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Poesias-->Tanta inspiração - Coletânea -- 09/08/2002 - 14:37 (Régis Antônio Coimbra) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O olho e a sonda

30 de outubro de 2001



Se a visão é o tato à distância

com seu olho cego

minha amada sente meu amor

ou algo assim

nas lonjuras de suas entranhas



-----

Urgência

31 de outubro de 2001



A consciência do fim

próximo ou distante

traz a urgência



É a urgência que nos traz à vida

tanto ou mais que o nascimento

necessário mas insuficiente



Pois tranqüilos ou distraídos

vivemos tanto quanto uma pedra

a dormir ou rolar



-----

Sarna e família, quem não tem, inventa.

31 de outubro de 2001



Em família discutem-se as dores e prazeres mais íntimos

lava-se a roupa suja com a sujeira mais íntima

inclusive a que se suja na maior e melhor intimidade

dos prazeres de cama ou mesa

ou brigas de bugios...



Há quem prefira o restaurante chique

o motel mais reservado e impessoal

a vara de família...



Tudo tem vantagens e desvantagens



No dia da audiência ou da ceia de natal

os bugios podem brigar mais ou menos

mas as vitórias de Pirro são mais típicas dos tribunais

onde se vencem batalhas de guerras perdidas

tão perdidas que só se encontram

se tanto, para se dividirem



Partir é preciso

e antes a esmo que tarde demais

Alguma ruptura é inevitável

mas não há porque dinamitar as pontes



Nos mares nunca antes navegados

lembro de meus pais, avós

todos os ancestrais de que tenho notícia

e não esqueço que sem os que esqueci

não nasceriam ou cresceriam os que lembro

e eu não desbravaria minhas dissidências



Não sei se é amor

se é o tempero do molho da massa

se é a disposição a acolhida

ainda que sob diversos "eu não disse?"

ditos, silenciados ou por mim antecipados...



Na família descanso do mundo afora

no mundo afora, descanso da família

Sarna e família, quem não tem, inventa.



-----

Já que não é agora o fim

31 de outubro de 2001



Pensei que era o fim

e acelerei o passo

botei em dia minha agenda

falei o que estava trancado

disse os atrasados eu te amo

muito obrigado

e dane-se



Atualizei os beijos

os orgasmos e até os fiascos

arrisquei hoje o que podia adiar amanhã

etc



O fim não veio

mas não continuei:

para alguns melhorei

para outros piorei

para mim, voltei a viver

no que isso tem de bom

ou nem tanto



O fim virá um dia

Nunca estarei pronto

mas estarei, talvez, melhor

ou menos mal

ou pelo menos terei vivido o que pude



Talvez eu perca muito, de repente

talvez eu vá me perdendo lentamente

até o fim



Talvez seja difícil precisar quando terei findado



Seja como for, e para quem for

no fim, não lamentarei

pois não restarei para lamentar



Os sinos dobrarão por ti

que ainda restares

para ler meu epitáfio



Para epitáfio

dizem que Mário Quintana gostava de um em particular:

"eu não estou aqui".



-----

Com a finitude na cabeça

31 de outubro de 2001



Ai de mim se

quando velho

viver de dizer

"ai de mim que..."



Mesmo assim

é melhor experimentar...



Filhos, fama, rugas...

melhor não tê-los

Mas se não os temos...



Penso, com sabedoria

que seria mais sábio

e com pessimismo

que serei mais fraco

mais encurvado

menos potente...



Serei mais sábio, talvez...

principalmente por não morrer mais na véspera

como agora...

Ou pelo menos não tão absurdamente

afinal...

estarei mais perto do final



Que venha o final!

Irei até lá

mas lá não chegarei

pois chegando

não mais serei



-----

2001,2 - A odisséia continua...

31 de outubro de 2001



Os sensatos franceses aplaudem FHC

E eu respeito...

Embora entre os tais franceses e FHC eu prefira o brasileiro

com ou sem aplausos



Quando o subsidiado francês vem queimar nossas plantações

deslumbrados esquerdistas brasileiros aplaudem...

E o molusco barbudo vai à França aplaudir os subsídios aos agricultores

franceses...

que competem com os brasileiros...



Numa universidade carioca ou algo assim

alunos inconscientes atacam o direito de ir e vir

e reclamam que lhes moderadamente baixem o cacete

embora merecessem a fuzilaria...



Mas... vá lá... estão mal acostumados como alguns deputados

altas convicções são pretexto para os mais variados desmandos

o cacete e escândalo são bem mais didáticos que a cova



Enquanto isso, os barnabés são eternos...

e o supremo tribunal manda pagar

mesmo se não trabalham de jeito nenhum...



Tudo bem...

Ministros do supremo são barnabés de carreira...

Os eleitos são passageiros



-----

Sarna astral

2 de novembro de 2001



Porque tenho sorte

e acho as sarnas que procuro

culpo os astros

os colchões

e, se bobear

a bunda alheia

os fabricantes de bebidas

de cigarro

de carros velozes

de armas

de candidatos políticos

de campanhas sociais

de urgências paradoxais e complementares

com baleias ou crianças pobres

obesos e bulímicos

maníacos e abúlicos

Sarna, como AIDS

é difícil de pegar

mas a gente se esforça...

pega crianças pequenas no colo

crescidas ou adultas na cama...

