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cronicas-->Bondosa velhinha -- 07/03/2002 - 22:34 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Chamava-se Maria Anita Garibaldi Deodora da Fonseca Prestes. Uma bondosa anciã. Morava em um distrito de Santa Maria e vinha todo santo mês pagar a prestação de seu financiamento habitacional no caixa da Caixa.
Diante da simpatia e das atitudes amáveis daquela bem-falante senhora, certa vez, resolvi fazer um comentário sobre o seu nome. Um nome imponente que desde o primeiro dia aguçou minha curiosidade sobre sua origem.
- A senhora tem um interessante e bonito nome, presta homenagens a várias figuras da nossa história. De antemão, percebe-se que seus pais eram pessoas cultas.
E comecei minha divagação elogiosa:
- Anita Garibaldi foi uma guerreira, valente farrapa e incansável companheira do grande e também herói farroupilha Giuseppe Garibaldi; Deodoro da Fonseca, proclamou a república do Brasil e foi o nosso primeiro presidente e por fim seu nome homenageia Luiz Carlos Prestes, o cavaleiro da esperança, um dos maiores ícones da esquerda brasileira. Um revolucionário por excelência. Foi preso e torturado, viveu boa parte de sua vida na clandestinidade lutando pela justiça e pela liberdade que acreditava.
Imaginei que um elogio desses a bondosa velhinha jamais havia recebido.
A fisionomia de D. Maria Anita enrubesceu, transformou-se do outro lado do guichê e soltou o verbo acerca do seu nome.
- Olha moço! Anita Garibaldi foi uma vagabunda, abandonou o marido e foi viver com um depravado caudilho italiano metido a conquistador; Deodoro era um fracote, tão fraco que para proclamar a república levantou aquele chapéu velho e fedorento que usava, em qualquer país civilizado e decente um herói de tamanha envergadura levantaria uma espada e descarregaria uma rajada de metralhadora no infinito azul do universo. O Prestes, um sem-vergonha grande, traiu o exército e foi à moda caudilhesca com uma tropa pelo Brasil adentro, achando que resolveria os problemas do país, não deu em nada. A intentona de 35 foi o seu maior fiasco. E sentenciou: - Moço! No meu nome só tem sem-vergonha e vagabundo.
No lado de cá do guichê fico estarrecido. Momentaneamente sem saber o que dizer. Quando me refaço do golpe me lembro de Nossa Senhora, como sou devoto de Santa Maria, silenciei sobre qualquer comentário acerca da Maria do seu apoteótico nome.
Dona Maria Anita ainda fez outros comentários sobre algumas personalidades da nossa história e encerrou o assunto com a alma lavada e um largo sorriso que iluminou sua face travessa.
Arrumou seus pertences em sua inseparável bolsa, levantou-se lentamente e saiu. Repentinamente volta e fala baixinho para eu ouvir o seu último comentário:
- Vou indo pois o meu genro, o Getúlio, está me aguardando... aliás, um corno nesta história.
E se foi, passo curto e ligeiro, para fora da agência, ao encontro do genro.
E eu fiquei sem saber se o corno era o genro ou o saudoso trabalhista ex-presidente.
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