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Contos-->Asas -- 01/06/2002 - 13:27 (José Roberto Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Durante os anos 60, bastante coisa aconteceu no Brasil.

Muitas delas...
A maioria delas nem deu sombra nos jornais, substituídas por receitas de bolo e passagens de Camões.

As emissoras de TV passavam os enlatados americanos e as novelas, coisa que prosseguiu por 40 anos.

O Brasil dos anos 60 era medroso, ignorante e indiferente.

Nessa época, apenas os jornais populares e “não sérios” traziam alguma coisa mais livre. Naturalmente eram censurados, como todos os meios de comunicação (menos os que serviam ao governo militar)...

Mas houve um jornal carioca que trouxa uma matéria que chamou a atenção de Leon.

Carioca, torcedor azul (mais que roxo) do Botafogo, boêmio, notívago, freqüentador dos bares, botecos e tudo quanto fosse biboca de Copacabana, Praça Mauá e da Zona Portuária, Leon era, além de bom de copo e de garfo, um sujeito danado de bonito.

Quarentão, meio derrubado de tanto Fernetti Branco e Cinar com gelo, ainda tinha aquele porte atlético do tempo em que foi tenente de aeronáutica. Deixou tudo isso conheceu, no Banco do Brasil, Jaguaribe, amigão de altas bebedeiras.

Sentiu uma vez o cheiro da tinta de impressão quando foi trabalhar no jornal A Manha, corruptela do jornal A Manhã. A Manha era “dirigido” por Aparício Torelli, a figura lendária que auto-intitulava Barão de Itararé.

Leon durou pouco n’A Manha, indo parar no Jornal do Brasil.
Amante das letras e da escrita, não agüentou a camisa de força da redação, aquela loucura que é fazer um jornal diário: editor burro, focas incapazes de largarem o Livro Vermelho, fotógrafos bêbados, estagiárias putas e aquele mundaréu de informação quie precisava ser datilografada e nem sempre aceita...

Leon era apaixonado pela fauna carioca. Apaixonado pelos malandros já em decadência, pelos trens do subúrbio, bondes, praias eternamente lindas, pelo burburinho da putaria noturna.

O chamado que teve para trabalhar no jornaleco O Polícia caiu em sua cara como um beijo de puta agradecida.

Chegou-se o Ugo, um gaúcho, filho de técnico em artes gráficas e rico como magnata do petróleo, e lhe fez a oferta de casamento:
— Pago pouco mas preciso de um cara como tu na redação.
Leon coçou o queixo, enquanto descia mais uma cerveja.
— Mas pra fazer o que?

Leon topou ser sócio e principal cronista do O Polícia. Achou a idéia de levar um jornal do povo, com cara de povo, diagramação de povo e matéria de povo para o povo uma boa e pulou para a redação perto do Catete.
Acreditando na coisa toda, vendeu o Gordini branco e colocou o dinheiro no esquema.

O jornal era aquilo mesmo: um pasquim, deslavado, descarado, com matérias falsas, mentiras descaradas, injúrias, calúnias e difamações a granel.
Na verdade quem bolava tudo era o Ugo, o Norberto, o Charles Spencer (um ex-marinheiro americano que caiu do navio e foi ficando por aqui e que era o único que sabia mexer nos segredos da máquina de linotipia), o Zé Neguinho (boy e faz tudo da redação), alguns fotógrafos freel-lanceiros e, claro, o Leon.

Logo no primeiro número, para sorte do Ugo e dos investidores, Leon incluso, saiu aquela coisa linda na chamada da capa: “Marido Mata A Amante E Come o Cadáver”. Rodaram 40.000 exemplares. Demência, loucura, o cara da gráfica quase pariu um bode de tanto sangue que apareciam nas fotos. O judeu da revisão ameaçou com um monte palavrões em hebraico.

E esgotou tudo! O jornal vendeu mais que pão quente as seis da tarde em padaria tradicional.

O governo e invejosos secretos grudaram o olho e não deu outra: lá veio o censor fazer plantão na redação.

