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Contos-->O Homem E A Fada -- 01/06/2002 - 13:23 (José Roberto Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Você não faz a menor idéia do que uma pessoa é capaz de fazer para obter amor.
As vezes até que você sabe, mas esquece, olha pro outro lado, desconversa, finge que não vê e nem dá lugar pra velhinha sentar no ônibus.
Eu sei como você é, você é foda.
Então presta atenção no que eu vou lhe dizer que o papo é sério.

Amor se compra? Se compra!
Se compra, se aluga, se vende, se empresta, se rouba, se furta, se faz de tudo. Até chego a pensar que a mola que sustenta a alma da gente é o amor.
Não o amor que rola na TV, essa baboseira açucarada. Mas, gozado! Aquele amor da televisão também não deixa de ser amor, né? Tem gente por aí que se mata, se pica, se ilude, se engana, se masturba e principalmente quer por que quer aquele amor que a televisão põe pra vender.
É que tá foda, não tem mais amor nesse mundo, cara. Tá tudo geladão, tudo esquisito, até aonde dizem que tem amor... não tem amor.

Amor ficou esquisito, ficou sem cor, sem gosto, sem cheiro, aquela coisa que os poetas dizem que não tem forma mas que todo mundo quer ter.
Amor é água, né: água que é vermelha, verde, azul, de todas as cores, correndo nos fios elétricos da nossa cabeça de máquina vivente e pensante, movida com o combustível do amor.

As mudanças que não mudam, os casos descasados, tudo que rolaou deixou de rolar não é real, é tudo falso. Por que não tem amor e, quando têm amor... Não é amor de verdade.

Tá bom!
Aí você me peita, me coloca na parede e pergunta se eu sei o que é amor.
Saber eu sei sim, espertalhão! Eu sei sim por que eu tomei tranco na cabeça, tirei todo esse monte de merda colorida e perfumada que eles querem que a gente compre... Eu tirei tudo que foi tipo de bosta ilusória e prazeirosa da minha cabeça e pum! O tijolão, a bigorna do Perna Longa, caiu na minha vida e senti o peso do WTC na moringa.

Não dá pra saber exatamente o momento em que o céu soltou a bigorna na minha cabeça, só sei que a bicha caiu, pegou firme e eu me liguei. Não tenho como lhe indicar o caminho e nem o lugar quando e SE a bigorna cai, mas se ela caiu em mim, cai em você. Ou não, sei lá!
Foda-se.

Amor inocente, lembra desse?
Falando a verdade, nunca vi, pra ser honesto. Amor inocente, aquele amor de criança que gosta de você e que quer que se foda estética, dinheiro, coisas, saúde, cheiro. Ela gosta e gostam, pronto, acabou, e sai toda feliz cantando pelo mundo a inocência de amar simples e sem frescura. Um amigo meu que tem uma filha disse que ela sente por ele esse tipo de amor. Será mesmo? Ou será outra coisa, um bem-querer meio bicho, coisa que mulher têm quando é nova mas que vai virando lascívia com a idade, e o pai acaba sendo trocado pelo primeiro boyzinho com moto, jaqueta de couro e que diz o que ela quer ouvir?

Tem um tempo que esse amor é real, né? E esse amor é o que a gente quer.
E quando você não tem esse amor, cara, quando você vai se afastando do amor mais real do mundo, o único amor de verdade, o amor sem pedir nada em troca, o amor crístico ou magístico, que seja...
Você começa a ficar mais perto dos lábios daquele que cospe e escarra no centro do Universo, aquele monstro que é um saco de demência e de merda podre e que tem o poder de lhe mentir, de lhe enganar e de dar o desespero na embalagem de um sonho de infância, de ninar.

A rotina dele quebrou.
Ele, o Osvaldo, filho do seu Carlos e da dona Solange.
Ele, respeitável homem de negócios, representante da Markson, tinha sua vida sobre controle.
Tudo planejado, em dia, em ordem.
Só que...

