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Artigos-->O CAIPIRA COMO ELE É -- 31/08/2007 - 23:47 (Orlando Batista dos Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O CAIPIRA COMO ELE É – DE CORNÉLIO PIRES(1)

Comentários de Orlando Batista dos Santos



Movendo e estudando tipos de “caipiras” nesta obra, especialmente caipiras paulistas, ao classificá-lo, não faço referências ao “cafuz(2) e ao “caboré(3), raros neste Estado.

O nosso caipira tem sido uma vítima de alguns escritores patrícios, que não vacilam em deprimir o menos poderoso dos homens para aproveitar figuras interessantes e frases infelizes como jogo de palavras.

“Caipiras”... Mas que são os caipiras?

São os filhos das nossas brenhas, de nossos campos, de nossas montanhas e dos ubérrimos vales de nossos piscosos, caudalosos, encaichoeirados e inumeráveis rios, “acostelados” de milhares de ribeirões e riachos.

É fato: o caipira puxador de enxada, com a maior facilidade se transforma em carpinteiro, ferreiro, adomador, tecedor de taquares e guembê, ou construtor de pontes. Basta-lhe uma só”explicação bem clara; ele responderá: “Se os ôtro fáiz... proque não hi de fazê!... Não agaranto munto, mais vô exprementá”.

Os caipiras não são vadios: ótimos trabalhadores, têm crises de desânimo quando não trabalham em suas terras e são forçados a trabalhar como camaradas, a jornal. Nesse caso o caipira é, quase sempre, uma vítima.

O trabalhador estrangeiro(4) tem suas cadernetas, seus contratos de trabalho, a defesa do “Patronato Agrícola” e seus cônsules... Trabalha e recebe dinheiro. Ao nacional, com raras exceções o patrão paga mal e em vales com valor em determinadas casas, onde os preços são absurdos e os pesos arrobalhados; nesse caso o caipira não tem direito a reclamações nem pechinches, está comprando fiado... com o seu dinheiro, o fruto do seu suor, transformado em pedaço de caderneta velha rabiscada a lápis.

E querem que o brasileiro tenha mais ânimo!

Ânimo não lhe falta, quando trabalha em suas próprias terras. As suas algibeiras e o seu crédito nas lojas e vendas o confirmam.

Deixem os fazendeiros de explorar o nacional, pagando-lhe em moeda corrente; que ele veja e sinta o dinheiro, o seu dinheiro, fruto do seu labor, e ele será outro.

Dócil e amoroso é todo camponês; sincero e afetivo é o caipira.

Não cuido aqui do caipira da cidade(5) Esse sabe ler, é bom, é fino, e só lhe falta o traquejo das viagens, o desenleio e o desembaraço adquiridos no contínuo contato com as populações dos grandes centros. Esse é menos desconfiado que o do sítio, mas revela grande timidez num meio grande e estranho, imaginando que todo mundo o observa, chasqueando-os, trocando-lhe o andar e o jeito.

Da cidade ou do sítio o caipira é sempre prejudicado pelo seu excesso de modéstia. É que em nossa terra, trancada de magníficas inteligências, parece que toda a gente é obrigada a ter talento! Daí o pouco caso a que são votados homens que brilhariam em outras terras.

A música e o canto roceiros são tristes, chorados em falsete; são um caldeamento da tristeza do africano escravizado, num martírio contínuo do português exilado e sentimental, do bugre perseguido e cativo. O canto caipira comove, despertando impressões de senzalas e tapéras. Em compensação, as danças são alegres e os versos quase sempre jocosos.



I - O CAIPIRA BRANCO

Neste caso, branco quer dizer de melhor estirpe, meia mescla, descendentes de estrangeiros brancos... gente que possa destrinçar a genealogia da família até o trisavô, confirmando pelo procedimento o nome e a boa fama dos seus genitores e progenitores. Podem ser alvos, morenos ou trigueiros... são brancos.

Descendem geralmente dos primeiros povoadores, fidalgos ou nobres decaídos de suas pompas, ou de brancos europeus atraídos para a nossa terra pela árvore das patacas e que, nos sertões de então, fecundos latinos, deixaram a sua descendência. A média de filhos do caipira branco é de 8, e ele consegue criá-los.

São esses os caipiras reclamadores de escolas. Seus filhos, engarupados no pangaré, freqüentam aulas na cidade a uma e meia léguas de distância, quando não há escola no bairro.

