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Artigos-->*HANSENÍASE*: trajetória social -- 20/09/2007 - 00:26 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




SE TOQUE! Hanseníase tem cura!



3ª e 4ª semanas de outubro

Campanha Estadual de Combate

à Hanseníase – São Paulo/SP







HANSENÍASE: trajetória social



Heleida Nobrega Metello, 2002









Por questões relacionadas a sua própria história a hanseníase ainda se caracteriza como uma doença estigmatizante devido a freqüente associação com a palavra "lepra".



Além das conhecidas citações bíblicas e erroneamente interpretadas, é comum encontrarmos em enciclopédias, dicionários, jornais, etc. os termos "maldição", "morféia", "imundice" "castigo"... ou ainda, outras causas não científicas como sinônimos da "lepra".



Eis porque a hanseníase traz em sua história de vida componentes de tanto peso.



Da época em que não existia tratamento, posteriormente, com o advento da sulfona, da rifampicina e da clofazimina, até os dias atuais, com a introdução do novo esquema terapêutico - a poliquimioterapia - ocorreu uma grande mudança no cenário dessa doença, principalmente no que se refere à expectativa de cura e a repercussão social e psicológica na vida de cada um dos envolvidos.



Desde o início dos tempos o indivíduo portador da hanseníase tinha por hábito esconder sua doença ou se isolar com os ‘iguais’ na periferia das cidades. Era consciente de que sua sorte seria apenas esperar a morte, como tantos outros, após sofrer injúrias de toda espécie por parte da sociedade.



Não mais teria deveres, tampouco direitos em relação a ela. Deixava de ser considerado - um cidadão. Em muitos lugares do mundo, existiam inclusive, cerimônias de exclusão, isto é, para a sociedade, o portador de hanseníase passava a ser considerado morto - morto civil.



No início do século passado, senhoras da sociedade assumiram o "cuidar" dos doentes que viviam em alojamentos à beira das estradas.



Considerando que não existia nenhum tipo de tratamento, a preocupação destinava-se às necessidades básicas, tais como: alimentação, roupas e medicamentos. Tal solidariedade se amoldava ao espírito de uma época em que a prestação desses serviços contava "pontos" no meio social em que viviam.



No entanto, dentre tantas senhoras, algumas se sobressaíram de maneira surpreendente pela qualidade dos serviços prestados aos doentes de hanseníase.



A partir da década de 20, mais precisamente 1924, a situação se avolumou de tal forma, que o Governo, fortalecido pela idéia de que tirando o doente das ruas ou estradas estaria salvaguardando a sociedade sadia, decidiu assumir a questão.



Tal decisão desencadeou na tão discutida internação compulsória.



Assim, qualquer indivíduo com a simples suspeita da doença já era ‘marcado’, quando não mesmo ‘caçado’ e isolado compulsoriamente num hospital-colônia na época denominado de "Leprosário" ou “Asilo-Colônia”.



Essa ‘medida ‘profilática’ propiciou, dentre inúmeras implicações, a desagregação familiar da maioria dos afetados interferindo nos múltiplos segmentos de suas vidas.



Tratava-se do fim de um sonho, o fim de uma vida ainda por vir e que deveria ter sido vivida. Era o princípio de uma vida na sombra de uma instituição jamais escolhida para ser seu lar. Tudo para ‘salvaguardar’ uma sociedade ‘ainda’ sadia.



Inúmeros empregos jamais foram recuperados em decorrência dessa internação, assim como, muitas ‘aposentadorias’ começaram a pipocar como prêmio desejado.



“Mal sabiam os sentimentos que afloravam diante das oportunidades que se esvaíam.”



O tempo costumava passar rápido somente para os do lado de fora dos ‘muros caiados’ e na ausência de qualquer medicamento eficaz, o óleo de Chalmoogra reinou nesse universo difundindo dor em cada aplicação de ilusão.



