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Contos-->Mais Contra Prova -- 01/06/2002 - 13:28 (José Roberto Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Depois que a Lucia me usou naquela primeira vez como seu rápido boneco sexual, eu entrei em minha primeira profunda depressão. Nunca mais deixei de ser deprimido.

A depressão que se seguiu me fazia andar pelas ruas de São Paulo como se eu estivesse num corredor de cimento armado. Paredes longe pareciam perto, e coisas perto pareciam (e estavam) perto. Eu fumava pra caramba e ficava zanzando do viaduto Maria Paula, para debaixo da Câmara Municipal, pela avenida São Luis, passando pela República, caindo para a Santa Efigênia, até sentar nas escadas da estação de trem da Luz. Sempre de madrugada. Sempre de noite.

Quando as espinhas sumiram de minha cara, entrei para trabalhar no Banco Real, na Fábrica de Cheques. Quinto sub-solo do prédio ao lado do Masp. Um barulho infernal, desgraçadamente infernal, máquinas baixas, montando talonários de papel poeirento, me fazendo tossir e soltar tabaco. Emagreci 10 quilos em um ano.

Nessa época, acho que em 1984/85, eu comecei a ter estranhas compulsões. Comecei a comprar mangá e mais mangá. Meu quarto ficou entulhado de tudo quanto é tipo de mangá, Shonen Jump, Shonen Magazine. Shonen Hooker, Shonen Mother Fucker, Shonen Kenya, Shonen Bichonen, eu tive todos. Gastei fortunas colecionando mangás que eu não fazia a menor idéia do que falavam, do que se tratava a história, mas lá eu ia despejando meu salário em listas telefônicas em forma de gibi.

Eu dormia até tarde, comia pouco e ia para a rua, ouvindo um prosaico Aikoman, com uma mochila carregada de fitas cassete Basf T-160, raríssimas, com tudo quanto é tipo de disco music, funk e progressivo besta gravado. Eu subia até a Paulista a pé, pela Brigadeiro, e descia pela Nove de Julho, caindo aqui pelo Anhangabaú. Meu passo era rápido, apesar do coturno meio que feito de chumbo e pneu de caminhão, as calças largas e a jaquetona de couro. Meu pai dizia que eu tinha olhos de rato.

No Banco Real, na conferência dos talões, haviam dezenas de mulheres. Nenhuma me dava bola, porque os turnos se alternavam, quando eu entrava... elas saíam.

Uma noite houve hora extra das conferentes.
Eu saí da máquina, passei pela guilhotina e fui para fora do barulho. Eu queria mijar.

No que entrei no banheiro, fui empurrado. Bati com a cara na porta, mordendo meu lábio inferior. O chão foi pro lado e caí, batendo o peito na maçaneta da porta. Meu óculos voou longe e o ouvi quebrar, em outro mundo.

Alguém me catou pelo cabelos e me arrastou para dentro.

Senti um peso no meio de minha espinha e o ar saiu de meu pulmão, alguém estava usando o joelho em mim. Meu tórax estava querendo quebrar e eu sentia as juntas estalando, enquanto minha língua sentia o sabor ferruginoso de meu sangue. Uma unhada em meu rosto me fez voltar do quase desmaio, e um monte-de-vênus foi esfregado em meu rosto.

Ouvi risadas de escárnio, palavras esquisitas, palavrões e tomei uns tapas por tentar olhar para cima. Minha orelha inchou e senti um líquido quente saindo de meu ouvido esquerdo.

Uma coisa chegou perto de mim, uma sombra, que colocou meu óculos de volta.

Era Michiko, a conferente. Uma japonesa baixinha, parecia uma menina, mas tinha 26 anos. Rosto redondo, cara achatada, olhos apertados, com uma marca vermelha debaixo dos olhos. Ela ria ao mesmo tempo que tremia a cabeça, suando.

Me esbofeteou e lá se foi meu óculos de novo. Pessoas riram. Ela fechou a mão e me deu socos e mais socos. Pegou meus cabelos e bateu minha testa no chão. Minha cara inchou e um dente saiu, um pré-molar. Eu não sentia dor, só queria que a coisa acabasse logo, pelo amor de Deus.

Flutuei, levantado pelos braços e com o rosto torto.

Apanhei no estômago, nos rins, no peito. Aonde havia chuva, havia porrada. Minha carne, meu corpo, meu corpo magro, foi amassado pela surra. A dor não tinha graduação e eu me engasgava com meus líquidos, com minha janta que queria voltar ao mundo do lado de fora.

Rodei no ar, cai no chão e um tapete preto enrolou-se em meus olhos. Tentei dizer alguma coisa mas minha boca estava tão inchada que só saiu um apito borbulhante. No escuro, senti o cheiro de saco de lixo, de papel, de remalina, de café, de merda. Mexi meus braços mas os dedos estavam inchados, só movia mal e porcamente meus ombros. E foi usando meus ombros que me mexi por cima dos sacos de lixo, cavando passagem até a luz do estacionamento do primeiro sub-solo.

Seu Eugênio, o vigia, passava e me viu. Eu não o vi, tudo estava vermelho. Meu sangue tomara o lugar de minhas lágrimas. Só pude levantar a cabeça, depois o tronco, me apoiei nos ante-braços e finalmente gargarejei um barulho que era semelhante a um peido diarréico.

Desabei e só acordei cinco dias depois, na Santa Casa.

O médico me disse que eu encontraram dentro de minha boca um pedaço de arame farpado.
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