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Contos-->Diário de Uma Mulher -- 08/06/2002 - 02:06 (Monique Mélega) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Querido diário:

Resolvi voltar a escrever. Jamais pensei que faria isso após tantos anos, mas, assim que o encontrei, velho e esquecido entre meus pertences, tomei essa decisão.
A última vez que falei contigo era uma adolescente de dezesseis anos, que adorava ler de tudo, de romances a fotonovelas, que achava o Élvis o máximo e sonhava obter sucesso como escritora. Uma menina impaciente com o tempo, que então julgava demasiado devagar.
Foi então que me apaixonei por Carlos. Talvez tudo continuasse como antes se eu não tivesse ido àquele bailinho de Carnaval. Mas, assim que meus olhos cruzaram com os lindos olhos azuis daquele pirata, pareceu-me que todas as pessoas do salão haviam desaparecido, e somente eu e ele ainda estávamos ali, olhando-nos. Eu sequer consegui falar, na verdade foi ele que me perguntou se eu estava gostando da festa, e eu, sentindo minhas faces arderem em fogo, respondi que sim. Entretanto, precisei ir embora cedo, pois meus pais não permitiriam que eu, uma moça de família, permanecesse em um baile até tarde, mesmo estando com minhas amigas. E fui, com dor no coração, pois havia começado a conversar com Carlos, e já sabia seu nome, se estudava ou trabalhava (era estudante de Medicina) etc.
Acabei casando com um outro rapaz, João, um militar do Exército, que, no início de nosso casamento, era muito gentil, além de ser sério e trabalhador. Foi com ele que estive em todas as transferências de quartel e, dessa maneira, viajei muito de cidade em cidade. Foi por ele que deixei a casa sempre limpa e brilhando e com os talheres guardados na posição que ele queria. Foi por ele que preparei o arroz com feijão e omelete que ele tanto apreciava, e deixei de comer peixe porque ele não gostava. Foi com ele que tive meus três filhos, e esforcei-me para fazer com que fossem os melhores alunos e ingressassem na carreira militar, como ele queria.
Enfim, meu diário, durante todos estes anos, eu fiz tudo para fazer meu marido e meus filhos (que, ainda bem, estão todos casados) felizes. Mas eu nunca me preocupei comigo mesma, com as coisas de que eu gostava: por exemplo, parei quase completamente de ler, logo eu que era assídua freqüentadora das bibliotecas do colégio. Minha vida se resumia a agradar meu marido e meus filhos.
Foi então que meu marido teve um infarto. Talvez se ele tivesse me ouvido e parado de comer ovo cru com vinho ainda estivesse aqui. Mas agora não adianta mais: já fazem alguns anos que sua alma foi entregue a Deus, e foi para trazer flores no seu túmulo que eu estava no cemitério, nessa tarde.
E, então, o que eu imaginava ser impossível aconteceu: reencontrei Carlos no cemitério. Sim, era ele, mais velho, um pouco mais gordo... mas com aqueles mesmos olhos azuis que, quarenta anos atrás, tanto me fascinaram. E ele me reconheceu! Conversamos muito, e, o que é melhor, ele prestou atenção no que eu dizia: eu falei sobre minha vida, sem essa tendência que tenho em utilizar-me de eufemismos. E ele também falou sobre sua vida: contou-me que havia-se tornado um respeitado médico, que havia-se casado, tido duas filhas e divorciado-se após vinte anos de casado, que estava ali visitando o túmulo de sua mãe, falecida já há alguns anos...
Após conversarmos durante muitas horas no cemitério (sim, eu sei que esse não é um lugar adequado para conversar, mas não podia deixar de falar com Carlos), e de trocarmos telefones, eu olhei para o meu relógio e lembrei que precisava ir antes que anoitecesse, pois tinha de esquentar meu jantar. Ele ofeeceu-se para me levar de carona até minha casa e eu aceitei. Ao chegar perto de minha casa, fui despedir-me de Carlos e ele, em uma ousadia surpreeendente para um senhor de sessenta e dois anos, disse-me que, se tivesse se casado comigo, teria sido mais feliz. E beijou-me na boca! O beijo que não recebi em minha adolescência recebi nessa tarde, logo eu que achava que, após meu marido, ninguém mais me beijaria.
Depois, em minha casa, ao olhar meus álbuns de fotografia, que Deus me perdoe, mas confesso que fiquei pensando comigo no que aconteceria se eu tivesse me casado com Carlos. Será que teria sido mais feliz? Não que minha vida tenha sido uma tragédia, mas creio que muitos sonhos eu deixei para trás em nome de minha família. Sonhos como o de me casar com Carlos, o de ser escritora e tantos outros.
Foi por isso, meu caro diário, que eu resolvi escrever novamente, mas com alguém que não possa me recriminar, como tu. E, dessa maneira, posso ser eu mesma.
Bem, amanhã quero sair e comprar em uma livraria todos os livros que puder, e depois vou jantar fora com Carlos, conforme o combinado. Mas agora lembrei-me de que preciso esquentar meu jantar; logo, paro por aqui.

Tchau, diário!
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