Por mais pobres que sejam, com seus cobrinhos, suas terras, porque eles são sempre proprietários, podem andar remendados, mas andam limpos. Usam chinelos de liga ou cara de gato, sapatões de vaqueta branca-amarelada ou botinas de elástico, pés não muito grandes, porém altos; barba abundante e os lóbulos da orelha gordos e destacados das faces. Não dispensam o paletó, não usam colete, não passam sem um lenço amarrado no pescoço; chapéu de pano, calça de riscado, e uma boa cinta de couro curtido, couro de sapateiro, como dizem eles.

As mulheres são asseadas e amorosas, fugindo às cores berrantes tão apreciados pelos caipiras caboclos. Excessivamente pudicas, suas filhas aos sete para oito anos já usam saias compridas...

Seus penteados prediletos são o pericote na nuca ou no alto da cabeça; a trança longa e cheia, ou duas tranças pendentes, usando também, quando pouco cabeludas, trancinhas em rodilha.

Os caipiras brancos, mesmo quando pobres, são respeitados pelo caboclo pobre ou rico e pelos pretos.

Se os filhos são analfabetos, em compensação são gentis e bem educados.

Pouco dados à cachaça, são sóbrios e alegres, comedidos nos gestos, compassivos, bonachões e pacientes.

As suas casas, apesar de ser de barro e telha vã, são asseadas, bem varridas, ostentando nas linhas enxadas envernizadas pelo uso, ficando atrás da porta os machados e foices. Nas estanqueiras não faltam a espingarda, a patrona de couro de jaguatirica o laço, o cabresto, o bornal, o freio, o serigote ou socado, o corote, o samburá e um pala.

Não são velhacos, nem carvoteiros, nem gaúchos: têm sempre de seu. Rascam regularmente nas violas de doze cordas, com seus canotilhos, toeiras e turina.

Riem abertamente. Têm o falar sossegado e bondoso, de tudo se admirando, a mostrar interesse pela conversa mais insossa e secante, só para serem delicados.

Não dispensam a sua cachorrada paqueira e veadeira, com que fazem seu desporto aos domingos ou dias de guarda. Amam os seus cães, que não cedem por dinheiro nenhum. Põe-lhes nomes originais: Bismarque – Sultão – Paxá – Baliza – Clarim – Palhaço – Fidalgo – Sem Nome – Que Importa – Espicula – Marengo – Piloto – Colibri – Corsário – Não Sei...

Como patrões, são verdadeiros amigos e companheiros de eito dos camaradas. Sabem adoçar a voz e a ordem com um sorriso.

Têm, quase sempre, em casa, um compartimento assoalhado para os hóspedes, pois são os mais hospitaleiros dos homens.

Quando moradores dos campos, suas casas ficam dentro de um mangueirão, com suas figueiras e coqueiros, pés de pinhão-paraguai, cochos em forquilhas, chiqueirão de um lado, paiol, uma horta–jardim e um modesto pomar.

Os ribeirinhos armam suas casas barreadas, rebocada e caiada no tope de uma ribanceira, num refego de vale ou no alto de uma poética barranca de rio.

São João e Santo Antônio são os seus santos prediletos e em todos os sítios se ostentam no mesmo mastro, costas com costas no mesmo caixilho, mastro pintado em gomos azuis e rosas.

Pelas cercas de pau-a-pique, pendentes e verdes, as “buchas”, as abobreiras e os croás cheirosos. Junto á porta, as pedras de afiar e de acentar o fio. No quintal as laranjeiras: lima, tangerina, tangerona, ananás, mexeriqueiras, azeda cascuda, seleta, limão doce, lima umbiguda, lima da Pérsia, cidreiras, jambeiros, além do abençoado pé de limão galego, que floresce toda a vida, o ano inteiro, até morrer. É o salvador dos doentes. De lado fica a horta, misto de campo e de conservação de plantas medicinais. Ali estão em confusão o cravo de defunto, o coentro, a erva-cidreira, o cravo-chita, e outros cravos, a hortelã. O cravo é a flor predileta do caipira, figurando sempre na sua poesia



II – O CAIPIRA CABOCLO(6)



Caipiras caboclos são os descendentes diretos dos bugres catequizados pelos primeiros povoadores do sertão. Se o caipira branco diz: “eu sou da família Amaral(7), Arruda, Pires, Ferraz, Almeida, Vaz, Barros, Lopes de Souza, Botelho, Toledo”, ou outra, dizem os caboclos: “eu sou da raça” de tal gente...

Estes caipiras quase nunca têm os lóbulos das orelhas, ou estes são completamente pegados.

Inteligentes e preguiçosos, velhacos e mantosos, barganhadores como ciganos, desleixados, sujos e esmulambados, dão tudo por um encosto de mumbava ou de capanga; são valentes, brigadores e ladrões de cavalos...

