O Círculo Hermenêutico
Rodrigo Moreira Martins 1999 – Boletim teológico
Ao assumir uma responsabilidade como pregador ou teólogo, o indivíduo precisa ter consciência de seus deveres exegetas, visando manter-se fiel o máximo possível às Escrituras Sagradas e fazendo com que essa fidelidade, trabalhada como releitura hermenêutica, possa alimentar pessoas conforme suas necessidades e realidades. Sendo servo da Palavras de Deus, o exegeta/pastor/missionário/líder se põe entre o Senhor que ontem falou, e hoje fala à comunidade de fé, que anseia em ouvir e obedecer a mensagem de Deus ao povo. Entre a Palavra profetizada no passado e o novo sentido que a mesma tem no presente; sendo assim, o exegeta tem que se dedicar à tarefa dessa dupla contextualização. É importante entender a mensagem bíblica dentro de uma maior fidelidade possível ao contexto histórico original. Uma interpretação descontextualizada, seja do contexto histórico do passado ou do presente, é infiel e anti-bíblica. A hermenêutica duplamente contextualizada, é especialmente urgente na América Latina atual por motivos sociais problematizados, que levam esta região a errôneos desvios hermenêuticos. Outra razão, é o fato de que o Evangelho chegou até nosso continente carregado de uma “ bagagem cultural” muito diferente de nossa realidade. Tanto a igreja evangélica quanto a católica, cada qual a sua maneira, estão submersas em uma profunda crise teológica, um deserto exegético fundamentado sob conflitos, distorcendo as interpretações das Escrituras. O leitor cristão neste meio não conseguirá isolar sua leitura desta realidade. A Bíblia foi escrita à comunidades específicas muito diversificadas, no entanto, em situações concretas. Como pessoa humana o leitor leva consigo, ante à Palavra toda, a realidade do seu ser, o processo de sua própria formação social ou comunidade por ele freqüentadas. Obviamente toda comunidade protestante, alimenta-se da herança da Reforma do século XVI, com toda sua riqueza teológica. Esta herança traz grandes valores espirituais e randes perigos também. Por isso o leitor tem de submetê-la ao juízo crítico do texto bíblico em cada momento. O Deus da Bíblia, num contraste radical aos ídolos da mitologia e filosofia, é o Senhor da história e se revela dentro dela. Do início ao fim, a mensagem bíblica localiza-se no meio da história humana. A historicidade, o método alegórico, o individualismo, a espiritualização e o reducionismo são características comuns da hermenêutica norte americana. Como discípulos de Cristo lemos e procuramos adequar a sua Palavra, fazer sua Vontade dentro da história. Esta é a meta definitiva da nossa leitura da Palavra. Como missionários, devemos ler a Palavra de Deus a partir do contexto de nossa missão cristã, para que a obediência cristã faça-se dentro da nossa história. Para uma hermenêutica histórica, missionária e comprometida, o “ Círculo hermenêutico” pode ser de grande ajuda. O conceito de círculo foi introduzido na filosofia por Heidegger e Gadamer como solução para o problema da interpretação. Esse círculo é contínuo, sem ponto inicial fixo e não se contrapõe com a fidelidade da escritura, pelo contrário, é a melhor forma de ser fiel a ela. A contextualização da mensagem bíblica é uma tarefa sempre inacabada e sempre aberta. A hermenêutica não é, em última instância, tarefa exclusiva dos exegetas, mas de todo o povo do Senhor. No espírito Santo, a comunidade que crê e ouve é uma comunidade hermenêutica, e a ela também recaem compromissos, sendo que o Espírito é primeira da nova criação, do que veio e que virá. Nós, o povo evangélico, estamos diante do maior desafio hermenêutico de nossa historia, ouvir com novos “ouvidos”, abertos cada dia pelo Espírito, a palavra viva do Senhor da história, que nos chama, aqui e agora a entender os tempos, escutar sua palavra e fazer sua vontade. Tudo isso procurando aliviar as tensões daqueles que sofrem dentro de nosso contexto, cultura, etc... com suas necessidades específicas.
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