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Contos-->NAVEGANDO SE VAI AO SONHO... -- 03/06/2002 - 17:02 (Maria Angela Alvares Cacioli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Trabalho no Banco do Brasil em Santo André há vinte e dois anos. Ontem foi um dia muito duro. Acho que tanto tempo pesou. Estamos todos atolados de serviço. Passamos horas fazendo cálculos, contratos, correspondências. Toneladas de papéis nos cercam por todos os lados. Eu estava muito cansada no final da tarde. Estava sentada ao lado do Beto, meu chefe, cada qual entretido no seu próprio serviço, com o olhar fixo nas letras que surgiam na tela do computador à frente para que nada saísse errado. Contra a parede branca, na minha seção, enfileiram-se computadores. Nas cadeiras giratórias diante de cada um, sempre há um funcionário trabalhando. Não era diferente na tarde de ontem. As conversas restringiam-se a pequenos comentários trocados entre alguns sobre o andamento desse ou daquele processo. Estavam todos ocupados.
Levantei-me para pegar um dado que faltava no contrato de um cliente. Atravessei a sala em direção aos arquivos na parede oposta. Abri a gaveta, peguei uma pasta. O que eu procurava não estava ali. Virei meio corpo para perguntar ao Beto onde eu poderia encontrar aquela informação. Fixei vagamente os olhos em suas costas e, quando comecei a abrir a boca para formular a pergunta, vi sua imagem sofrer uma interferência, como uma tela de televisão antiga, em preto e branco, com aquelas faixas oblíquas correndo em seqüência. Pisquei os olhos. Estava cansada demais. Olhei novamente para o Beto e, cadê o Beto? Pisquei novamente. Olhei e nada. Ele havia sumido da cadeira. “Não é possível; estou ficando louca”, pensei. Dei uma risadinha interna, incrédula. Voltei para perto da cadeira. Perguntei ao colega que estava sentado próximo para onde tinha ido o Beto. Vanderlei estava tão concentrado no seu cálculo que apenas balbuciou um quase ininteligível: “Não sei”.
Olhei para os lados, atarantada. Comecei a perguntar a todos sobre o paradeiro do Beto. Ninguém sabia, os olhos voltados para os computadores para não perder o fio da meada.
A lembrança daquela imagem como que se desfazendo perante meus olhos, como uma interferência eletromagnética, não me abandonava. Tentava achar uma explicação. O espaço que eu percorrera da minha cadeira até os arquivos era tão curto que o Beto mal teria tido tempo para se levantar, quanto mais para andar e sumir da sala! Fui para as salas adjacentes, para o corredor, para o hall do elevador. Nada. Dei um tempo. Mas a imagem me perseguia. O Beto se desvanecera na minha frente. Uma idéia absurda começou a se formar na minha mente. Nem eu queria acreditar. Era doida demais. Se eu falasse para os outros, me chamariam de louca. Não podia ser, mas era a única explicação: o Beto fora engolido pelo computador.
Quanto mais eu me esforçava para afastar tal pensamento da cabeça, mais ele me atormentava. Comentei, em tom de gozação, com a Sandra: “ Parece idiotice, mas acho que o Beto está dentro do computador”. Só queria testar como seria aceita a minha observação. A Sandra não tardou em espalhar a novidade pela sala. Ao fim todos riam da minha idéia maluca.
O expediente terminou. Antes de sair do Banco, liguei para a casa do Beto. Ele não havia chegado ainda. Como sou sempre a última pessoa a sair da seção, assumi naturalmente a função de fechar as janelas, as portas, desligar os computadores e apagar a luzes. Neste dia foi com relutância que fiz isso. E se o que eu estava cogitando pudesse ser verdade? Desconectando os computadores eu não poderia estar condenando meu chefe a ficar para sempre como um escravo da rede? Fui para casa angustiada. Estava exausta. Precisava descansar.
No dia seguinte fui para o trabalho apreensiva. Quando lá cheguei todos estavam em polvorosa. A esposa do Beto havia ligado desesperada à sua procura. Ele não fora para casa no dia anterior. Ela já o procurara na delegacia, no necrotério, nos hospitais. E nada. “Não procurou onde devia”, pensei. E estremeci com o pensamento. Com o decorrer do dia o agito da manhã foi se diluindo, não sem deixar um certo constrangimento entre todos. Parecia que havia um culpado entre nós e me olhavam de esgueio. O ambiente pesava. Alegando indisposição física, pedi para sair mais cedo.
