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Artigos-->Overbook médico -- 06/07/2007 - 19:45 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nunca fui muito adepto de marcar consultas em médicos diante de qualquer espirro, coceira ou jeito mal dado. Além de ser teimoso, acredito no poder da autocura e na homeopatia como abordagem profilática. Enfim, não costumo ficar doente. Ao menos não dou o braço a torcer para qualquer virose. Ainda assim, sou mais um infectado para engordar as estatísticas de uma epidemia grave: estou com doença de paciente de convênio em consultório particular.

Quando criança, acompanhei minha mãe várias vezes em tentativas de ser atendida em hospitais públicos e essas experiências foram mais que suficientes para me manter longe do SUS enquanto puder. Ou enquanto o poder público não investir um pouco do muito que usurpa de nós em serviços no mínimo dignos. Um dia, ingênuo e pedante, achei que se investisse num plano de saúde desses bem caros, mesmo sendo eu um usuário bissexto de serviços médicos ou paramédicos, estaria livre de qualquer transtorno quando - e se - precisasse ouvir uma opinião de um profissional de branco. Coitadinho de mim e de nós todos que bancamos aqueles boletos que quem paga, sabe o que é bom.

A nominata está na lista telefônica e, depois de ensaiar uns três ou doze dias, resolvo consultar um especialista para avaliar uma dorzinha no tornozelo direito. Ela já é companheira minha há alguns meses e só se apresenta quando aperto a caminhada de fim de tarde. Mas o que custa dar um nome científico para a bichinha? Entorse, fibrose, luxação, sei lá. Decidido, ligo para o número em negrito e a voz do outro lado gela os meus ouvidos. Digo o que quero e com qual doutor e escuto a pergunta: “É particular ou é convênio?”. Depois de me identificar como conveniado fico sabendo que só poderei ser atendido em junho. Estando em março de 2007, fico feliz em saber que é em junho deste ano ainda. Penso que a agenda lotada é porque se trata de um médico-ninja da ortopedia e reservo o horário.

Vem junho e estou no consultório cinco minutos antes do horário marcado para as 16h00 de uma sexta-feira. A decoração é sóbria, estilo Tok Stok Clássico com cheiro de novo. As recepcionistas ficam num balcão lá no fundo e quem chega é obrigado a atravessar toda a longa sala repleta de cadeiras também repletas de gente que espera para ser atendida. A mocinha nem tão mocinha assim pergunta meu nome no tom profissional Frostfree, pede o cartão do convênio e “ordena” que eu aguarde. Procuro uma cadeira vazia e encontro acomodação ao lado de um velhinho com a perna engessada. Há, nas mesinhas, muitas opções de leitura. Escolho a mais recente: uma revista EXAME de 2002, com as previsões para 2003. Fico rindo dos futurólogos, perdido em minha leitura sem interesse, enquanto vinte e cinco minutos vão embora. Começo a me contaminar com a bactéria dos pacientes de convênio em consultórios particulares. O velhinho ao lado, que ainda está na mesma posição de minutos atrás, parece já estar em fase terminal da mesma doença.

Em qualquer área, qualquer mercado, se o fornecedor demora mais de dez minutos para atender o freguês, corre grande risco de falir em poucos meses. Até os bancos devem seguir uma lei que limita o tempo de espera dos miseráveis da fila. Os médicos, esses não precisam se preocupar. Mais uma vez, brincam de Deus e acham que têm o direito divino de perder o meu tempo. Não preciso dizer, porque você já sabe por já ter passado por isso, que o doutor do parágrafo acima, aquele mesmo que só pôde me receber depois de meses, aquele que marcou a consulta para 16h00, só me atendeu às 18h30m. Pediu um raio-x e me despachou.











As desculpas são várias: uma emergência no São Lucas, um imprevisto no HC, uma morte de um paciente. Todas justificativas compreensíveis fossem elas exceções e não regra. Se a emergência, o imprevisto e a morte, que são parte da rotina da medicina, atrapalham tanto o sistema de atendimento dos consultórios conveniados, está na hora de mexer profundamente nesse sistema.

Desculpas à parte e apenas como uma hipótese muito improvável, será que não há médicos praticando um overbook para compensar os baixos honorários pagos pelos convênios? Recebendo pouco, eles marcam mais consultas por dia dariam conta de atender, prejudicam a qualidade do próprio trabalho com consultas superficiais cada vez mais dependentes de exames terceirizados e preferem atender primeiro os pacientes que têm bolso para pagar duzentão por uma hora de conversa. O resto fica para quando der e do jeito que der. É só uma idéia boba que também explicaria o mau humor, a grosseria mesmo, com que as atendentes tratam os doentes que recebem: elas são mal pagas por médicos mal remunerados e sabem que os clientes são apenas a ralé da classe média (“Tá reclamando por quê? Vai no postinho pra ver como é, dona!”). Ou então são todos parte de um cancro epidêmico que me tira a saúde e me afasta dela. Que médico vai curar essa minha dignidade gangrenada?

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