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Contos-->CONTRA A PROVA DA PROVA -- 01/06/2002 - 13:29 (José Roberto Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fiquei seis meses no hospital, me recuperando da surra.

A enfermeira da noite se chamava Magda e ela adorava me aplicar injeções. Mesmo quando não precisava, ela tacava umas duas benzetacil em mim. Quando ela fazia isso, eu inevitavelmente ficava sem dormir por causa do inchaço. E ficava passeando pelos leitos vazios. Eu desconfiava que alguma coisa esquisita estava acontecendo, porque não é comum um hospital ter tantos leitos vazios e só um fodido como eu lá, sendo tratado.

A Santa Casa (ou Servidor do Estado, sei lá) estava sendo reformada, havia baldes de tinta e material de construção nos corredores. As luzes fluorescentes estavam dependuradas de qualquer jeito e no jardim as mesas e cadeiras estavam empilhadas como uma obra de arte surrealista. De branco, eu saía zanzando pelos corredores, cheio de dor, principalmente na bunda e nos braços. Eu arrastava minha sonda que, não sei por que, estava sempre vazia, só soltando uma pasta parecida com piche de vez em quando.

Ficar em pé afastava a dor.

O corredor esticava pra longe, caindo além do horizonte, numa dobra para baixo.

Me sentei num banco para coçar a ferida da sonda.

Lá no fundo do andar eu vi o pesadelo que virou vida.

Um homem andava calmamente e meio gingado. Pelado, o corpo de osso quase a mostra, as mãos levantadas bem altas, acenando a cada passo, e abrindo e fechando a boca, colocando a língua para fora. Ele era um brinquedo obsceno, aquela coisa pálida, abrindo e fechando a boca grande, sem dentes, chocando-se contra as paredes, aquele duro e soltando jatos de sêmen.

O homem não tinha um dos olhos, tinha um buraco no crânio de onde saia um cabo de panela. E dependurado desse cabo, diversas lâminas de barbear que tilintavam.

O homem assombração dizia uma coisa como "gooooh, gooooh, guuuuh..."

O medo mais animal subiu de meus pés, me travou os músculos e me torceu o corpo em cãibras de desespero. Gani, rilhando os dentes, que estalavam de tanto que eu os pressionava. Pedaços de imagens voavam na minha cabeça e meu intestino se soltou.

Antes que aquela abominação chegasse perto de mim, uma força divina me ajudou e me levantei, pulando como um grilo em pânico em direção à saída do hospital.

Arrastando minha sonda, avancei por corredores, portas, escadas, sempre para baixo, até que cheguei na rua.

Da rua ganhei a Paulista e da Paulista caí pela Brigadeiro. Eu não corria, eu voava, flutuava, passando entre carros, peruas, caminhões.

Uma pessoa gritou do prédio:

- Shake it uuuup! SHAAAAAAKE IT UUUUPPP!!!!!!!!!

Meus pés estavam em carne viva, feridos por pedras e sem sola. Peguei a rua Humaitá sem fôlego nenhum, sem ar nenhum, sem hemoglobina nenhuma. Como um maratonista, eu consegui deixar meu corpo no automático.

As ruas retas ficaram tortas, os prédios dançavam numa festa mexicana, hora passando em minha frente, em outra trazendo placas de números e de "aluga-se" aos meus olhos. Cabeças batiam-se contra mim e uma medusa de ferro me olhava, sarcástica.

Casa! Eu queria ir para casa!

Da rua Humaitá ganhei a rua Abolição, dobrei na travessinha, cai na rua Japurá e cheguei na porta em casa, com dois cachorros se digladiando para comerem minha sonda e uma parte da sola de meu pé, que se desprendera.

Levantei-me até a lâmpada, peguei a chave secreta, abri a porta com respeitoso silêncio.

Desci para meu quarto, me envolvi em minha cama e só me lembro de ter começado a chorar antes de desmaiar.
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