Epidemiologicamente

os astros parecem ter pouca influência

Exceto o Sol

(cânceres e outras alterações cutâneas)

e a lua

(gravidezes indesejadas e outras complicações venéreas)

Fora com o FHC, com o FMI e, nessa linha

fora com os astros do zodíaco

Esses longínquos culpados de sempre

sempre tão convenientemente à mão



-----

Solidão terminal

6 de novembro de 2001



No momento decisivo de minha doce perdição

tentei pensar em alguém especial

que eu bem amei

inutilmente

Infelizmente

há tempo demais

minha solidão me acompanha mais

que qualquer companhia íntima ou carnal

Houve há muito tempo uma pessoa querida

que ainda há e vai muito bem

vivendo também

distante

Discreto

quase eterno

existo sem insistir no passado

onde deixei meus sonhos, ilusões e forças

Vi, fiz e vivi mais do que consigo conceber

só não venci o tédio e o tempo

que já investiguei

exaustivo

Altivo

sem objetivo

finjo-me satisfeito: "não, obrigado..."

enquanto espero algo ou, finalmente, nada

Queria amar perdidamente alguma coisa

alguma criatura terna ou admirável

algum projeto nobre ou difícil

qualquer coisa

mesmo vil

passional

racional

mesmo eu

entretanto encaro frio

como criatura patética e fútil

que por mais única e admirável

já cansei de conhecer, portar ou representar



-----

A condição finita

9 de novembro de 2001



O infinito atual é como um círculo quadrado

possível apenas nunca e em nenhum lugar

que alguns confundem com sempre e todo



A série infinita de números pares

não é metade da infinita série de números pares e ímpares

embora um segmento possa ser maior



consideramos segmentos tão grandes quanto queremos

e faz sentido considerar infinitudes potenciais

justo nesses termos: tão grandes quanto queiramos



Nossa vida é limitada e finita.

Isso não é um demérito

é uma condição



Deus é limitado

mas só por si mesmo

por isso brincamos: é infinito



Mas Deus é mais limitado que eu:

para ser tanto e sempre, nem existe

ou existe necessariamente... mas não de fato



Eu vou existindo como posso... por enquanto

às vezes é bom, às vezes agüento



A miséria humana inventou "Deus" e

graças a "Deus"

entendo um pouco melhor o que sou



Minha graça é minha miséria

ou vice-versa



-----

Sacanagem

10 de novembro de 2001



Na carne mais viva

de tua ácida ferida

provo tua doçura



Depois

com todos os lábios

me beijas sêxtupla

na boca e no sexo



Até suarmos e

a doçura dar lugar ao frenesi

quando, mais que o amor, soamos

a quase dor do prazer demais



Teu sexo com meu amor e vice-versa

faz da gosma, atrito, calor e mais gosma

fonte ou celebração da vida

passada, presente e futura



Vida que ora nos precipita no sono dos justos

ora na preguiça terna dos felizes

cuja saturação leva a novos atritos

e novos, recíprocos ou complementares ciclos



A grande arte da pequena morte

está na surpresa dos mesmos atos

que no confortável cotidiano

balança nossas estruturas



Até que a morte

mais que nos separando

ao nos anular

iguale



Viva a diferença!



-----

Irresignação

13 de novembro de 2001



Enquanto chovemos no molhado

fruo a agradável tensão

o doce desconforto

a ânsia mais ansiada



Até cansar e gozar

o prazer de descansar

no sono dos justos

dos fodidos



Não sei o que maquinas

enquanto dou ou não bola

para o que possas estar

maquinando



Eu não sei o que pensas

eu não sei o que sentes

e cansei, por hora

de imaginar



Bem sei que descansarei

que cansarei de descansar

até voltar a coçar-me

para procurar sarna



Que acharei

quer ache ou não

possa ou não pagar

ou suportar



Como procurarei

queira ou não

enquanto estiver vivo

ou não de todo morto



-----

Experiência

14 de novembro de 2001



Durante a seca

muitos esperavam a chuva



Eu esperava a chuva

e a estiagem

pois já vivera enchentes



-----

Prefiro as morenas pois...

14 de novembro de 2001



Como no tango

no amor e na vida

é preciso reagir

é preciso surpreender

mas não demais



É preciso ser imprevisível

sem trombar ou derrubar

é preciso quebrar o ritmo

ainda dentro do ritmo



É preciso ser previsível

como inevitável é ser um tanto imprevisível

e outro tanto até manjado



Ao provar da vida

numa maçã

num beijo

numa briga

quero a delícia



E a delícia não está no agradável

está no interessante

do encanto ou do horror

enfim

de estar vivo



Assim

as boazinhas e as malvadas me aborrecem

e prefiro as morenas de coração



-----

Choro seco

14 de novembro de 2001



Na aridez que se instalou

lamento as lágrimas que enxuguei



Antes só que mal acompanhado?

acho que sim

mas isso não consola meu desespero



prossigo a sonhar

com mais remota chance

que não sei se espero ou

desespero



A rima é fácil

a vida é pobre



O poema é forte

a vida é frágil



A arte é longa

a espera é longa

o sofrimento é longo

o desespero é tão longo

que dá e passa e dá e passa



E a mulher que dá e passa

fica em minha memória

tão melhorada que

reencontrada

tento fugir



Por mais que o tédio faça

com que eu anseie até por martírios

sei que não suportarei os martírios

que já suportei



Não houve conquistas sem arranhões

não tive vitórias sem romper limites

Mas tantas vitórias me deixaram em frangalhos



Mas, enfim... me deixaram

Obrigado!



-----

Tantas queixas

14 de novembro de 2001



pois é...

e eu me queixando

da dor que deveras finjo



...tão entregue e complacente

que já nem sei se de fato sinto ou

impinjo-me



E como já não sei mais

sinto muito

que sinto



-----

Passos arriscados

14 de novembro de 2001



A cada passo

um espinho

a cada espinho

uma ferida...



e assim vou me dar mal



a cada ferida

duas gotas derramadas

uma de sangue

outra de lágrima



e assim vou me dar mal



Mas no fim tanto sangrei

e tanto chorei que te fecundei

tanto que, bem ou mal

o importante foi que dei



e assim já terminei, meu bem



-----

Teu presente

14 de novembro de 2001



A cada dor eu fruo

o gozo de alimentar o mundo

ou salgar o pão

com o suor de cada "ai!"



Por isso escrevo

como quem distribui comida

sem dizer não



Há quem chore calado

em calabouços

ou em apática depressão



Minha auto piedade

me faz generoso

profético

passional profissional



E, é claro

quando após ou não espinhos

as flores se abrem para mim

fruo de novo

não sei se mais

ou se demais

gozando no presente

o arco que junta o passado e o presente



Mas o grande presente

ganho quando te fazes presente

e me distrais de mim



-----

Pechincha

14 de novembro de 2001



melhor que dar ou receber

é poder trocar



E, note! eu ainda reclamo!

com que moral?