A carência no isolamento, comumente levava à formação de novos casais e com relativa constância, o nascimento de muitas crianças. Enfim, uma alegria! Uma aparente alegria, pois caso familiares não tivessem capacidade para assumir a criança, o seu destino já estava traçado e o desenho se assemelhava ao dos pais: o isolamento em preventório, mais tarde denominado educandário. Muitos pais não chegaram a conhecer e/ou conviver com seus filhos e vice-versa.



Finalmente, na década de 1940, surgiu a Sulfona, um medicamento que chegou a trazer muitas esperanças aos doentes e à comunidade científica. No entanto, não se confirmou uma mudança significativa em relação à vida das pessoas acometidas pelo agravo.



O doente continuava a ser internado ‘compulsoriamente’ sendo obrigado a deixar o seu "eu" do lado de fora com o risco de perdê-lo de vista para sempre.



“Foram tantas as histórias contadas, quanto as vidas que ficaram caladas.”



Nos anos 70, fez-se presente um novo medicamento - a Rifampicina - um alento para as novas gerações e anos depois - a clofazimina.



Enfim, estava formado o trio que viria garantir a cura rápida através do novo esquema terapêutico proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na década de 80 – a Poliquimioterapia.



Após tanto sofrimento e desintegração, o governo viu-se obrigado a reconhecer que a profilaxia até então adotada não havia sido satisfatória para acabar com a cadeia de transmissão. Ao contrário, diversas situações instalaram-se no processo tornando-se tão ou mais sérias que a primeira intenção por ocasião da decisão da internação compulsória.



“O que fazer então com o ‘coitado’ que tinha passado toda a sua vida naquele lugar? “



Praticamente da mesma maneira pela qual foram internados (compulsoriamente), a grande maioria foi ‘convidada’ a deixar o hospital-colônia ou Hospital de Dermatologia Sanitária como passou a ser denominado após reestruturação da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo que pôs fim ao famoso Departamento de Profilaxia da Lepra ou DPL, no final da década de 60.



“Como se pudesse de repente... rasgar o passado e se apresentar novamente ao presente.”



No entanto, tal reestruturação, assim como a introdução da Clofazimina no tratamento favoreceram a descentralização da atenção à hanseníase, enfatizando o tratamento ambulatorial, o que permanece até os dias atuais.



O mote de que a sociedade seria salvaguardada se fosse interrompida a cadeia de transmissão da doença através do tratamento ambulatorial – passou a ser o ‘discurso’ da nova política para lidar com a Hanseníase.

Assim, os doentes deveriam se apresentar nos centros de saúde (antigos dispensários) para o tratamento e seus familiares, para os exames regulares de contato.



A passagem para essa nova política de tratamento não aconteceu com a facilidade com que foi propagada.



Os doentes ficaram a salvo da internação compulsória, mas não do isolamento familiar, pois a grande maioria passou a ocupar ‘um quarto’ nos fundos da casa ou ‘fora’ desta, com possibilidades reduzidas de contato com a própria família a qual, aliás, continuava insistindo na internação ou reinternação, alegando dificuldade de reintegração.



Os próprios serviços de dermatologia, inicialmente, também sofreram algum tipo de discriminação. Alguns deles permaneceram ‘isolados’ dentro da mesma estrutura física dos demais ambulatórios, o que os transformavam em verdadeiros ‘feudos’.



O tempo se encarregou de fazer os ajustes necessários e na década de 80, com o advento da Poliquimioterapia (PQT) uma nova esperança ressurgiu, permitindo à pessoa com hanseníase vislumbrar a possibilidade de se sentir como qualquer outro usuário da Unidade de Saúde.



O tratamento mais curto e uma cura mais rápida oportunizaram evidentemente, o poder ‘sonhar’.



Concluindo, podemos dizer que o preconceito pode também ser descoberto, não somente entre os profissionais de saúde, familiares e comunidade, mas também no próprio usuário, o que é revelado muitas vezes, nos interstícios de seu discurso.



