Em dez anos, a tecnologia (essa deusa onipresente!) provocou mudanças pesadas em nosso dia-a-dia. Novos dispositivos mudaram a maneira de operar o mundo. O fogão é um microondas, o carro cabe como uma roupa, o tênis é quase um carro, o celular é tudo, até um telefone. Mas não foram apenas os dispositivos que se transformaram. Houve, ou há?, também uma mudança de cosmovisão. O que parece é que os novos aparatos não devem ser operados como eram as máquinas de antanho. Boa notícia para as crianças nascidas já nesta nova era. Tirante elas, há um desconforto de viver reservado para todos nós, seres do século passado.
Mesmo quem é da geração Atari, quem teve um TK-83 com sistema operacional Sinclair, quem jogou um Telejogo básico, mesmo esses podem se encontrar um pouco perdidos com questões que parecem resolvidas para a moçadinha. É até fácil entender o fascínio que o MSN, o Orkut, e seus similares provocam num adolescente. Podemos torcer a cara, considerar perda de tempo, mas até sacamos as motivações deles, as quais envolvem valor-novidade, ideais de liberdade irrestrita, sensação pertença a uma comunidade, desafio ao proibido, e outras peças que permitem ter uma imagem ainda que incompleta desse quebra-cabeças. De qualquer forma, com a banda-larga, a virtualidade excessiva de nossos filhos não mexe em nossos bolsos e, portanto, mexe pouco com a nossa sagrada realidade.
Mexia pouco. Os meus e os seus bolsos estão correndo um grande risco. Já ouviu falar do Second Life (www.secondlife.com)? É uma plataforma digital 3D desenvolvida pela empresa americana Linden Lab. Através dela, mais de cinco milhões de usuários criaram e levam uma outra vida, uma vida virtual. Lá, uma vez cadastrado, pode-se sonhar tudo e realizar, ou melhor, virtualizar. O seu duplo, chamado de avatar, será homem, mulher, rico, pobre, médico, bandido, padre ou prostituta. Você decide. Tudo é possível. Desde que você tenha dinheiro para comprar! Achou o quê? Que no mundo virtual havia um deus benevolente que tudo dava? Que nada! O deus do S.L. é o Linden, moeda que só existe lá.
Embora pareça, não é um jogo. É um mercado. O Linden tem cotação diária e casas de câmbio em todo o mundo nas quais você pode trocar dinheiro de verdade por moeda virtual. Quem quiser comprar, por exemplo, uma pele nova para o seu avatar entrará numa loja de alguma ilha, escolherá um modelo quem sabe tatuado dos pés à cabeça, e pagará alguns Lindens. A compra será convertida, no caso do Brasil, em reais, e a conta mandada para um cartão de crédito verdadeiro e previamente cadastrado pelo dono do avatar. O dinheiro do pagamento será transferido ao “fabricante” e vendedor da pele, na verdade um programador esperto em algum lugar do mundo.
Isso mesmo: a pele virtual é comprada com dinheiro real. Também roupas, trejeitos, Ferraris, foguetes, entradas de cinema, acesso a festas virtuais. Grandes marcas (leia Coca-Cola...) mantêm vários “serviços” e muita propaganda paga dentro do S.L.. Se você acha tudo isso muito estranho, é exatamente aí que está perdendo dinheiro, ou ao menos deixando de ganhar. Não somos capazes de entender esse novo mundo. Somos trabalhadores de arado querendo pilotar naves espaciais. O máximo que vamos conseguir é cavar buracos maiores no chão. E é exatamente um buraco gigantesco que nos separa dessa nova cosmovisão. Estamos de um lado do buraco, com nossas amadas máquinas que foram, um dia, tão modernas. Do outro lado, há muita gente que enxerga muito, muito além das máquinas e que vende – e compra! – pele virtual. Como vamos transpor esse buraco? Não será de avião, certamente. Nem de Enterprise, Dr. Spock... Se você não sabe como, caro leitor, caia na virtual!
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