Isso não é troca

é negociação

é pechincha...



-----

Onde estás

14 de novembro de 2001



Onde estou

sempre estás

senão na cama

ou na lembrança

(pois não te conheço

nunca te conheci)

em minha fantasia



Nos meus sonhos

nunca te reconheço

pois presente

eu te estranho toda

sempre tão outra

tão nova

tão a mesma esfinge

que não decifro

e me devoras



És a fera com que peno

a sina das frestas

por onde escôo

não sei se amor

se sangue

se dor ou ânsia



Mas não tenhas penas

senão para voar comigo



E tanto melhor se demais

perto do sol e do calor

que nos derrete em suor

até a doce agonia

da horizontal vertigem



Até cair

ganir e

de minha parte

depois dormir



E sonhar contigo

sem te reconhecer

novidade incurável



-----

Ah! há paixões...

20 de novembro de 2001



Com sua serva, a razão

as paixões decidem

e eu depois explico

inclusive para mim



Por que fiz isso?

Por que não fiz?

Por que ainda quero e temo

tanto e teimosamente

ainda te dizer que...

bem, tu sabes...



Eu te quero

apaixonado

e quero dizer que te quero

apaixonado

e apaixonadamente dizer

que te amo



Mas não digo

bem como já disse



Ah! "no vinho, a verdade..."

ou pelo menos assim a verdade escapa:

eu te quero

nem sei por ou pra quê...



Quero dizer que te amo

por que quero e pronto

por que é gostoso, é bonito

dá-me uma vontade gostosa de chorar



Não, não quero paz

não quero calma

exceto a necessária para poder enfrentar

a doce busca de guerras e sarnas para esfolar



Quero que sejas maravilhosa

sendo precisamente caprichosa

como todo mundo é de perto

como eu mesmo me torturo todo dia



Quero o mais árduo ócio

de viver intensamente

sem pressa nem pachorra

sem ordem nem desordem



Quero, enfim,

a dinâmica de estar vivo

sem buscar a paz

que me alcançara de qualquer jeito

nem o frenesi que todo excesso de paz sempre traz...

exceto quando tarde demais

quando, também, já nem importa mais



Ainda e agora importa

eu me importo

eu anseio

eu transpiro

tentando por toda parte

sentir teu cheiro



Deliro a mais bela trama de amor

e alucino o mais sensual encontro

ouvindo tua voz ao ler tuas palavras

digitadas a quilômetros de proximidade



Ah! como é saudável o patológico!

como é doentia essa saúde toda!



Sereno, preferiria não ter nascido

não legar a ninguém minha miséria

não atormentar mais ninguém com minha companhia

e não me atormentar com as idiossincrasias alheias



Mas quem, vivo, pode ser sereno?

Não há calma, não há paz

quando muito, desespero exausto

ou pânico paralisante

Eu prefiro atacar

ou fugir de fininho...

ou bem rápido



Ou, enfim,

negociar, enrolar

ir tocando com a barriga

e mais embaixo...

batendo boca

e beijando



Que tragam os instrumentos

os temperos e debatedores

que eu vim para incomodar



Os satisfeitos que se retirem



E eu, ainda quero dizer que te amo

e assim não dá mais

pois a verdade é que te quero



Vais ter que me dar mais

e se não quiseres

vai dar bode

vou ficar mais apaixonado ainda...



Quero pretextos

quero textos

quero contextos

para aplacar minha ira

meu tesão

minha ternura

minha calma

minha impaciência



Se me queres eu me desgasto

se me rejeitas eu me consumo

e der tudo certo eu me aborreço

ou amplio os problemas

para ter algo para fazer



Não nasci para soluções

nasci para criar e resolver problemas



Não vivo para algo

vivo por viver

por nada

pela vida mesma



Eu te amo

eu te quero

não porque eu te ame

ou te queira

mas por que te amo e quero



Fazer o quê?

Deixar de fazer o quê?



Eu vou indo por que ficando também vou

Vamos?



Melhor acompanhado que sozinho

o melhor ou pior fica por nossa conta

ou das paixões que racionalizamos...



Ai de mim! não decido nada

mas também não deixo de justificar tudo

mesmo o que é injustificável



Estou vivo!

como vou explicar isso?

e como vou deixar por isso mesmo?!



Eu te amo...

como assim "por quê?"?

Mas feita a declaração

posta a questão

como deixar por isso mesmo?



Como deixar passar?

e como não deixar?



Eu não deixo

eu não evito

eu existo



Eu sinto, eu existo

se eu não pensasse

eu não saberia que sinto

logo, penso



Mas como penso que te amo

sinto



Sinto até que só existo por te amar



Ok, a pedra também existe

mas que se dane...

ih... nem isso a pedra pode



Talvez, como a pedra

minha paixão dependa da inclinação

do pontapé inicial



Tu me chutaste para teu colo

caí de boca em teu sexo

não deu tempo de conferir a camisinha

a tabelinha, a temperatura e o mapa astral



Deu no que deu

ou dará



Se é bom ou não

se é um problema ou solução

nos importa só em parte

pois tudo é só em parte



Ah! sim, estou vivo

por enquanto



Ah! sim, eu te amo

mais ou menos muito



Há dez anos eu não te dava a mínima

Há cinqüenta anos eu nem existia

e hoje à noite, em sono profundo

eu também prática ou teoricamente não existia



Mas te contemplo dormindo

com simétrico encanto ao horror com que encaro

o rosto qual cera do amigo morto...

tão morto que já não é mais meu amigo

não é mais nada ali, onde está tão concreto

e resta tamanho em minhas lembranças



Viver, amar, tocar, lembrar...

ao te abraçar, alucino a fusão

que deveras vivemos ambos

sem que um realmente toque

senão carnes, ossos, colóides diversos

sem sentir ou poder saber o que sente o outro

por exemplo, ao gostar do um

ou par



Ao conversar contigo

ao trocarmos olhares

ao partilharmos um ritmo

deliro um entendimento

que deveras confundimos

ao concordarmos que está bom

que não está

que está ficando

ou concertando

(isso mesmo, com "c")



O importante é não delirar sozinho

não alucinar sozinho



Se eu alucino que me dizes

"eu te amo, eu te quero, me beija"

beija-me como quem me quer amar

Se eu deliro que queres e amas

beija-me como quem me quer amar

e se me de fato queres e amas...

beija-me como quem me quer amar



Beija! beija! beija!

não é claque nem alucinação

é a mais pura verdade

...psíquica, é verdade

mas não há maior verdade que a do coração

ou outras referências anatômicas

da cabeça ao cabeção

dos lábios... aos lábios...



