Uma noite de sexta-feira, antevéspera dos dias das mães, o Circolo Friulano promove, no salão de festas do centenário casarão da associação italiana, uma confraternização entre os associados, todos descendentes do distante norte da Itália.
Embora de origem espanhola, tataraneto de um casal de anarquistas bascos, estou presente na festa por ser um admirador da cultura e principalmente da culinária italianas. Sinto-me à vontade, pois se o encontro é para matar a saudade, somos todos solidários. As emoções e os sentimentos são diferenciados pelas décadas corroídas por anos de labuta, pelos trejeitos dos saudosos imigrantes e por restos de sotaque que ainda teimamos em carregar.
Ao som da "Mérica" foi dado início à s festividades. O risoto foi servido juntamente com salsichão assado, saladas de alface, tomate e cebola. Mérica! Mérica! Mérica! Quanto mais ouvimos mais nos emocionamos e saboreamos os vivas, os abraços e o vinho tinto. Em uma solenidade simples foram feitas as entregas dos certificados aos alunos que concluíram o curso de italiano. Aplausos, vivas e mais vinho tinto. Esvaziavam-se jarras e enchiam-se cálices. Quanto mais jarras vazias sobre as mesas, maior a animação dos convidados.
Numa mesa, próxima a uma imensa janela, um ancião, com o olhar absorto no horizonte da sala, vagueia em pensamento, certamente viajando ao passado, recordando passagens de uma vida de luta, alegria, tristeza e saudade. Batendo machado na lenha tosca, enquanto o moinho ao lado do galpão gira com a água da sanga ou, quem sabe, rememorando antigas histórias do velho Nóno que vem sendo contada, de geração em geração, desde a sua partida da Itália. Ao voltar desta breve viagem pelas trilha da vida, percebe que o seu cálice de vinho está vazio.
- Este vinho me leva de volta para Itália e deixa minha memória cada vez mais viva. Comenta, para si, num sussurro.
Neste instante o presidente da associação, um senhor grisalho com um volumoso bigode preto, resolve fazer uma homenagem à s mães.
- Nos coloquemos no lugar daquelas mães que viram seus filhos partirem, rumo ao encontro do céu com o mar, perdê-los para um mundo totalmente novo e desconhecido. Podemos ver nitidamente a imagem dos lenços brancos desfraldados ao vento, marcando a definitiva despedida. Vejam amigos, estamos no ano de 1871 e de lá para cá, o mundo mudou radicalmente. Hoje damos um "clic" no nosso computador e estamos em contato com uma pessoa no outro lado do planeta. Vislumbremos em nossas mentes uma mãe, no cais dos porto, vendo lentamente seu filho sumir mar adentro rumo ao inesperado. Quantas noites sem dormir, moída pela saudade e pela infindável ausência. São estes sentimentos que nos unem e nos trazem aqui para confraternizarmos e cultuarmos a memória de nossos antepassados, que ficaram na Itália, chorosos pela nossa partida, mas que estarão sempre em nossos corações e em nossas orações.
Este momento nos emociona profundamente, uma senhora sexagenária lacrimeja abraçada em sua neta, enquanto isso meu filho rodopia entre os dedos a surrada boina basca, única herança do velho Juan, o anarquista espanhol.
Uma música desfaz este encanto.
"Quando si pianta la bella polenta, la bella polenta, si pianta cosi..."
O baile começa animado.