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Contos-->O Monolito -- 10/06/2002 - 15:26 (charles odevan xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O MONÓLITO
Charles Odevan Xavier

Um indivíduo estava parado no meio do pátio da grande praça que separa a parte rica e civilizada da cidade, da parte pobre e bárbara da periferia.
Todos passavam como de costume: apressados, olhando para o relógio; correndo-fugindo do grande inimigo: o tempo. Nem percebiam a presença de tal indivíduo, pois todos também eram indivíduos. Portanto, não havia nada de diferente nele .
O dia chegava ao fim e com ele o barulho dos carros e pedestres. Reinava o silêncio embebido numa fina garoa poluída de gases venenosos. Só os ratos corriam ,de vez em quando.
Amanheceu. Os habitantes corriam de lá pra cá, como sempre apressados e com medo do tempo. Os mesmos pedestres de ontem, anteontem, ano passado. Os mesmos passando pela mesma praça de sempre: suja, enevoada, coberta pela espessa camada de fumaça dos carburadores e chaminés.
O indivíduo permanecia lá, estático e olhando pra cima. Como os pedestres e passantes eram os mesmos de sempre, repararam no tal homem algo de familiar, como se o conhecessem. Mas de onde? Dali mesmo. Pois era o homem do dia anterior, o mesmo, sem dúvida. Alguns passantes suspeitaram que se tratasse de uma promessa, penitência ( um hábito muito comum naquele país em crise), por isso seguiam em frente sem dar maior importância. Outros especularam sobre a possibilidade daquilo ser algum tipo de gozação, teatro, sei lá...poderia ser até mesmo algum quadro de programa do tipo “Tudo por Dinheiro”. Diante dessa possibilidade, alguns, mais folgados, vasculharam em volta para ver se encontravam alguma câmera escondida filmando a besteirada toda. Procuraram em volta e nada encontraram. Frustrados nessa tentativa, concluíram que não podia ser nada relacionado à TV; assim como, não podia ser espetáculo de rua, pois ninguém passava com chapeuzinho pedindo trocados. A coisa já havia gerado inúmeras hipóteses. Desde um novo tipo de golpe para assaltar multidões, até alguma forma de terrorismo psicológico de esquerda disfarçado, com o intuito de amotinar as massas contra a ordem vigente.
Teorias iam, teorias vinham. O fato é que o homem permanecia lá, estático e olhando para cima, no mesmo local há horas. A expectativa ia crescendo, conforme o número de pessoas aumentava. A passividade da multidão que se formara ante aquele grotesco “espetáculo” iria continuar até o dia seguinte, se um distinto cidadão não tivesse aparecido e abordasse o estranho homem.
- Amigo, o que ‘cê tá fazendo aí ? O que tanto olha?. O indivíduo parecia ou fingia não ouvir.
Foi juntando mais gente. Todos passaram a perguntar o quê ele olhava e ele sem responder o tempo todo. Firme na sua missão - fosse o que fosse a missão. Uns, cansados de olhar para cima, esforçando-se para conseguir ver o que ele via e sem conseguir; outros, cansados de perguntar e sequer serem ouvidos, iam embora praguejando contra o estranho e abnegado indivíduo que permanecia há horas parado e olhando para cima. Chamando-o de idiota, vagabundo, imbecil e todas essas coisas que dizemos aos abestados. A multidão se retirava decepcionada. E o nosso herói permanecia de pé, olhos abertos e lacrimejantes pra cima.
Dias se passaram. Choveu, geou, nevou, estiou, de forma exagerada como andava acontecendo por causa do efeito estufa. De vez em quando, o sol perfurava as nuvens de fuligem com raios tímidos. E o nosso herói lá, parado e olhando pra cima, sem se importar com a desolada paisagem urbana ao seu redor. Não que fosse feio - possuía uma beleza cadavérica, até. Rugas profundas, barba por fazer, cabelos desgrenhados. Piolhos caíam-lhe aos montes, dando-lhe um imponente ar de maturidade e doença. Mas, à proporção que permanecia lá, naquele pátio, sem comer, beber, tomar banho, trocar roupa, levando chuva, sol, ficava mais solene. O branco de sua camisa longa de linho fora substituído por um cinza encardido, decorado por manchas pardas provenientes de excrementos dos pássaros. Estes o transformaram numa espécie de poleiro.
Já não suportava mais o peso do próprio queixo, vivendo com a boca eternamente aberta. Daí, talvez, a explicação da presença constante de moscas, mosquitos, em torno dela. Sem querer, os engolia, quando as correntes de ar os empurrava goela abaixo. De certo modo, passou a ser sua única alimentação.
Os habitantes não demoraram muito para se acostumar com tão agradável visão. Aliás, como sempre ocorre. O certo é que sua presença passou a ser encarada como mais uma atração turística da cidade.
- Venham ver o homem-estátua, parado misteriosamente há dias, sem comer, dormir, beber, cagar, mijar. Isto é incrível!!!
O tal homem chamou atenção até das revistas internacionais, que vieram fotografá-lo. Aproveitando-se do repentino e estrondoso interesse das pessoas pelo tal homem, resolveram cercá-lo com uma espécie de tenda sem teto. Algo que deixasse o homem continuar sua missão: olhando não se sabe para onde ou o quê, mas quem o quisesse ver, fotografar ou filmar, teria que pagar para entrar. A entrada cobrada em dólar e nada de flash ou refletores ( para não machucar sua vista).
O nosso herói enricou muita gente. Dele fizeram tema de filmes, reportagens, teses universitárias, músicas, teatro e até brinquedos infantis e pedagógicos. Motivação para fã-clubes e falou-se em seguidores do que parecia ser uma seita influenciada pelas idéias do nosso herói (que, ao que se sabe, nunca falou nada a respeito ou sequer foi consultado). Gerou empregos diretos e indiretos.
Súbito, explodiu a terceira guerra mundial, motivada pela Copa do Mundo, na qual E.U.A. e Japão empataram nas vendas de produtos esportivos. Iniciando um conflito mundial que dividiu o mundo em pró-yanques e pró-nipônicos. O planeta passou a conviver com a ridícula dicotomia de ter que se decidir entre Broadway e Kabuki, hambúrguer ou sushi, dançar break ou praticar sumô. Nesse ínterim, a mídia esqueceu por completo nosso herói, priorizando as seqüelas do terrível conflito. E esqueceu mesmo (como ela tão bem o faz), tanto que ninguém viu quando um míssil japonês (ou americano, que importa?) caiu sobre o nosso herói.
O estranho homem conseguira, então, realizar seu sonho: desaparecer.

















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