Eu te quero bicéfalo

quadrúpede

centauro

na cama e no jardim



Não me importo de chover no molhado

na roseira

no capim



Já tirei o carpim

e peguei a rima mais chinfrim

que hoje eu não sei se vou me dar bem

se vais dar ou eu vou dar conta

mas que vai ter que dar,

Ah, vai ter que dar



No que vai dar eu não sei nem quero saber

quero ter o prazer de descobrir

inclusive o pior



Que venhas nos piores dias

quando, como cristo, coroado

eu mal puder balbuciar "hoje... estou pregado..."

quando eu estiver desempregado ou assoberbado



Mas venha, que eu fico

Vá, que eu vou

goze que eu gozo

ou não goze, que eu gozo igual

ou bem diferente

quem sabe até indecente

pornograficamente dando-te

um terno beijo na testa



Venha para valer

para arder

ou para dormirmos abraçados

para olharmos a chuva abraçados

para conferirmos os pelinhos dos nossos braços



Venha, vai, vai,

que eu já estou indo

que eu já estou chegando

encontrando-te no prazer com que te procuro



-----

Esperanças e práticas

20 de novembro de 2001



Deito a cada noite

como quem vai morrer



E como esses

não vejo quando me perco



Enquanto sonho

vivo tormentos, confortos, banalidades

desapareço e volto

sem dar por isso

geralmente sem nem lembrar

exceto quando trazido à força

ou forçado a sair vida a fora

cama a fora

quarto a fora

mundo a dentro



pelas manhãs

quando acordo quotidianamente

por vezes volto devagar

de má vontade

por vezes num salto

entusiasmado ou aflito



Não há uma noite ou um dia como outro

nem nunca como a mesma mulher

que se repete ou inova

e por vezes inova tanto

que ela mesma acredita

que é outra

e por isso está fazendo aquilo



Não há um dia em que eu não pense em ti

ainda que eu nem saiba quem sejas

embora te conheça o pelo menos anseie

desde quando ainda não conhecia ninguém

nem a mim mesmo



não há tarde, dia ou noite que eu não pense em ti

exceto quando me esqueço

e penso direto em mim

e fico a dizer "ai... ai de mim"

ou "eu sou fantástico, mesmo..."



Não há manhã em que eu não sinta teu calor ao meu lado

exceto quando acordo de porre ou tão súbito que não penso

ou quando nem acordo de manhã



Tudo tem exceções... digo sem medo do paradoxo

Paradoxo para quem precisa

eu fico com meus contextos



Não haverá uma noite como aquela maravilhosa

nem como aquela horrível

nem como aquela outra maravilhosa

ou aquela outra horrível



Haverá uma pior e uma melhor

mas até o fim ficarei a espera:

o que virá hoje?

vararei eu o que hoje?

como ela virá?

chegaremos?



Tantas vidas que estudei

tantas mortes que acompanhei

tantas agonias que sofri

e não consigo escrever minha biografia

senão como um historiador que escreve num diário



Sim, eu faço e aconteço...

como me desfaço e fracasso

inclusive acertando ao errar

e vice-versa

ou meio a meio



Passeando por aquela rua

tão mudada

revivo os dias que não deviam voltar

mas voltam até melhores do que quando os vivi



Tudo o que foi horrível e doloroso

que estranho

volta como aventuras ou dramas



Sofro é com o que não foi

as vezes que não fui

as palavras que não saíram



Por exemplo as palavras

se tivessem saído

não fariam o mundo melhor

mas teria sido melhor

pois teriam saído

me deixado em paz

por mais confusão que provocassem



Mas não me fariam melhor, que nada

pois outras teriam ficado presas...

ou não?

Ai de mim... por que não falei?

Por que não tentei?

Por que não a beijei?



Foi ainda ontem que a vi

tão feliz sem mim...



Fiquei feliz?

Uma ova!



Não sou nobre

não sou santo

não sou digno

e não passo sem



Sou dependente

sou carente

ora ardente, ora aborrecido



Sou normal demais

isso é

louco demais

inconstante demais

passional demais

racional demais

e até equilibrado



Vou-me à puta que te pariu

intrigar com a sogra

receitas impossíveis

que a tua faz melhor



E debaixo da saia da mãe dos meus filhos

mais uma vez farei o que não tenho coragem

de fazer com a prostituta que mal conheço



Que dia!

que noite!

que milênio inauguramos esse ano?

que época começamos esse setembro?

que caráter terá ou teremos ainda esta vida?



Que nos resta senão o que nos falta?

e falta tanto!

e o tempo e tanto e tão curto quando é bom

tão longo quando insuportável

tão inesquecível quando conseguimos nos esquecer do tempo...



Que o tempo nos seja leve

pois a terra não gozaremos



Que a cama seja firme

pois será onde intensos gozaremos

pesados dormiremos

e leves sonharemos

tudo de novo e misturado



Senões a parte

pra tudo dá-se um jeito

quando tem jeito



E o que não tem solução

não é um problema

é uma condição



Ah! Raimundo, vasto Raimundo...

uma rima não deixa de ser uma solução

dependendo do problema

O mundo é que não é um problema, é uma rima...



Que, como a prima

antes eu que o outro coma

se for bonita, se for querida

se for ao menos prima

independente de ser a primeira



Que não seja a última

que a última é melhor não saber que é a última

e melhor ainda que a que pensamos última, não a seja



A última carta de amor

ridícula como as primeiras...

a última valsa, dançada ou sonhada

até a última dor

que seja breve

ou pelo menos doa

me faça vivo ainda uma última vez



Que seja de amor



...Que seja como for

de enfermeira ou prostituta

esposa ou prima

amigo ou filho



E que seja também próprio



Do início ao fim

cada minuto é único

e é o último de si mesmo



Viver é perigoso

não há segurança

exceto nos tolos



Então perigoze

o perigo da tentação

a catástrofe inerente a ceder ou resistir

toda decisão é catastrófica



Então meta o pé no balde com a jaca

e mecha com o pau na barraca para ver o que acontece...