São uns poáias quando dão para pilintras, e então, deixam a preguiça de lado e a vaidade presta o seu serviço, tornando-os trabalhadores. Neste caso, o chá é mandar chumbar um dente a ouro e pôr uma coroa na frente. Freqüentam os arredores das cidades. São valentes e ágeis, ligeiros como lambaris, arreganhando as magníficas e alvas dentaduras fazem um banzé-de-cuia(8) de uma hora para outra por causa de uma catirina, pois são mulhereiros e dados a galantes, com o seu andar gingado, bamboleante e gamenho. Estes “almofadinhas” caboclos, são raros, mas existem por todo o interior do Estado.

Geralmente os caipiras caboclos são madraços. Arranjando um cantinho no sítio do branco, ou numa fazenda, lá ficam munbaveando, tolerados pelos patrões... aos quais não prestam serviço.

Sua vida é caçar (com aviamentos arranjados aqui e ali à custa de pedinchices), pescar, dormir, fumar, beber pinga e tocar viola, enquanto a mulher, guedelhuda e imunda, vai pelos vizinhos, pidonha e descarada, filar dos bons trabalhadores o feijão, o toicinho, o açucre, o café, a farinha e... um manojo de couve. Os vizinhos dos caboclos só matam porco a tiro e sangram depois de morto, pois se o animal grita sob a faca esse é o dia das visitas...

Quando são muito trabalhadores, os caboclos se satisfazem com qualquer coisa: uns pé de couve, uma rocinha de mandioca, três pés de cebola de cheiro, batatas, abóboras e ... a serralha dá por si...

São marotos. Criam os filhos ao Deus-dará.

O traje do caboclo é repelente. Sua casa é imunda, de paredes esburacadas, coberta de sapé velhíssimo e podre, afogada pelos vegetais daninhos que lhe invadem o terreiro e vêm até a porta do quintal, trepando a “unha-de-gato” pelas paredes até a cumieira, de sociedade com o melão de S. Caetano. A miséria envolve-lhe o lar. Cadelas magras e sarnentas a se coçar ao sol, cheias de bernes, completam o quadro, pois aqui nem o gato do caipira se encontra: tal casa não comporta ratos; se não há o que roer...

O caboclo...

Ei-lo de cocre à margem suja do ribeirão (não tem coragem de passar uma foice no pesqueiro) com sua vara-de-anzol quebrada e encanada com embira... O bambuzal fica perto, mas o caboclo não tem tempo para ir cortar uma vara nova. Descalço, pés chatos, e esparramados, dedos cabeçudos, longos, em garra, fincados no chão: uma das pernas da calça arregaçada, outra a tombar; botões mal tapados pela vista da calça; uma cinta de correia de couro cru, estreita, de fivela esconsa; metade das fraudas para fora das calças vendendo farinha. Pela aberta da camisa, na ilhaga, de quando em vez, enfia a mão de unhas curvas, longas e sujas e se coça pela costela num gozo infindo... A camisa aberta ao peito, sem botão, deixa ver os rosários de contas de capim, os bentinhos, um dente de porco ou de jacaré, e um patuá, que é um saquinho fechado de pano encebado, brilhante de sujice e de suor. Esse saquinho, envolve uma oração e uma pedra do Bom Jesus de Pirapora. A oração serve para fechar o corpo contra balas e as coisa-feito. A tiracolo tem o caboclo um saquitel com fumo, palha, isqueiro de taquara com tampo de cuia, pedra de fogo e um pedaço de lima à guisa de fuzil.

Além de sujo, é roto. A mulher não lhe remenda a roupa e ele deixa ficar. A sua cabeleira emaranhada parece uma touceira de capim barba-de-bode, um enxu(9) ou ninho de corruíra d’água ; quando vem do mato traz a cabelama cheias de ciscos e pauzinhos secos. O seu chapéu de palha de piaçaba, afunilado, que já foi branco, hoje está envernizado, com uma cor indefinível, brilha e fede. Tem as abas caídas e comidas de barata.

Pobre caboclo... Creio que nunca tomou banho...

Coitado do meu patrício! Apesar dos governos os outros caipiras se vão endireitando à custa do próprio esforço, ignorantes de noções de higiene... Só ele, o caboclo, ficou mumbava, sujo e ruim! Ele não tem culpa... Ele nada sabe.

Mas, graças a Deus parece que esse tipo vai desaparecer.

Foi um desses indivíduos que Monteiro Lobato estudou, criando o Jeca Tatu, erradamente dado como representante do caipira em geral.