Só que as coisas ficaram insignificantes. Importantes mas sem valia, mandonas mas sem destino, só indo e indo, desfrutando um barulho surdo de querer ter, de querer fazer parte, abrindo caminho por entre pessoas, escolas, diplomas, empresas.
Indo, sempre indo, empurrado pelo crescimento, pelos pelos pubianos, pelo pênis, pelas obrigações, pela rotação da Terra, pelo sobe e desce do sol no horizonte.
Batendo e rebatendo, seguindo sempre, indo pra lá e pra cá, buscando a cenoura na frente do jumento.
Ele até que foi longe, viu? Bem longe mesmo. Ganhou cargo, postura respeitável, bens, inveja, respeito, submissão.

Até que tudo se esticou, se torceu e estalou e quebrou.

De manhã, as sete e meia, levantar. Era difícil dele acordar mal humorado ou de bom humor. Acordava, pronto, como se saísse de dentro de uma caverna, indo aonde estava a luz do cinescópio.

Banho: 10 minutos, para que perder tempo com cantoria, como fazia o seu vizinho, a voz torta ecoando pelo vão do prédio? Rápido, simples, dentes e barba limpos, creme no cabelo liso, preto, meio grisalho no alto.
Roupa: cueca, camiseta, camisa, terno, gravata, meias, sapatos, cinto, pasta, celular Nokia. Coisa feia homem andar com carteira no bolso, carteira tem que ficar junto com as coisas. Só o dinheiro, preso por um prendedor, esse sim, deve andar perto.
Café da manhã: suco de laranja da caixa, sucrilhos, pão com presunto, às vezes um ovo frito.
Após se despedir da empregada, elevador, carro, ligar rádio e ouvir a CBN na rua, avenida, trabalho.
O mundo vai indo.

No trabalho: portaria, passar crachá no “slot”, bom dia-bom-dia-bom-dia-bom dia, sala, cadeira, papéis, cinzeiro aqui para perto, receber as ordens de serviço de ontem que ficaram pendentes, contactar os fornecedores de matéria prima, os clientes de sempre, as grandes lojas, voa o tempo, vem o cafezinho.

Pausa para uma olhada eventual para os seios da dona Sidinelza, a faxineira velha mas gostosa. União de prazer carnal com senilidade. Ela é crente, Deus escolhe melhor.

Volta para a sala, acerta as coisas, o boy, manda depósito na conta do seu Cardoso, telefonemas com o pessoal da cobrança (cadê a fatura da semana? Sai ou não sai?), acertar a agenda da semana que vem.

Almoço no salão da empresa: bom apetite-bom apetite-bom apetite, saladinha de alface, lasagna, azeite (dizem que é bom pro coração), um filé de peixe no lado do prato, suco de caju gelado.
O pessoal: o Fábio da consultoria de projetos, o Dênis da cobrança, o Milton do estoque, e o Plínio do controle. Poucas mulheres: Soraya da contabilidade, Marcia da cobrança, a Suziane do design. Todas feias, gentis, amigas, e feias.
Palitinho, um cigarro, café.

Volta para a sala, conversa com o segundo boy, manda fazer um saque pra pagar o pessoal de uma obra que atrasou (vê se não perde tempo no fliperama, Carlinhos!), reunião com o pessoal do ISO 9000, conversa com o seu Paulo, o dono da Markson, sobre o churrasco da empresa no fim-de-semana antes do aniversário do seu Rui, o sócio da empresa. Dois coelhos com uma cajadada.
Cafezinho, um cigarro, sobrou um tempo: leitura da Veja, sem Paulo Francis não dá mais, vai começar a passar o novo filme do Spielberg...