Eu não sei...



Vamos ver?



-----

É tarde para tardar

20 de novembro de 2001



É tarde demais para esquecer

para fugir...

para negar...

para temer e deixar de temer



É tarde demais para ser original

para exibir-me

para procurar perfeições impossíveis

para ignorar a perfeição concreta



É tarde para querer outra

é tarde para não seres a própria

é tarde, tarde demais...

resta-me amar-te



E todo arrependimento é bem vindo

pois antes do arrependimento

tudo é ainda outra vez tão lindo...



Sim, vou temer-te, vou fugir-me

como outros ou como tu mesma

ou, quem sabe, contigo mesma...



Não, isso não é um soneto, não é uma rima ou uma solução

nem é uma concordância ou um expediente poético

não há nem métrica e a sintaxe é livre e arriscada



Ah... és-me tamanha

tão eletronicamente virtual

tão morenamente real

tão sensualmente concreta

tão poeticamente vital

tão lírica e tal...

tão... tão...



Ah... rima tão sedutora...



Mas é tarde demais também para rimar

tão bem ou pior

ou parar de rimar...

ritmar ou desengonçar

à moda proletária que fez

dos proletários

proletários



E é tarde demais para ser proletário

ou excluído

É tarde demais para ser pobre

para ser desconhecido

para fingir desconhecer-te

para fingir não te explorar

ainda que reste explorar-te

talvez, ai de nós, só na arte



Ai de mim!

tão tênue é a arte e breve a vida...

tão longas são as noites



"Arte"... foda-se a arte!

fodam-se Brahms e Clara

danem-se Tristão e Isolda

matem-se Romeu e Julieta



Contigo quero apenas a pequena morte

o grande desfalecimento

a cruz e a delícia do amor

tanto melhor ou pior nesses tempos

da mais vulgarizada longevidade



Que a agonia seja longa e deliciosa...



Bem ou mal, meu bem,

eu te amo

para o pesar e o contentamento



Um simples prazer

e uma dor quase doce

que me faz sorrir

expondo meu medo

de maldizer o que sinto

ainda mais do que deveras finjo



É tarde demais para ser original

não para originar

ou amar



É irreversivelmente tarde de mais para não dizer que te amo

para não te querer

não viver

não ser feliz

não ser franco

não ser direto



Resta apenas eu não me ter bem dito

não ter-me sido claro

ou nem isso?



Resta-me meter-me onde

chamado ou não

fui me meter



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Sondando-te

20 de novembro de 2001



endoscopia cega

ecografia surda

radiografia sem tela nem filme

hemograma indecente, a olho nu



Mesmo sem as maquininhas que fazem "plim"

com uma abordagem não invasiva, invasiva, não invasiva...

examino-te de cima a baixo

faço-te uma benigna vivisseção

inteiramente por tua via... ahm... vivípara



E até sem encostar nem ver

vou mapeando-te

a combinar os relatos

mais ou menos verossímeis

de verdades sobrepostas

ou que esqueceram de aconter



Mas que eu não me esqueça de me fazer entender

para que possamos fazer e acontecer



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Sabes se sou arisco?

20 de novembro de 2001



Nas semitransparências

o que mostramos também esconde

e vice-versa



Ênfase! o segredo é a ênfase

bem sabe o mágico



Estas vendo esta mão?

pois, tenhas certeza de que não é aqui que deves olhar



Meus mistérios, os teus, os nossos...

eu não sei quais são meus mistérios

a cada um que revelo

descubro que não era mistério



Ou até era...

mas só até eu o revelar



Sobram sempre mais que suficientes

pois só por mostrar alguns

eu mesmo distraio-me do resto e

pronto

novos mistérios se formam onde não estou olhando



Também te observo em detalhe

até o nível dos poros

Tento olhar no mais fundo de teus olhos

mas acabo vendo na lágrima sobre a pelinha sobre tua córnea

meu e não menos epidérmico reflexo



Piscas e

de tão perto

sinto teus cílios



Mas por isso mesmo não sei onde está tua mão

se ela não me toca

E se com a outra me acaricias as costas

não a vejo

como não vejo minhas costas



"Conheço como a palma de minha mão..."

...eu tenho uma vaga noção sobre a palma de minhas mãos

"Lembro perfeitamente de quando eu disse que..."

mas se me mostrarem em gravação, estranharei demais



Não, não sei dos riscos a metade

ou se a metade ou um quarto

só sei que há riscos

dentro ou fora do quarto



Conseqüências?

abster-se também tem conseqüências

Quem arrisca, arrisca.; quem não arrisca, também



Danado esse amor!

rima com dor

com flor

com cor

olor

bolor...

muitos "agentes"

(corredor, pintor, cantor...)

e outro amor



Quanto ao caminho

é direto e rápido

direto ao coração



Mas as estradas são longas

os vôos são pressurizados



Eu no paralelo trinta

tu lá pelo vinte e dois



Mas estou no jogo para me queimar mesmo

e depois me curar

(se é que cabe cura)

com teus fluídos

com a aromaterapia natural de teu cangote

a cura pelo verso dessa dança



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Sim, farejo-te

21 de novembro de 2001



Já farejei que

de gatos mestres

és perita quase escaldada



dois bicudos não se beijam?

dois calejados não se tocam?

dois cristãos não se cruzam?

dois ateus não se... atam?