Naquela noite eu tinha um compromisso. A escola de artes freqüentada pelo meu filho mais velho iria promover os trabalhos de seus alunos, oferecendo um coquetel para pais e amigos. Cheguei lá transtornada: havia discutido com o motorista de táxi que cobrara um preço absurdo por uma corrida muito curta. Eu já sofrera pressão psicológica durante todo o dia e agora ainda me acontecia mais essa. Não hesitei quando o garçom passou com uma bandeja de bebidas. Um cálice de vinho branco ajudaria a relaxar. Procurei pelo dono da escola, o Vítor, que fora meu professor dez anos atrás. Falei-lhe do meu interesse em voltar a estudar publicidade. Iria aposentar-me do Banco dentro em breve e já estava preocupada em tomar um rumo diferente na minha vida. Publicidade sempre fora o meu fraco. A criatividade que ela exige me excita. Estou saturada do trabalho burocrático. Outro garçom se aproximando. Apanhei mais um cálice de vinho. “Não é do meu feitio beber, mas hoje eu preciso; estou ansiosa demais”, argumentei.
A conversa continuou e o Vítor me explicou que, para começar a planejar o meu futuro dentro do caminho que escolhi, o fundamental era conhecer computação gráfica. Computação. Essa palavra me feriu como um punhal e então eu lembrei o porquê da minha ansiedade. Mais um cálice de vinho. “Obrigada”. O Vítor me apresentou o Nando, professor de computação, para que este fizesse um pequeno esboço do que oferece o curso que terei que fazer. Muito persuasivo esse Vítor, que se afastou à procura de mais uma ovelha para seu rebanho.
Mal prestei atenção nas palavras de Nando. Já que ele era um especialista em computadores, cortei uma frase sua pela metade e fiz a pergunta que vinha martelando a minha cabeça há mais de vinte e quatro horas: - “Pode um computador absorver alguém, tragando uma pessoa para seu interior”? Nando olhou-me com olhar estupefato. Assim, à queima-roupa, a indagação pareceu-lhe sem sentido, mas à medida que a foi digerindo, seu espanto se transformou em um sorriso maroto e ele me lançou a sua pergunta: - “Por que”?
Antes mesmo de qualquer explicação senti uma empatia profunda com aquele rapaz. Seu olhar antecipadamente me falou que eu não estava maluca (só um pouco bêbada, eu acho). Comecei a discorrer sobre os acontecimentos do dia anterior e falei também das impressões pessoais sobre o assunto. Nando ouviu-me atentamente e, depois de refletir um pouquinho, chegou-se mais perto de mim e confidenciou-me: “ Já entrei num computador”. Ante meu olhar surpreso e ao mesmo tempo cúmplice, iniciou a descrição sobre sua incrível experiência, vivida há dois anos. Contou que, auxiliado por um amigo também viciado na Internet, trancaram-se por três dias no quarto de seu apartamento e, baseando-se em estudos que vinham desenvolvendo durante os cinco últimos anos, forçaram uma situação que o fez desmaterializar-se no mundo real e materializar-se na tela do computador. A passagem de um campo para outro, conforme ele me explicou, deu-se exatamente como eu descrevera o desaparecimento do meu chefe.
Eu estava diante de uma pessoa totalmente normal, que acreditava em mim. Dei um suspiro de alívio. Bem, o problema agora era como tirar o Beto desta enrascada. Como eu poderia convencer o gerente da minha Agência a deixar um estranho entrar lá, remexer no computador e ainda alegar que era para salvar o Beto? Seria internada num hospício. Articulamos um plano, o Nando e eu. Seria colocado em prática ainda no dia seguinte. Tomei mais um cálice de vinho antes de voltar para casa. Tentei contar ao meu filho, durante o trajeto, tudo o que vinha acontecendo desde o dia anterior mas ele atribuiu ao abuso etílico meu estranho comportamento.
Não conseguia dormir. Revirava-me na cama procurando uma solução. Não havia alternativa. Teria que contar uma mentira deslavada para conseguir introduzir o Nando na minha sala de trabalho.
Foi assim que no início da tarde de quinta-feira reclamei de um defeito no meu computador. Simulando ligar para a assistência técnica, liguei para o Nando, conforme já havíamos combinado antes. Em meia hora ele chegava com uma daquelas maletas pesadas, fazendo-se passar por técnico. Sentei ao seu lado e acompanhei o desenvolvimento de seu trabalho. Depois de uma dúzia de comandos complicados, novamente a imagem de tela de televisão antiga, com as listras oblíquas, surgiu num piscar de olhos.
O Beto materializou-se, sentado na cadeira ao lado. O Nando havia desaparecido. Algo dera errado e ele fora sugado pelo vídeo?
Acordei assustada e o meu chefe me dispensou mais cedo. Eu estava muito cansada...


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