Um dia já a tardinha
Eu falo sem brincadeira
Passou-me pela cabeça
De fazer uma besteira
Eu fui lá no cemitério
Só pra ver se era sério
O presente da carneira.
Quando o sogro deu o presente
Falou-me sem cerimônia
A carneira está à direita
Da defunta dona Antonia
À esquerda você veja
Pertence ao Zé de Deja
Aquele cara sem vergonha.
Que morreu por ser famoso
De mexer em mulher alheia
E um dos maridos traídos
Quis deixar a coisa feia
Pegou o seu bingulinho
E cortou em pedacinhos
Que brotou sangue na veia.
Já a carneira da frente
Pertence ao defunto João
Que por comer demais
Morreu de uma congestão
A pança estava tão cheia
Nunca vi coisa tão feia
Morto cagando no caixão.
E com esse endereço
Que me deu o sogro amigo
Foi fácil de encontrar
Aquele meu jazigo
Sentei em cima contemplando
Já estava até gostando
Não estava constrangido.
Resolvi tirar a tampa
Pra ver se dava o tamanho
Foi bem na hora da chuva
Que vinha pra dar um banho
E para eu não molhar
Resolvi então entrar
E desci sem ter arranho.
Coloquei então a tampa
Ficou entre meio aberto
Já estava escurecendo
Sem ter ninguém por perto
De cócoras eu fiquei
E por ali cochilei
Não achando isso certo.
E só de madrugada
É que eu fui acordar
Com barulho de ladrões
Que estavam a roubar
As catacumbas de ricos
E dizendo: essa eu fico!
Pensei logo em me mandar.
Quando resolvi sair
De dentro da minha carneira
Os ladrões vendo o vulto
Botou as pernas na carreira
Largando os roubos para trás
Só depois eu conto mais
Porque não é brincadeira.
Fui devolver os pertences
Pra cada um dos defuntos
Que mora ali há tempos
Nessa cidade de pé junto
Amanhã eu conto o resto
E pra dizer que não presto
Vou mudando de assunto.
Cheguei em casa de manhã
Jocélia estava nervosa
Quando cheguei de fininho
Ela não deu nenhuma prosa
E com o cabo da vassoura
Bateu em cima da ciloura
Que ela ficou cor-de-rosa.
Não sei se foi maldição
Desse presente que ganhei
Ou qual a intenção do sogro
Confesso ainda não sei
Já estou ficando maluco
Estou ficando caduco
Depois que eu aceitei