De horrorosa...

se tens é a "rima"

com "saídas honrosas"

mas, no fundo, mesmo

ninguém come rosas

bem o sabes



Também sou e mais me sinto frágil

justo por duro e assim quebrável



Sou durável mas mutante

livre mas fiel

caçador e caça

eu e isso



Não posso evitar de meter-me

em tuas metas

em teu destino

na frente do nada que esperas



Eu não sou nada, nunca serei nada...

mas bem que sou alguma coisa

se presto ou resto

depende da soma



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Pêlo

21 de novembro de 2001



para mostrar, para esconder

e escondido para mostrar escondido

tanto mostro quanto escondo



Escondo defeitos

expresso personalidades

componho identidades

anuncio hormônios

desenho e atiço o sexo

potencializo cheiros

filtro ou retenho sujeiras

protejo do sol

desvio o suor dos olhos

ameaço vaidades



Sou muitas coisas e sou legião



Dou até detalhes íntimos

sobre a dieta, idade

saúde e ancestrais



Protéico

sigo explícito em tua cabeça

mas me espalho por quase toda tua superfície

mais ou menos aceito ou tolerado

mais ou menos visível a olho nu

mais ou menos perceptível à mão nua

contigo nua a luz da... (ahm...) lua



Resto até melhor nos padres ortodoxos

com suas barbas ortodoxas

como nas freiras e "alternativas"

com seus pentelhos ortodoxos

pitagóricos

trigonométricos



O que me prende ao teu corpo é tua vida

a me renovar continuamente

eu que, mudo mas eloqüente

substituo-me continuamente



Podes me raspar, arrancar

delinear para o lazer

fazer-me apresentável ou respeitável

pintando-me

conformando-me

até queimando-me com laser



Mas reforçado por tua própria vitalidade

eu persevero



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Desata-me

24 de novembro de 2001



Pego-te bem firme

para que me desates com força

as lágrimas, o suor e o sêmen

que me inspiraste e ainda conspiras

com os fogos que insuflaste

e as pausas que exasperaste



Dá-me com arte

a tão doce ilusão de

com minha explícita haste

furtivo ou frutífero

tencionar-te, abrir-te e afrouxar-te

violando teu acolhedor segredo



Cavalgue minha ventral cavalgadura

passeia vulvípede por meu corpo

e puxa-me para teus braços

segurando-me num abraço pélvico



Vamos trocar os pés pelas mãos

os braços pelas cochas

os lábios pelos lábios

a cabeça pela cabeça

e os beijos pelos beijos



Troquemos o carinho pelo prazer

o amor pela paixão

a paixão pela ternura

o ritmo pelo frenesi

as palavras pelos gemidos

os gemidos pelos quase ou plenos gritos

os gritos pelos suspiros

e que a isso sobrevenha a lassidão

a atenção aos pequenos ruídos imperceptíveis

do relógio

do vizinho

da emergência longínqua

e das reacomodações intestinas

em nossos ventres

nossas lembranças

sonhos e esperanças remexidos

recém entrelaçados e desatados

semeados e paridos



Deixa-me arfar e gotejar ainda sobre ti

e deixa parte de nosso amor e fluidos escorrer em libação

nos santos trapos que suportam nossa paixão



Que os panos dos lençóis

nossos tecidos musculares

nossas fibras nervosas

tramem nosso destino

que seja livre e firme

desbravador e reto

(ou graciosamente curvo)

surpreendente e claro

(e não aborrecidamente turvo)



Que o laço seja instigante e não lasso

que nos aproxime e não prenda

ou prenda voluntariamente



Dá-me nós

para eu desatar-te

desata-me

para eu enlaçar-nos



Dá-me

dá-me trela

dá-me beijos

dá-me o traço e o ponto

na reta e na curva

os orifícios e os bicos

as pontas e as superfícies



Receba-me

e assim receba meu amor

minha paixão

meu humor e meu calor



Receba meus beijos

meus carinhos

e também meu pinto em teu ninho

meu peixe em tua peixereca

minha espada (bem... faca)

em tua bainha

meu trem em teu túnel

meu mastro em teu navio

meu navio em teu porto

meu pavio em tua bomba

minha bomba em tua mina...



E lá pelas tantas

cala minha boca

cala minha pena (ou teclado)

faz-me passar ao ato



Que a poesia continue

mas não nos monopolize os meios

que a beleza continue

mas não limite os fins

nem restrinja as vias



Que sejam aéreas

eletrônicas

mas não só longínquas

não só espirituais, psíquicas, mentais



Que haja toque

e não seja apenas no coração

que haja fluxo, mas não só de elétrons

e o estoque não seja só de cartas, poemas

versos cujo sucesso reforçam um fracasso



Que os gozos não sejam excludentes

não precisam ser simultâneos

mas que não sejam à distância



Que não só os poemas se entrelacem

que também os suores se misturem

que os hálitos se combinem

que as inspirações se sincronizem

não só na poesia

mas também em outras poesias



Enfim, que façamos

que o poeta é um fazedor

faz tanto que faz até o que demais escreve

o que deveras finge e de fato sente



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Aquartelado

24 de novembro de 2001



no esquadro

se não de tua cama

da tela de teu computador

estou virtualmente aquartelado



sou cilíndrico, pitagórico, irracional

calculo tuas curvas e volumes



Marcho para lá e para cá em teu pátio

fazemos ordem unida juntos

e o comando é recíproco



Desencontramo-nos e até trombamos

sincronizando nosso atrito



amolas minha lança

com ênfase na ponta

que jorra faíscas de alegria



És o que firma minha lança

meu alvo, minha morena



És a bainha de minha cimitarra

és o ventre de minha dança...



Mas essas foram palavras pouco inspiradas...

já um pouco desesperadas

exaustas por uma falação exasperante

de esperanças ou ilusões exasperadas



És o fundamento de minha recitação fundamentalista

És minha leitura sagrada...



Ai! que me não sejas u a miragem desse deserto digital...