Aquele sujeito até que era bem apessoado mas tinha um olhar de seca pimenteira bravo! Estava com cara de que tudo iria pro brejo, ainda mais quando ele disse que era getulista.
Mas tem jeito pra tudo nesta vida, né?
Alguns goles depois e carinhos de uma puta que alguém conhecia, o censor era um irmão para toda a vida, desde que devidamente bêbado e chupado. Quem ganhou foi a puta, que foi trabalhar na redação só para manter o censor quieto.

Outra: o jornal chegava nas bancas porque Ugo molhava a mão do pessoal da distribuição, aquele bando de abutres filhos da puta, senão o pessoal dos outros jornais já teria boicotado e queimado O Polícia.
Deu um tempo certo e o Ugo arrumou um general nas costas, ficava tudo em família.

A vida de Leon se ajeitou aos poucos.
Sua casinha ficou cheia de discos, de roupas finas, sapatos de cromo alemão, até apareceu uma neguinha do morro para lhe fazer uma comida e lhe cuidar da casa.
A baixa remuneração subiu bem, subiu muito, e em seis meses Leon comprou a casa onde morava.

Mudaram de gráfica, foram pra gráfica do seu Nassif, ali na Barata Ribeiro.

Nem bem a edição do jornal acabava de ser rodada, já tinha caminhão da distribuidora na porta da gráfica do turco mais canalha que Deus em Sua infinita ignorância manteve vivo.

O mundo seguia: Leon se engraçou com Rosinha, destaque da Estácio, uma mulata que trabalhava no “Bola Preta” no show “Nega Do Tablado Alto”.

Lá estava ele cobrindo uma matéria no Bola quando lá vem a mulata.
Até o estrobo ficava ofuscado com tanta formosura, sustentado por um par de coxas que converteria o demo à cruz. E converteu, tenha certeza disso!

Foi um custo para Leon, apesar da picanha natural, se chegar em Rosinha, um roseiral marrom perdido de paixões, porque ela tinha um cacho que entendia do riscado: Nego Valdo, um sujeito preto que nem a noite e quase tão cheio de mistérios quanto a dita cuja.

Nego Valdo não andava armado, não tinha navalha, só aquelas duas mãos do tamanho de bola de boliche e quase tão pesadas quanto um cargueiro lotado.
Sorte que Nego Valdo tinha arrumado uma encrenca com o pessoal da Federal, dando guarita para um monte de contrabando, e acabou indo ver o sol nascer quadrado.

No que o criolo botou o pé no xilindró, Leon jogou todo seu charme consolador em cima da Rosinha. E não duvido que ele não tenha falado com o Ugo para apressar a parada em cima do Nego Valdo mas aí vão outros 500.

Nega Rosinha, que não era besta, nem ligou pro sujeito. O que não faltava na parada dela era zangão, pronto para beliscar de seu mel doce e que escorria abundante. E pra Rosa liberar seu botão, Leon teria que cantar um dobrado.
Leon conseguiu o endereço da nega e foi lá, fazer plantão.
Se aproximou, fez que fez e acabou indo para dentro da vida da Rosinha e da mesma.

Dessas loucuras da vida, Rosinha acabou gamando pelo Leon e se mudou para a casa dele, pondo na rua a empregadinha. Queria virar mulher decente, porque o irmão já tinha ido pro beleléu por causa de um negócio mal acabado com os camelôs do Centro.
Na verdade ela queria ir morar em Paquetá, mas Leon jogou uma lábia na mulata e tudo ficou como d’antes no quartel de Abrantes.

Só que...

Leon pegou seu Aero-Willis preto e foi para Petrópolis.
Junto, levou a tralha do Dirceu, a máquina fotográfica alemã e um jogo de lentes, flashes, filmes e tripé. Só para o caso.
Ligou na Rádio Nacional e deixou até chegar, ouvindo Carmen Miranda.

Ia falar com um pessoal que, diziam, tinham visto um anjo no meio do mato.
—... — foi a resposta de Leon quando Ugo botou a pauta na sua frente.
A coisa estava decidida da véspera, no palitinho.

Como ele estava de olho em comprar um sitiozinho lá por aqueles lados, achou que seria uma boa dar um pulo até lá, tirar umas fotos e voltar com uma cotação de preços. Rosinha andava meio nervosa, estava para menstruar e a nega era uma fera nesses dias. E nem podia afogar o ganso, senão ela embuchava e seria um terror.