Uma passadinha no banheiro, hora do xixi. Uma mijada rápida, um sinal de cocô, privada. Parecia um cabrito, soltando pelotinhas. Bem rápido, bem depressa, se limpa, dá descarga, lava as mãos, se olha no espelho.
“Aquela selecionadora da Targa é mesmo uma gata, puta merda. Que bucetão! Que peitos! Dá pra encher a mão naquela xoxota. Tá certo que ela é casada, mas dizem que ela não é feliz no casamento, que o marido é um canalha, bate nela. Eu não tô querendo me envolver. Sou um cara livre que não precisa dessas coisas. Eu podia chamar uma puta, resolvia meu problema mas sei lá, não é por aí, tem que ter envolvimento... Nossa, meu nariz tá enorme...! Essa barba... Preciso trocar de aparelho de barbear, meu Prestobarba está nas últimas. Será que eu passo no meu pai e pego o aparelho elétrico dele? Tá largado, ele não usa... Sei que ele fala demais mas o velho é boa gente,e já faz um bom tempo que não o vejo... Só que eu... Opa, hora de ir...”

Volta para a sala, recebe o primeiro boy e manda o moleque mais cedo para casa por que a mãe dele está doente (mentira, isso está escrito no rosto dele, mas vamos dar uma colher-de-chá pra não dizerem que sou insensível), acertas as últimas viaturas para a obra, confere os materiais encaminhados, compensa alguns cheques, acessa a Internet e faz um banking para a conta de seu amigo Lurdes, que anda meio a perigo.

Bateram seis horas, a sirene da fábrica ao lado toca, caminhoneiros ligam motores, a rua treme com a passagem dos caminhões que vão pegar estrada na entrada da noite. Dizem que é para escapar da fiscalização e das balanças.

Pega a pasta, té manhã-té manhã-té manhã-té manhã-té manhã-té manhã, sai da empresa, apalpa o bolso e sente que o maço de cigarros Free acabou.
Dá um pulo na banca do seu João, compra só um maço (que eu não sou viciado em cigarro mas gosto de ter um maço por perto para dar a um cliente).
Volta, entra no carro, liga o motor, o painel se acende, os ponteiros sobem e descem, a potência do motor fala ronronando.
Seu coração batia alto, tapando os ouvidos ainda dava pra escota-lo, desesperar.

Por que sem querer, vê que está sentado ao lado de uma personagem de desenho animado japonês.

...

Ela dançava pelo quarto escuro.
Eu ouvia seus pés passando sobre o tapete, eu ouvia o som do ar sendo empurrado pelos seus braços, e eu ouvia o barulho de sua respiração cheia de ritmo e comprometimento.
Eu não a via, e só via o nada, uma sombra sobre sombra que passava, assim, depressa, à medida que ela dançava e meus olhos pegavam alguma coisa longe e, ao mesmo tempo, em cima de mim.
Ela voa pelo quarto num rodopio tribal, num furacão manso, dando twisteres miúdos, acho que vejo seus seios de menina-moça, ou o quadril, ou os pés, engolidos pelo movimento.
Ela voa, toca de leve nas paredes, me empurra seu cheiro de disco de vinil, ouço quando seus músculos se contraem e às vezes uma junta estala, um jato veloz, voando alto, depois baixo, oscilando numa caixa de concreto.
Em dado momento ela me enlaça da cama e me ergue no escuro, abrindo o teto e me levando pelo céu afora.
Debaixo de mim, prédios e, ao meu lado, o ensolarado céu azul e ela, sorrindo, como a deusa de um mundo sombrio.
Perguntei seu nome e ela me respondeu com um bordão de música tecno do Ferry Corsten:
Good night, Style!

Ela é um desenho animado.
Não deixa sombra, não deixa mudanças. Só é uma soma de estética, de conceitos, de cores pastéis, do cabelo verde em três tons aos olhos azuis com traços brancos e fundo preto, coroando um rosto que parece minúsculo, ornamentado por uma boca miúda e um nariz quase apagado. Náo possuía poros, nem pelos, nem marcas em nada. Nem unhas tinha, só mãos donas de dedos alongados.
Em certo momento eu pensei que ela fosse um programa de computador, uma coisa que fugiu do Painter 5, do Photoshop ou do primeiro desenho animado da TV que saiu pelo mundo dos homens.
Em outro momento pensei que eu estava indo onde nenhum homem jamais esteve, mas que uns e outros por aí de vez em quando dão uns pulinhos secretos.


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