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Bote

25 de novembro de 2001



Bem tropecei em ti, coral

onde naufraguei feliz



Se teu bote for ofídico

ou náutico

talvez me mates

talvez me salves



Se quiseres que eu bote

eu boto



Eu te quero bem presa

pela liberdade ou loucura de me escolher



Quero compartilhar o prazer

do nosso encadeamento

que me tanto desencadeia

a consciência de minha solidão

da falta que me fazes

agora que me importas



Importa-me aberta

para eu percorrer tuas entranhas

como circulas em meus pensamentos



Dá-me o bote que eu remo

pelos canais que preferires

Dá-me o soro que eu sorvo

pelas veias, poros, mucosas

Dá-me, enfim, o que quiseres

que eu te quero toda, tudo, tanta



Tu me tentaste

e me perdi



Se me quiseres

eu te resgato



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Tato

25 de novembro de 2001



Apalpo com minha retina

tuas fotos digitais

de não sei quando nem onde



Deliro tua mão na minha

tateando meu absurdo



Alucino tua voz enigmática

em meus ambivalentes ais



Ai, ai de mim que ardo

por ti que não sei se tardas

ou nem virás



Eu me viro só

mas não basta

pois não me bastas

só me faltas



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Urgência persistente

25 de novembro de 2001



Vejo o horizonte no horizonte

e embalo-me no teu compasso

que não sei se é de espera ou eternidade



O tempo continua e nós passamos



Não me dês tempo

dá-me agora



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Cabeleira

25 de novembro de 2001



O calor sublima-te

o vento desenha-te



Tu me acertas

eu te invejo



Não sublimo

quero-te



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Sensacional

26 de novembro de 2001



Não entendo

mas sinto

o que não entendo

mas sinto



Remorsos, sonhos

suores, secreções e banhos

não entendo mas gozo



Boas ou más

encantam-me



Se for para cair

que a vertigem me embale



Que venha o medo

mas continuemos



Esgotem-se as páginas

e nossos adiamentos



Na minha enxaqueca

um padrão loucamente

belo em meu campo visual

faz-me aguerrido em meu fascínio



Todas as dores, ânsias e desesperos revividos

mais fazem-me ansiar por tentar outra vez

buscar ainda uma vez o nexo carnal

além de todo esse sexo verbal



Não há cansaço

há desinteresse

não há desinteresse

há prioridades

não há prioridades

há dores e prazeres

há nojos

há gozos



Não há perigos

há medo

Não há medo

há experiência

Não há experiência

há sofrimento



Sofremos o sofrimento que já sofremos

e o fim das alegrias que já tivemos

e passaram

e doeram mais porque eram alegres

e passaram



Sofremos, enfim

não porque sofremos

mas porque já fomos felizes



Então, para começar

soframos



Depois há de melhorar

piorar

melhorar



Bem me quer, mal me quer, bem me quer...



Não sei se me suportarei muito

mas continuo

Não sei se te farei bem

mas te quero

Não sei se me farás bem

mas te quero



Não entendo nem sei

mas sinto, continuo

e te quero



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Desencontro macaco

26 de novembro de 2001



Estou com o macaco

longe da macaca

com o bicho carpinteiro

longe das ferramentas

com a corda toda

sem o relógio



Mas encontraste meu desencontro

e o beijaste multialegremente



Embora distante e insaciado

alegremente retribuo

como se fosse amado



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Aprendendo no mar

26 de novembro de 2001



foi no teu mar

que aprendi a nadar

foi em teu sal

que decidi temperar

foi teu calor

que me ensinou o sabor

será nada mal

desfrutar teu amor



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Caprixos e relachos II

26 de novembro de 2001



Não capriches mais

relaxa toda

até teus caprichos tomarem conta

com tuas dinâmicas e tônus

misto de relaxamento e tensão

encanto e tesão



Eu não capricho

eu deixo rolar

e não relaxo

até o êxtase

em que não sei se caprixo

ou relacho



Acho que relincho

ou como que suspiro



Acho que piro

e só então é que relaxo



Acho que relaxo

e só então fico exato

quando me distraio

e me encontro

ao esvair-me

sem me perder

dentro de ti



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Sal da terra

26 de novembro de 2001



Eu saí da terra e fui pro mundo

ao sair, voltei

ao voltar, cheguei



Ao trabalhar e sofrer

amei

e com meu suor e lágrimas

minha parte do no mundo ilustrei



Tão louca é a vida

quanto a vivemos



A razão que a congela

derretemos



Não somos a luz

mas somos os olhos

com que o pó das estrelas

contemplam seus filhos



O sol que nos alumia

aquece a terra que me há de comer

e que hoje me alimenta

sobre gerações que viveram antes



Ah! os sais... minerais

como se houvesse outros...



Ah! os compostos orgânicos...

as composições políticas

E as decomposições!



Ah! vida louca

vida indecisa

vida que consome!

vida que consumimos...

vida que

vivemos

por enquanto...



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Sopro

26 de novembro de 2001



Eu não fiz nada para nascer

fizeram-me corajosamente

sem saber no que daria



Minha mãe deu pro meu pai

e da casta sacanagem

dois gametas fizeram um ovo

que chocou dentro do ventre



Ah! essa pena quero em dobro

não quero condicional

nem habeas cadáver



Quero penar até o tempo que a ficção científica pensou que seria em 2001

quero viajar no espaço

ser atacado por alienígenas

ser clonado, abduzido, assimilado, teletransportado...



Quero na plenitude de faculdades intelectuais, físicas ou quase mágicas

se for para acabar

que seja como uma estrela cadente

um meteorito

um risquinho de luz no céu de uma noite

quem sabe sinal de bom agouro para alguém



Quero assim desaparecer sem deixar grandes vestígios



Meus poemas, se persistirem algum tempo,

podem ficar anônimos

e podem desaparecer como desapareceram tantos

de meus ancestrais e seus amigos e inimigos...



Que os bilhões de anos que nos juntaram

dispersem-nos e a quaisquer lembranças



Multiverso, multiverso... tão vasto é já o universo...

mas meu mundo se acabará comigo



Isso não é uma rima

não é uma solução



É tudo

e não resolve nada



E se resolvesse, seria pior



Ah! filhos, melhor não sê-los...

mas se não nascemos, como viver?

se não crescemos, como saber?



Eu quero precisamente todo esse horror e maravilha para meus filhos...