Ugo, e seu bigodão de espanhol, bebeu café e lhe disse:

— Veio um telefonema do Zé Roberto, aquele amigo nosso que mudou pra cidade por causa das revistas suecas. Diz ele que tem um colégio lá, o Colégio das Irmãs Descalças, que está acontecendo uma coisa louca. As freiras disseram que a Madre Superiora da Congregação tinha tido uma visão. Coisa de mulher sem homem. Vai lá, tira uma fotos, fala com alguém e volta amanhã com essa matéria. E faz depressa que se o Arcebispo souber, a gente se lasca e queima a matéria.
— É mais uma daquelas...? Daquelas que a gente arma com o Zé Roberto?
— Naaaah, não. Vai lá e faz o que tem que fazer. Eu ia mandar o Altamirando mas ele está com a tísica dele forte. Coisa rápida, depois a gente alinhava e manda pro tintureiro.

Leon chegou lá pela hora do almoço na cidade.
As pessoas o olhavam desconfiadas, aquele carro grande e preto, todo bom brasileiro já desconfiava ser alguém do governo. Leon sorriu, satisfeito. Povo burro!
Sobras do Império.

Comeu alguma coisa no primeiro restaurante que achou, descarregou o joelho.

Rodou a esmo pela cidade, seu terno alinhado, seu chapéu bem encaixado. Entrou aqui, ali, pegou uns jornais com anúncios de sítios, e achou o colégio.
Um mausoléu enorme, trezentas janelas, normalistas recitando versos do Hino à Bandeira, árvores frondosas, jaboticabeiras em flor, mangueiras, goiabeiras, aquilo seria um delírio para os moleques: frutas, espaço e mulher.

Pela entrada do colégio, Leon colocou seus óculos escuros. Começou a tirar fotos até que o jardineiro lhe ameaçou silenciosamente com o ancinho.

— Chama a Irmã Dolores.
— A quem devo...?
— Diz que é o repórter do Rio que veio ver a história do anjo.

Normalmente as freiras ficavam quietas sobre essas coisas, mas Leon achava que o Zé Roberto tinha adoçado as velhas de algum jeito. Esse cara era um informante bom pra caramba e já havia feito mágica com os católicos. Leon não estava nem aí, só queria fazer o trabalho.
O homem se intimidou e saiu, ameaçado que se sentiu pelo vozerão de locutor de rádio que Leon treinava para esses momentos.

Um urubuzinho retorcido e velho lhe estendou a mão. Apertou, mas, assim que pode, limpou–a na parede.

— Non devia ter chego sem ze anunciá, meu filho. — disse a arara preta. Leon a acompanhou pelos corredores de pé direito alto. Enquanto andavam, a madeira estalava.
— Desculpe o mal jeito, irmã Emma. É hábito.
— O hábito non vaz o monge, meu filho. — disse a freira, encarquilhando-se e rindo com a boca sem dentes. Leon teve vontade de sentar uma bolacha na cara da velha, mas ficou só no intuito.

Sentaram-se em um banco no jardim central do colégio. As meninas ainda cantavam o Hino a Bandeira, mas a maioria estava estudando mesmo. O sol estava forte e lhe foi servido água. Sem gelo. Uma água barrenta e com gosto de cano de ferro.
Ele não fazia anotações. E para que precisava se ia inventar tudo mesmo?
A velha se sentou no banco, Leon ouviu suas juntas partindo. Besouros pretos voavam e bem-te-vis cantavam nas partes mais altas cibipirunas.

— O zenhor ker zaber zobre a anjo, non é?
— Sim, irmã. O que a senhora pode me contar a respeito?
A velha sorriu o que não tinha mais para sorrir e bebeu de sua água.
— Os anjos eztão zempre bor berto, zenhor Leon. Anjos zão enviados por Deus bara guardar zeus vilhos no terra. Nem zempre bodemos ver os anjos borque Deus não quer. Bas anjo bem quando a djente preciza.
— Sim.
— Este golégio voi erguido bor vontade de Deus. Aqui, as crianzas devem receber educazão e uma moral gristã, de acordo com o que enzina a Zanta Madre Igreza. Bor eztarmos zempre em harmonia com o bensamento de Deus, zomos zempre agraziadas com a vizita de zeus enviados a este mundo. “Porque só os temende a Deus verão a vace do zenhor”.
Leon torceu os lábios.

