As sombras ainda circulam pelas paredes do quarto, projetam seus espectros por entre os vãos de nossas lembranças. O sopro frio que atravessa a janela, traz os ruídos do mundo de fora. O cicio dos grilos, os passos distantes, ora incertos ora apressados (mas nem por isso menos incertos) reforçam a quebra que o silêncio tenta impingir ao palco armado.
A noite ainda veste de negro o dia que se prenuncia.Pela fresta da porta, uma réstia de luz reflete o desequilíbrio das chamas nas achas de lenha que esquentam a chapa do fogão de pedra. O ar pesado com seu sono mal dormido, pegajoso na sua excessiva umidade mostra-se denso dificultando a passagem do tempo.
Os fantasmas rodam pela casa vazia. Vão entrando e saindo dos seus cômodos. Estes fantasmas que não largam dos seus donos, estes donos que não param de alimentar seus fantasmas. Ficam deixando estes ficarem entrando e saindo das suas vidas, entrando e saindo...
O corpo escorrega da cama vindo ficar à beira da janela. Céu de noite clara, de lua, de estrelas. Promessa de dia claro. Promessa de sol, promessas...
- Entro no banheiro. Abro o registro de água. Sinto frio.
O rádio-relógio desperta o dia. A canção que toca fala de amor. Pede para que não vá embora, que espere anoitecer, que espere amanhecer, que espere adormecer.
Volto ao quarto. Sento à cama, ouço o rádio. A manhã começa a clarear. Os sons vão se multiplicando marcando o compasso deste instante da vida. As vozes começam a acordar: restos de conversas, risos, gritos do menino do jornal.
Arrumo as roupas de cama, escolho um traje para sair. Recolho óculos, carteira. Fecho a pasta, bato a porta e saio pra vida.
Os fantasmas ficam lá. Esperando seus donos retornarem...