Ainda não estão perdidos os caipiras caboclos. Para salvá-los bastam duas coisas tomadas a sério: a escola e a obrigatoriedade do ensino... mas de verdade.



III O CAIPIRA PRETO(10)

Caipiras pretos são os descendentes dos africanos já desaparecidos do Brasil

São os bons brasileiros vítimas ainda das últimas influências da escravidão.

Almas caridosas e pacientes, generosas e humildes são os “negros velhos”.

Vede-os ali, “conversando ao pé-do-fogo”, ou sentados numa pedra, no terreiro, ou na soleira de uma porta se aquecendo ao sol... Também estão rotos e esfarrapados... Pobres depois de terem, com seu suor, inundado as fazendas de brasileiros patrícios seus – de canaviais, algodoais e cafezais, enchendo-os de dinheiro, desse ouro abundante e bom!

Que é o negro velho?

Um farrapo de gente...é um bagaço da vida. É um hospital de doenças. Tem os pés inchados e rachados pelas frieiras, pelos espinhos, pela erisipela, pela elefantíase... O seu peito ronca e ringe cheio de asma!

E ele, o pobre negro velho, nos sorri, contando histórias de outros tempos, humilde, cabisbaixo, sem gestos, ou só gesticulando de quando em quando, tentando estender a mão “engruvinhada”, de dedos encroados, entravada pelo reumatismo, mão com que tenta mostrar o porte de uma criança ou apontar o quartel de cana ou o talhão de “café-velho”, para além, muito além onde ele conheceu a mata-virgem e ouviu o estrondar dos jequitibás nas derribadas; onde ele viu erguer-se a lavoura nova do “sinhô” e onde amou a sua “crioula”... Essa crioula hoje é a “negra-velha”, a mãe-preta” a “mamã” que tem qualquer coisa de Santa naqueles olhos bondosos, naqueles cabelos tão brancos! Ela é a miséria aliada à bondade; é a tristeza e o caminho; é o amor e a boa conselheira dos filhos daqueles que a torturaram explorando-lhe o trabalho.

Pobres negros velhos! Nas grandes cidades, disputam aos cães, pela madrugada os restos das latas de lixo! Não podem pedir esmolas, eles, que só viveram para o trabalho... Não podem: a polícia não deixa: - são nacionais...

Felizmente os filhos dos “Negros-velhos” reagiram! São hoje o melhor braço da nossa lavoura e dos serviços de “estiva” no litoral.

Vejamos o “caipira-preto” novo.

Sua casa é quase sempre limpa; é coberta de sapé, mas é cercado de lavoura: tem sua plantação de cana, um pouco de café, e cereais: tem um “punhado”de santos no terreiro, em mastros: S. João, Santo Antônio, São Benedito. Ele é religioso e pena é que a aguardente, a “cachaça” o arraste para a tuberculose. A sua engenhoca, é tocada a pulso; ele é forte. Um cachorro “jaguapoca”, pouco maior que um “jaguapeva” ronda sempre as capoeiras, assombrando tatus e defendendo as galinhas, dos “bichos do mato”.

Tem a sua horta e as suas frutas. Respira-se um grande bem-estar no seu “sitiéco”.

É trabalhador e não se deixa pisar pelos brancos – que muito estima e respeita – mas, por “qualquer-cousa” responde logo: - “Sinhô me descurpe... mais tempo de escravo já cabô!”

Aos domingos, chibante e limpo, aparece na cidade com as pretas pimponas e risonhas, mostrando lindas e magníficas dentaduras alvas num riso franco e feliz. E as pretas garbosas e nadegudas como “içás” passeiam suas saias de chita, engomadas, sob paletós brancos de babados e golas enfeitadas de renda e entremeios vermelhos ou azuis, fazendo visitas e comprando “quitandas” nos tabuleiros à porta da igreja matriz.

Se os caipiras brancos são patriotas, os pretos suplantam-nos com grande vantagem. Sentem-se orgulhosos do nome do Brasil. Quantas páginas brilhantes foram escritas na nossa história pelo brasileiro-negro!

O novo caipira-preto é cavalheiresco e gentil. Em contato com o italiano, tendo, em compensação a estranha simpatia da italiana

É batuqueiro, sambador, e “bate” dez léguas a pé para cantar um desafio num fandango ou “chacuaiá”o corpo num baile da roça.



