A Congregação
Entra no templo, lotado, como esperava. Apertados, os viajantes encostam-se uns nos outros, como livros numa estante abarrotada e bamboleante, dirigida por condutor irritado.
As pessoas aglomeram-se perto da porta, com medo quase histérico de perder o ponto. E então, aproveitando a esfregação começa sua caça pelo corredor, cautelosamente vai buscando, provocando, até sentir na sua sensível parte traseira o leve toque rijo roçando-o a cada freada ou súbitos desvios. Os esbarrões consentidos e assumidos, é a senha que revela o fiel, e imediatamente esquenta a temperatura do rosto e de seu corpo. Nunca pensou em olhar para trás. Não se importa quem seja. Basta-lhe saber tratar-se de um membro, um fiel desconhecido, que, ligados pela mesma fé, se excita numa combinação secreta no jogo erótico de sua seita proibida.
Faz travessuras com a retaguarda para provocar mais. Diverte-se adivinhando a expressão no rosto do prosélito com a excitação crescente. O desafio é conseguir lhe provocar o êxtase que o enlevo entre as pernas do devoto ameaça. Nem sempre consegue essa graça, ou por muitos saberem dissimular, escondendo o momento supremo num resmungo rezador, ou a assembléia e suas circunstâncias mudam, e, assim, trunca-se o cenáculo ideal; seja qual for o desfecho, seu excitamento gozoso aumenta, apenas com a expectativa. No consentimento mútuo e confidencial, mais audaz se torna a vibração do órgão na desculpa de cada salmo nas paradas ou nas aceleradas nervosas. A respiração ofegante do congregado na sua nuca é uma das pistas indicativas de seu intento concedido. Provavelmente no trajeto até o próximo ponto conseguirá, contando com ajuda extra de abençoadas e bruscas freadas. Sabe disso muito bem, se não for nesse ponto, será no outro. Ou na próxima assembléia. Amanhã, então. Outro será o irmão e outro o templo. Não tem pressa nem medo de passar do ponto como os outros congregados. É o que o senhor Munhoz faz, com destreza lúdica, nos dia quando, ao sair de casa, diz, com fervor religioso, ir à congregação.
Miguel Angel Fernandez©
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