Isso costuma ocorrer quando ele se apresenta trazendo em sua bagagem pessoal, componentes da ‘história antiga’ da doença por experiências vividas na própria família e/ou em função das representações sobre a ‘lepra’ cultivadas pelo estereótipo da doença em fases avançadas e sem tratamento.



Tal situação acaba por dificultar que o mesmo realize o tratamento de forma adequada, assim como, que os contatos compareçam para exames regulares, conforme normatização técnica da Secretaria do Estado.



Tais variáveis podem contribuir e muito para desajustes familiares, sociais e emocionais.



As freqüentes ‘complicações’ derivadas da doença (intercorrências) podem também desencadear em desesperança, somando-se ainda a tudo isso, a característica de "excluído", como tantos outros, portadores de outras doenças.



Como mais um agravante, torna-se cada vez mais evidente que a hanseníase afeta em sua grande maioria, pessoas que pertencem a uma camada social e econômica pouco privilegiada.



Sendo evidentemente, uma doença que apresenta tantas interfaces, não excluindo, evidentemente, a situação social e econômica em que se encontra a grande maioria dos usuários do SUS, lidar com ela exige um olhar e escuta apurados direcionados à atenção integral, ou melhor, ações diversificadas e integradas, como estratégia para oportunizar ao usuário, a aceitação do diagnóstico, envolvimento e compromisso quanto ao tratamento e credibilidade na cura.



Vale ressaltar que a retaguarda de uma boa equipe de saúde, possibilita que um doente de hanseníase ‘entre’ e ‘saia’ do programa com o tratamento, acompanhamento dos comunicantes, e alta por cura, concretizados de uma forma sadia, sem a perda da auto-estima, trabalho, vínculos afetivos, etc.



Daí a valorização da sensibilização e capacitação técnica dos profissionais de saúde, no sentido de que a hanseníase possa ser detectada precocemente, que seus contatos sejam examinados e que as ‘histórias antigas’ passem a ter apenas um significado histórico no contexto da doença e não mais de influência negativa no momento do diagnóstico e no contexto social, justamente o que por vezes, faz o paciente perder sua própria referência.



Este é o caminho que o Programa de Controle da Hanseníase do Estado de São Paulo tem seguido desde o início de suas atividades: sensibilizar, para acabar com o preconceito e a discriminação; capacitar, para facilitar o diagnóstico precoce e prevenção de incapacidades e finalmente, atingir a eliminação proposta pela OMS, ou seja, a existência de menos de um caso para cada 10 000 habitantes.



De certa forma, podemos dizer que já vislumbramos este novo tempo acontecer, uma vez constatado que um significativo número de usuários do programa de hanseníase já não altera o seu modo de viver e conviver após diagnóstico, tratamento e alta por cura.



Contudo, apesar do atendimento à hanseníase estar hoje na atenção básica de assistência à saúde e contar com alguns serviços de referência local e regional para diagnóstico, tratamento, prevenção de incapacidades e treinamentos, alguns desses usuários, após uso da Poliquimioterapia – esquema atual para o controle da doença - têm alta por cura mas podem permanecer na unidade de saúde por tempo prolongado em decorrência das reações e incapacidades físicas instaladas.



Concluindo: três pontos permanecem com fundamental importância para o controle da hanseníase em paralelo à campanha para atingir a eliminação (1 caso para cada 10:000 habitantes), além, é óbvio, da incansável tarefa da desestigmatização: o diagnóstico precoce, o controle dos contatos e a parcela da população em questão, a qual permanece na unidade de saúde, após alta por cura, em função da necessidade de atenção especial.









Heleida Nobrega Metello

reeditado, setembro de 2007







OBS: esse texto foi referência para a "Trajetória Social da Hanseníase" editada pela VIGILÂNCIA EM SAÚDE - Prefeitura Municipal de Saúde de São Paulo



Fonte do artigo da Vigilância da Prefeitura Municipal de São Paulo:



http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/saude/vigilancia_saude/doenca_agravo/0025
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