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Contos-->Que a injustiça seja feita... -- 05/06/2000 - 15:46 (Eduardo Henrique Américo dos Reis) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente...”
Álvares de Azevedo – Lembrança de Morrer

Após terminar o serviço no jardim de uma vizinha, tocou a campainha e avisou a doméstica que já estava indo embora. Abriu o portão, secando o suor que lhe escorria pela fronte. Acenou para a pobre empregada com um leve sorriso no rosto e partiu em direção ao outro lado da rua, onde morava.
Era um senhor, de mais ou menos uns 65 anos, gordo, sempre sorridente. Possuía descendência direta de italianos. Morador daquele bairro desde a infância, havia acompanhado o crescimento de todos os moradores, inclusive dos mais velhos, em sua maioria já falecidos. Apesar do simples trabalho de jardineiro, qual considerava um hobbie, se formou em três faculdades: letras, sociologia e ciências econômicas. Mas nunca desejou exercê-las.
Um homem adorado pela vizinhança, brincava com as crianças, dava conselhos aos jovens e fazia pequenos serviços aos mais velhos. Estava sempre com a casa cheia. Era vivo como gente pequena, disposto como um adolescente conhecendo a vida e forte como um pai de família tem que ser. Nunca se ouviu falar de seus casos amorosos. Todas as portas das cercanias estavam o dia todo abertas ao bom senhor.
Havia um menino de uns 12 anos, talvez o melhor amigo do ativo velhinho, daqueles avoados, que nos dão a impressão de ser grandes bobalhões. Sempre vestido com um tênis de jogar bola, uma camiseta suja e o boné torto na cabeça. Era apaixonado pelas histórias contadas pelo velho. Vivia no mundo das nuvens, um nefelibata. Os seus amigos falavam que jamais dizia coisa com coisa, mas morriam de ciúme quando as garotinhas da vila iam até o campo de futebol improvisado num terreno baldio, só para rir das trapalhadas dele.
Num dia quente e nublado, comum em cidades grandes, o senhor sorridente acompanhado do menino, encontrou um velho amigo de infância que acabara de retornar ao bairro depois de muitos anos morando na Europa. O velho amigo convidou-os para tomarem um chá da tarde em sua casa, onde lembraram das molecagens que fizeram juntos, riram e choraram de várias saudades.
Quando entraram em um assunto atual, alguma coisa ligada com os altos índices de violência, suas opiniões começaram a divergir. E o velho amigo ficou muito irritado. “Mas é claro que todos estes nordestinos tem que sair da nossa região! São eles os causadores de tanta tristeza!” dizia o amigo de forma nem um pouco sutil, assustando o garoto, que se mantinha sentado em uma cadeira de palha toda desfiada, com as mãos entre as pernas.
“Me desculpe, velho amigo! Mas não são estas baboseiras que vão me fazer brigar com você. Com licença, pois eu tenho que levar o garoto embora.” Respondeu o bondoso velhinho, já levantado com a mão direita sobre o ombro do amigo.
Algumas semanas depois, enquanto pintava o portão de uma velhinha, conhecida como a melhor cozinheira do bairro, foi interrompido por dois homens, os quais afirmavam que ele andava contando histórias para as crianças causando uma repentina mudança no comportamento delas. “Meus filhos andam faltando da escola para ir até a sua casa! O você anda fazendo com eles?”, “Por acaso, o senhor é traficante? Abusa de menores?”. Um deles estava muito nervoso. Chegou a rasgar a camisa do velho, que deixou o serviço, sem dizer nada e se dirigiu à sua casa.
Poucos minutos depois, bateram em sua porta. Ele apenas gritou, com uma voz não muito contente “Esta aberta!”. Era o garoto. Entrou em silêncio e ficou a observar o homem escrevendo algo sobre a mesa de jantar. “Ah! É você...”. O menino não disse nada e por cima do ombro do amigo tentou ler o que escrevia. “Venha, sente aqui!” pediu, puxando uma cadeira para perto da sua. O menino se sentou e afirmou que havia presenciado a injustiça feita por aqueles homens.
Os dois ficaram em silêncio por muito tempo. O menino não desviou o olhar da face rosada do bom velho até se levantar para ir embora. Não fez barulho algum, chegou bem próximo ao amigo, lhe deu um forte abraço e em seguida partiu. Ao sair da casa encontrou o recém chegado da Europa conversando com os dois agressores. Fez cara feia e deu as costas para os três...
As horas e os dias foram se passando e ninguém mais via o sorriso do velho jardineiro andando pelas ruas do bairro, cumprimentando à todos. As más línguas diziam que ele não era tão bom quanto parecia e não saia de casa com medo dos pais das crianças. Mas a única pessoa que realmente sabia da vida do velhinho era o menino. E ele insistia em não comentar nada com ninguém. Talvez ele fosse o único que não tinha mudado o seu modo de agir, talvez por ser bobo, ou por não dar atenção às palavras daquele homem.
Numa manhã de Segunda-feira, antes de ir para a escola, o menino, habituado à tomar café junto com o amigo, comprou os pães e seguiu para a casa do velhinho. Entrou. Arrumou a mesa. E dirigiu-se até o quarto, onde avistou o jardineiro deitado na cama, sobre uma imensa poça de sangue, com os olhos abertos e uma carta totalmente ilegível, manchada pelo coagulo, na mão.
O menino ficou paralisado por alguns segundos. Em seguida, sem fazer um mísero barulho, tirou o boné, o maltratado tênis de futebol e deitou-se sobre a barriga do amigo, onde adormeceu.
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