Depois de muita conversa mole, que eu não vou ficar escrevendo porque é um saco pôr no papel o que a velha freira dizia, Leon teve autorização para andar pelo colégio. Apenas deveria se manter nos corredores principais, senão poderia se perder numa das salas ou andares fechados.
Ele riu, achando que ele, o grande Leon das Candongas, não iria se embromar nos próprios pés.

Leon passou pelas salas das alunas e espiou, pela janelinha da porta principal, o que acontecia nas salas. Nada demais, apenas a elite da cidade cuidava de suas filhas, com estudo, religião e... Esportes?

As quadras estavam desativadas, onde o mato crescia e as traves de futebol derretiam ao sol.
As duas piscinas olímpicas, fechadas. Duas janelas azuis cobertas de limo e lodo vermelho.
— Colégio de freiras... — disse ele, já ficando de saco cheio de perambular.
Chutou uma bola de capotão podre, que se desmanchou.
Tirou o chapéu e se abanou.
Um casal de Quero-queros piou lá longe, além do cruzeiro do alto do morro.
Era um cruzeiro de pedra entalhado, bonito, cinza claro, com um jardim de margaridas ao seu redor.
Deu na telha e andou até lá.

20 minutos depois, vislumbrou toda Petrópolis, o colégio, as casas imperiais, as ruas, o céu azul, as nuvens.
Tocou no cruzeiro. Estava morno por causa do calor.
— Sacão! Aqui não tem nada, deixa eu ir embora.
Decidido, começou a descer.

Quando ouviu uma risada.
Era risada de criança.
Curioso, vai que era um informante, olhou para trás de sopetão.

Sentado no alto do braço esquerdo do cruzeiro, o anjo abriu suas asas.

Sua mente se arrepiou e, que nem bicho, correu para a escuridão do Id.
Leon revirou os olhos, viu o céu, viu o chão e rolou pelo morro abaixo.
Leon tinha um físico de atleta, não se machucou. Só sujou a roupa e amassou o terno.

Acordou depressa porque tinha enfiado a cara num charco molhado e é díficil, mesmo para um carioca, respirar água.
Suas pernas o puseram de pé e, profissional, pegou a máquina fotográfica portátil, procurando o cruzeiro. Vai sem flash mesmo, vai no medo, vai de qualquer jeito.

A mente ainda dava piruetas, seu estômago doía e seu pinto estava pronto para urinar...
Mas ele domara Rosinha, a boceta mais quente que já vira e não deixaria um fio de pensamento de terror lhe tomar!

Mirou o cruzeiro, ajeito o foco...

— Meu Senhor Jesus Cristo...! — disse ele, quando, sem usar a máquina, olhou o anjo na cruz.
Mas olhou direito! Direito!

Seu coração entrou numa taquicardia tremenda e o sangue ferveu-lhe a espinha. Seus músculos estavam em cãimbras e sua bexiga desejava ardentemente soltar o que não tinha.

Lá estava o anjo.

Leon, o homem que já vira corpos sem cabeça na Baixada.
O homem que vira uma tampa de cabeça de criança sendo chutado por uma mãe louca no meio da rua.
O homem que vira como ficava um comunista depois de uma sessão de “agrados” fornecida pelos policiais do Doi-Codi.
O homem que os amigos diziam ter sangue de gelo e nervos de couro curtido no sol.
O homem mais mulherengo e audacioso do Rio de Janeiro, aquele que enfrentara Madame Satã e saira sem muitos hematomas.

Ele, ele mesmo, estava a ponto de largar tudo e correr sem suas lembranças para o lugar mais distante possível de si mesmo, com a calça borrada e mijada.

Com uma força vinda de tudo que seu pai, avô, bisavô e todos os homens que lhe deram gens em sua família e famílias anteriores...

Leon ajeitou a máquina, botou o anjo no foco e disparou.
E disparou!
E disparou! E disparou! E disparou! E disparou!