IV - O CAIPIRA MULATO

Oriundos da cruzamento de africanos ou brasileiros pretos com portugueses, e brasileiros brancos, raramente com o caboclo, o caipira-mulato é o mais vigoroso, altivo, o mais independente e o mais patriota dos brasileiros. Ele é bem o brasileiro que sabe amar o Brasil acima da própria família.

Lutando contra a prevenção do branco e fugindo, repelindo o preto, ficou numa situação especial e por isso procura sempre e sempre se elevar e se distinguir pelas suas ações.

Quando dá para pachola e falante... deixemo-lo.

Excessivamente cortês e galanteador para com as senhoras, nunca é humilde ante o patrão. Grande apreciador de sambas e bailes, não se mistura com o preto, tratando-o com certa superioridade mas com carinho. As suas mães, pretas, tratam-no com tanto mimo, com tanto carinho, por serem claros, que eles se tornam um tanto desprezadores de seus genitores maternos.

Nem sempre são proprietários.

Fiéis, são os bons-empregados, os bons boleeiros, os bons copeiros, os bons camaradas, os ótimos fatotum dos ricos... enquanto não forem tratados com desprezo.

Aparece agora no nosso Estado um novo tipo de caipira mulato, robusto e talentoso, destacando-se nos grandes centros, tratável e simpático: é o mestiço do italiano com a mulata ou do preto tão estimado por algumas italianas( 11).



COMENTÁRIOS

1- Trechos do livro “Conversas ao ‘Pé-do-Fogo” editado pela OTTONI Editora em 2002. A primeira edição desta obra deu-se em 1921.

2- Cafuz é resultado do cruzamento do negro com o índio, o cafuzo.

3- Caboré, salvo outras eventuais significações, refere-se ao nordestino. O termo remete à figura de um tipo de coruja de cabeça chata. Daí a expressão pejorativa e discriminatória de “cabeça-chata”, referente ao nordestino.

4- Aqui, “estrangeiros” refere-se aos colonos imigrantes vindos de vários países para o Brasil, principalmente no final do século XIX e início do século XX. Cornélio Pires revela a discriminação entre os trabalhadores nacionais e os estrangeiros.

5- Diferentemente do conceito de que “caipira” é necessariamente o homem do campo, Cornélio Pires faz referências ao “caipira da cidade”. Já Antônio Cândido em “Os Parceiros do Rio Bonito” diz que seu estudo limitava-se apenas ao “caipira paulista”, cabendo aqui então uma indagação: caipira é um estado da alma, um estilo de vida, uma estética peculiar, uma cultura?

6- Não estranhem os leitores a forma contundente com que o caboclo é apresentado aqui. A expressão “caboclo” como conhecida de forma tão romântica nos dias de hoje, esconde uma origem bem diferente. Cornélio Pires deixa bem claro que a esta categoria de caipira pertence os descendentes de indígenas. Pouco dados ao trabalho, pelo menos ao estruturado pela lógica da acumulação de bens e capital, os caboclos, como seus ancestrais preocupavam-se tão somente com a caça, pesca e coleta, indicando a forte presença cultural dos nossos indígenas. Perambulando pelas fazendas, e depois pelas cidades, lá se vai o caboclo carregando apenas as reminiscência de sua cultura original. Cornélio Pires analisa-os pela ótica do “civilizado”, assim como Monteiro Lobato faz com seu Jeca Tatu, personagem caipira que representa justamente este “caboclo” avesso à correria e desligado dos problemas da “civilização”. Vamos encontrar um pouco de tais características também em grande parte dos filmes do inesquecível Mazzarope.

7- A título de curiosidade, segundo consta, Cornélio Pires era primo de Amadeu Amaral, autor de “O dialeto Caipira” e muito provavelmente também da família da pintora Tarcíla do Amaral, pelas ligações que teve com o primeiro e com a cidade de Capivari no Estado de São Paulo.

8- Banzé-de-cuia: encrenca, confusão.

9- Enxu: colmeia da abelha conhecida popularmente como arapuá.

10- Cornélio Pires foi apaixonado pela cultura negra. Seu livro “Conversas ao ‘Pé-do-Fogo” revela bem esta afirmativa. Não estranhe, portanto, o leitor, seu tom romântico, ainda que melancólico, quando se refere ao negro.

11- Como se pode notar, Cornélio Pires já aponta, por volta de 1920 uma significativa miscigenação do negro com o branco italiano, originando o “novo tipo de mulato”, fenômeno anteriormente ligado ao português.

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COMENTÁRIOS DOS LEITORES

* Lindo, tocante, brasileirissimo, elucidativo !

Muito agradeço pela aula !!!

Adorei ter lido sua Cronica !

Zelia – Rio de Janeiro RJ

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