em tempos de guerra", "A guerrilha dos dólares", "A chave (ou: para se compreender o Paquistão)", "DEUS NEON (ou: como depois de uma revolução" e "Há esquinas das quais a gente não gosta de se lembrar".]



_______________________



Por Ulrich Ladurner

Trad.: zé pedro antunes

_______________________





No dia 2 de novembro de 2001, eramos algumas poucas pessoas em visita ao cemitério em Rawalpindi. Alguns dias antes, durante a missa do domingo, homens armados tomaram de assalto a igreja católica em Bahawalpur. Mataram 18 cristãos. O padre de Rawalpini, em todo caso, cancelou a cerimônia que, em tempos de normalidade, costuma celebrar a céu aberto, no cemitério, por ocasião de Finados.



O dia estava ensolarado. Uma brisa fresca perpassava as copas das árvores. Para além dos muros do cemitério, os ruídos do transito urbano. Parentes zelavam pelas sepulturas de seus mortos: arrancando mato, retirando dos vasos as flores ressequidas, juntando papéis e tiras de plástico que o vento havia trazido até ali. Amontoavam o lixo, para depois incinerá-lo. O fogo provocava estalidos, fazendo evolar uma fumaça azulada. No ar, o cheiro de queimado misturava-se ao perfume das flores.



Rapazes jovens, filhos talvez, netos ou bisnetos dos mortos, derramavam água nos vasos e afastavam a sujeira das lápides e das cruzes. Faziam tudo calados. Certas famílias formavam círculos em torno à sepultura de seus parentes. Sobre as lápides, haviam sido espalhadas folhas tenras. As pessoas murmuravam preces inaudíveis. Em meio ao silêncio, só o vento com o seu sussurro.



Quanto mais eu me aprofundava pelo interior do cemitério, menos pessoas se viam e os túmulos ganhavam a aparência de terem sido abandonados, alguns até mesmo arruinados. Nas canaletas que se formavam entre as pedras, o mato ia crescendo. Cruzes caídas no chão. Algumas inscrições haviam se apagado quase que por inteiro. Galhos mortos, espalhados pelo caminho, em meio ao mato e ao lixo.



Bem ao fundo, por onde o alarido de Rawalpindi invade o cemitério, uma cerca viva estabelecia os limites do terreno. Por trás da cerca, um campo cheio de sepulturas. Tinha a forma de um triângulo. As lápides convergiam, em fileiras cada vez menores, para o ápice do triângulo. Nele havia um monumento. A grama estava verdejante e havia sido cortada rente ao solo. Os túmulos reluziam em sua brancura.



Ali jaziam os soldados e oficiais que sacrificaram suas vidas pelo império britânico. Esta parte do cemitério fora erigida há alguns poucos anos apenas. Os soldados de sua majestade foram acomodados em sepulturas mais dignas.

Esses homens morreram em guerras no Afeganistão, em duelos com as etnias selvagens do Paquistão, em luta contra rebeldes, em derrubadas de rebeliões; morreram nas grandes batalhas da 2a. Guerra Mundial.



Oscar Wilde lhes dedicado algumas linhas:



For not in quiet English fields

are these, our brothers, laid to rest,

where we might deck there broken shields

with all the flowers the dead love best.



For some are by the Delhi walls,

and many in the Afghan land,

and many where the Ganges falls

through seven mouths of shifting sand.



Agora, jazem num continente longínquo, que um dia pertencera ao seu império, numa terra que costumavam olhar como sendo a sua pátria. Enterrados em Rawalpindi, num campo exíguo, cercados pela cidade que regurgita e que a respeito deles não saberia muito mais coisas. Areia soprada pelo vento, é o que eles foram. A primeira tempestade os varrera para fora das terras da Índia.



De parte dos soltados, ficou uma inscrição tumular, que o Capitão A. St. J. Vida dedicou a sua mulher Olive Jane:



"Querida, como viver sem você? Como seguir adiante, neste mundo sombrio, sem as tuas doces palavras e sem o teu amor, triste e perdido tal qual eu me encontro. Descansa em paz.



Ela me amava. Entregou uma vida valiosa, a sua, em nome do amor. Foi esposa e mãe. Seu coração de ouro tinha lugar para um, e ofereceu lugar para todos. Saía no encalço de qualquer grito de socorro. Era uma rainha entre as mulheres.



Você foi o maior dentre os meus tesouros, querida Olive. Arrancada de mim quando mais de você eu precisava, quando o fogo da saudade me consumia. Em meu horizonte, para sempre o sol se pôs. Para sempre se apagou a luz que inundava a minha casa."



Olive Jane Vida morreu no dia 19 de setembro de 1938, em Rawalpindi, Paquistão.



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