Sua bixiga estava explodindo! Seus dentes tremiam! Um canino quase quebrou mas um incisivo se partiu.

O anjo era uma menina de seus 16 anos, nua, queimada de sol, cabelos compridos até os pés, seios pequenos e delicados.
No lugar dos braços, duas grandes asas de condor gigante, com penas brancas como neve.
— De onde veio essa porra, de onde veio essa porra, deondeveioessaporraMEU DEUS DO CÉU! — gemia Leon, disparando chapa atrás de chapa, rebobinando o filme na mão.

A menina com asas o olhava de um jeito esquisito, que nem papagaio, como se estivesse... interessada?

Ela ficou meio que de lado, movendo-se num poleiro.
Seus pés eram limpos e tinha unhas compridas. Seu rosto era meio adunco e sua boca abria-se num sorriso com dentes retos. Só que seus caninos eram grandes demais! Dois punhais de marfim, para fora da boca que nem javali.

De repente ela pulou do braço do cruzeiro para o alto da cruz como se pesasse nada.
Ela fechou as asas/braços e levantou vento, e não tirava os olhos de Leon.

— Troca a lente! Troca a lente, Leon! — disse ele para si mesmo. — Aproveita que essa vai lhe dar o Prêmio Reporter Esso! Ou o Pulitzer! Tu vai comer a mãe do Papa, meu nego!
Trocou a lente, trocou de filme, bateu tantas fotos quanto tinha filme no bolso.
O anjo abriu suas asas e deu um pulo para o céu.
— Santa Maria, Mãe de Deus...
Foi o vôo mais fantástico que Leon vira em todas as suas vidas. Um vôo gracioso, leve, silencioso, suave mas rápido, nem helicóptero faria igual.
O suado e meio urinado Leon viu que o anjo voava em direção do colégio das freiras. Trocou de objetiva e olhou a criatura sumir dentro do campanário.

Leon nem quis saber de mais nada.
Juntou suas coisas, sem pisar no chão, correu para seu carro, sentou no lugar do motorista, e disparou para a saída de Petrópolis. Ele tremia, tremia e quase bateu.
Mas foi embora.

O pessoal do jornal recebeu um Leon meio louco, meio desmaiado e meio mijado mas com uma história que era pure dinamite, como dizia o americano.

Ugo duvidou de tudo, como bom mineiro que era.
Mas, quando revelou o filme com um Leon comendo os dedos de ansiedade, teve um princípio de ataque cardíaco. E teve o ataque cardíco. Mas o jornal saiu!

100.000 exemplares se esgotaram em menos de dois dias.
Rodaram mais 200.000, que se esgotaram em cinco dias.

(Nota triste: Rosinha largou de Leon não só porque Nego Valdo estava de volta no pedaço mas porque ele estava para lá de assediado por tudo quanto é gente.)

A vida de Leon passou do boêmio tranqüilo e macho para a vida de uma celebridade nacional.
Convidado para dar seu depoimento sobre o caso teve mais alegrias que sua imaginação poderia criar.
Amigos surgiram da noite para o dia. Inimigos lhe juraram fidelidade eterna. Gente que nem lhe olhava na cara, agora lhe implorava a atenção.
Rios, rios de dinheiro fluiam para sua conta bancária. Propostas de emprego, editores que queriam sua história, emissoras que pagariam qualquer coisa pelas suas fotos inéditas.
Recebera as propostas mais incríveis pelas suas fotos: católicos dariam seu peso em ouro. Cientistas, sua casa em jóias. Militares, sua vida de volta e por aí foi.
Fecharam o jornal, reabriram, fecharam de novo e reabriram de novo umas não seim quantas vezes.
Foi um forró-bodó de caroço!

Passou.

32 dias depois de encontro com o anjo.

Já morando numa cobertura de Copacabana, num senhor duplex de cobertura, Leon estava com a vida feita.
Pela primeira vez pretendia dormir uma noite sem aquela baderna que queriam lhe transformar sua vida.
Contas pagas, dívidas perdoadas, promissórias rasgadas, nome limpo no cartório, até o último centavo aplicado em dólar, ouro e imóveis.
Estava abrindo uma editora própria e haveria de viajar para os Estados Unidos e comprar os direitos de livros que achava serem bons e que não causariam a fúria dos militares.

O colégio de Petrópolis foi inteditado pelo Estado e nem sinal do anjo, como era de se esperar.

Leon tomou um banho de espuma na sua banheira, enquanto fumava um cubano legítimo (o charuto e não Fidel Castro), meteu-se num robe de chambre perfumado e deitou-se na sua grande cama para dois casais. Bebeu seu scotch cowboy e começou a ler os manuscritos de seu novo livro.

Olhou para o teto azul.

— Quem diria... Eu estou em paz. Em total paz! — murmurou para si mesmo.

Pela janela de seu quarto, as luzes de um navio de passageiros ao longe lhe inspirou uma viagem. Era o Andréa C.
Poderia ir a Europa? Como não? Tudo estava acontecendo tão depressa que nada lhe era impossível.
Lembrou de uma frase lá da velha perua preta do colégio mas esqueceu em seguida. Era algo sobre Deus, anjos...

Apagou o charuto e bebeu o último golde do scotch (original).
Sentiu um torpor.
Estava com sono, melhor seria apagar a luz.
Seu quarto caiu no breu, apenas a luz da lua lá fora, fraca e filtrada pelas cortinas, entrava sorrateira.
“Eu vi um anjo”, dizia ele o tempo todo, umas cento e sessenta bilhões de vezes nos últimos dias e só naquele momento, no escuro, se convenceu disso.
Suspirou, cansado.
O scotch começou a subir mais forte, lhe deixando tonto.

Só que não era bem a bebida que o deixava tomado.

A porta da sacada se abriu e ela entrou no quarto.
Um perfume de mulher e mar lhe chegou.

Leon estava com calor e afastou um pouco as cobertas.

Mãos pequenas e macias lhe tocaram as pernas, subindo, subindo... até tocarem em seu membro.

Leon fez menção de reagir mas estava meio dormindo, meio de fogo, meio excitado.

Alguma coisa quente e molhada envolveu o seu penis.
Um sino tocou lá dentro de Leon mas ele apertou o botão de “silêncio”.

Um sonho aos pedaços.
Cabelos, pelos duros, cheiro de almíscar, mato e fruta do mato, madura.
Pele quente, macia, arrepiada.
Um apertão em seu membro.
Gemidos baixos, bocas quentes, línguas dançantes.
Sexo. Sexo calmo, lento.
Um sonho acordado ou uma realidade sonhada. E um farfalhar de penas.

Eu gostaria de poder colocar maiores detalhes, mas estamos num local público e não fica bem.
E Leon não me perdoaria por essa invasão em sua privacidade. Sou seu melhor amigo e você há de me compreender, não é?

Leon se casou Angélica, o anjo, e se mudou para a Bahia. Não foi fácil por que a imprensa caiu em cima do casal mas...
Ele achava que o Rio de Janeiro estava fazendo muitas favelas e isso seria um problema no futuro.

Homem rico, Leon explorou por anos a imagem da mulher com asas de anjo. Ela era muda e a imprensa e o mundo lá fora nunca soube ao certo sua origem.
Isso não importa, uma vidente disse que ela era um presente pro Leon.

O que se soube muito mais tarde era que as irmãs do colégio de Petrópolis a mantinha escondida até das superioras, mais por adoração do que por temor. Diz a lenda que ela foi deixada na porta do colégio quando nasceu, mas até aí...

O que importa é que Leon e Angélica estavam perdidamente apaixonados e trepavam que nem loucos todos os dias. Pobre dos vizinhos!

O casal teve três filhos. Três crianças normais.
Apenas a quarta criança, que se chamou Nely (pronuncia-se “nelí”), nasceu com asas no lugar de braços.
Menina inquieta, cabelos encaracolados, olhos negros e sempre tendo dificuldade em se vestir com roupas com velcro, Nely herdara da mãe algo mais que as asas: um desejo sexual acima do comum.
Mas, também por causa da mãe, estava se guardando para o homem certo. Era um papo careta mas Nely tinha lá seus motivos.

Quando Nely foi seqüestrada por cientismas americanos o meu...
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