Que eles não tenham o que eu nunca tive

que tenham o que for possível



O que sofri deu-me o contraste do que fruí

e fruo mais a variação que a estabilidade

pois até a estabilidade vira tédio

e o tédio me faz buscar sarna para me coçar...

o que felizmente não me faltará

nem que eu não vá para o espaço

vá antes para um asilo

não numa nave espacial

antes numa cadeira de rodas



Se eu perder os olhos, o olfato

o sexo, a língua, as mãos o tato

enquanto viver ainda será uma aventura

se eu não perder a mim mesmo



E se eu ficar alienado

não saberei

como quando sonho

e não sei que estou louco

catatônico

só que relaxado



Definitivamente não mereço...

mas não me culpo por desfrutar

nem me orgulho especialmente por sofrer



...ou talvez me orgulhe

mas nem desse gozo perverso me envergonho

eu o desfruto urgentemente

com a calma delícia

da emergência...



O grande barato é esperar o que emergirá

do mundo e de mim

no próximo atrito



faíscas? poeira? filhos?



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O sangue é vermelho

26 de novembro de 2001



Ah! meu Brasil

tão mais que razoável

tão frustrante em seus sucessos

tão satisfatório em seus fracassos



Ah! as percepções que nós,

brasileiros,

temos de nós,

de nosso país,

de nossos talentos e misérias...



Como se nossos canalhas fossem mais canalhas que os dos outros...

como se nossos otários fossem mais otários que os dos outros...



Se isso ao menos fosse auto-crítica

em vez da demonização de sempre...



Enfim...

é nosso estilo

ou é um estilo importante por aqui

...como em outras terras mais ou menos

admiráveis e desprezíveis

em seus atavismos e modas



Meu sangue é vermelho



Sou anti-comunista

mas meu sangue é vermelho



Sou gremista

mas meu sangue é vermelho



Sou nobre

mas meu sangue é vermelho



Sou anêmico

mas meu sangue é vermelho



Sou brasileiro

mas meu sangue é vermelho



Se eu fosse um polvo

e em lugar de hemoglobina

o transporte do oxigênio

em meu sangue

dependesse de outra molécula

à base de cobre...

meu sangue seria verde...



Mas sou vertebrado

mamífero...



Meu sangue é vermelho!



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Eu em Deus

27 de novembro de 2001



Não é sacanagem:

eu estou em Deus

entre o dê e o esse



Quando Deus quiser...

é que estarei procurando um pretexto



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Vovó

27 de novembro de 2001



lembrei de uma piada que recebi hoje por e-mail:

"Por que as surdas-mudas se masturbam apenas com uma mão?

"?

"?

"?

"Porque com a outra elas gemem."



Pessoalmente, minha avó materna era surda e muda... Embora eu já a tenha conhecido velha e decadente, não era (já morreu) silenciosa... Imagino que, no sexo (solitário ou partilhado), não devia ficar mais quieta do que de costume... e ela, aliás, fazia sons deveras expressivos - algo como "Aaah? aagababababá!" - enquanto fazia suas mímicas (e era boa nisso, tanto que era fofoqueira, e tanto mais por não se valer de nenhuma língua de surdo mudos oficial, o que lhe ampliava o universo de interlocutores)



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Pernóstico

27 de novembro de 2001



oops!

a interjeição me saiu em inglês...



E, viste, Mário?

com um pouco de boa vontade,

o verso seguinte me saiu em decassílabo



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Abismômo

27 de novembro de 2001



Abismo? sim, eu abismo...

saltar (ou ser empurrado) é nascer

cair é viver

o fundo é morrer



Que o abismo seja enorme

que o ar seja denso

que a vertigem seja gostosa



Há beleza no fundo mas

chegando perto

há mais horror que encanto



Para alguns, tanto pior

o horror surge só de saber

que há um fim no abismo



Os otimistas costumam considerar

"até aqui... tudo bem..."



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Crianças, velhinhos, coitados...

27 de novembro de 2001



Triste? sim, mas não especialmente.

Nunca foram tantos os coitados

e nunca tão proporcionalmente poucos



A prosperidade criou novos sofrimentos

prolongou agonia e, inflando sonhos

piorou as decepções e frustrações



E as revoltas!



Ah! esses revoltados com os problemas marginais...

sempre terão uma margem para lamentar

cada vez menor... cada vez pior...



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Multimídia

27 de novembro de 2001



Os teus olhos me falam de amor

e tuas mãos de sexo

falas-me de promessas

e teu hálito de verdades



Vejo-te magra

toco-te gostosona

e soas vigorosa mas delicada

rude mas carinhosa

rápida mas calma

calma mas exasperante



Ah! minha cuíca

tudo bem que aí não é o teu umbigo

que isso também não é o meu dedinho...



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Míope

27 de novembro de 2001



Sou míope

e por isso mesmo

sem óculos

preciso ficar bem pertinho

à curta distância do amor



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Fenda

27 de novembro de 2001



A gruta é quente e acolhedora

visitando-a na hora certa

devidamente convidado





Os lares e as FEBEMs

terça-feira, 27 de novembro de 2001 16:02



Há lares piores que as FEBEMs... O problema de semelhantes instituições é

como fazer com dinheiro o que o amor não fez (ou fez pior... afinal, muitas

maldades são feitas por amor mesmo...).



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Origem

27 de novembro de 2001



Sou do e estou no estado do Rio Grande do Sul, da República Federativa do

Brasil (RFB).

A propósito, não me considero gaúcho (termo que considero identificado com

um estilo de vida que acho interessante mas com o qual não me identifico),

mas sulriograndense... ou sul-rio-grandense... (ah... seria tão mais prático

ser gaúcho...).



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Prazer de irrigação

27 de novembro de 2001



Agora que me já molhaste

com o teu prazer tão envolvente

deixa-me te molhar com o meu

metido



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Nenhum poema se atravesse em nosso beijo

27 de novembro de 2001



Beija-me direto no coração e no tesão

pois se teus lábios não vão até minha alma

que é toda sangue, pulsos e hormônios

minha alma te espera plena

em meus silenciosos lábios



Que a tua língua fale em minha boca

e tua pena escreva em minhas entranhas

os poemas mais fluentes que a vida pode

recitar e ecoar a si mesma e a nós

com o nó que vem tramando a humanidade



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Poema de mulher

28 de novembro de 2001



O que tu queres importa

mas resolve?



Querer é poder o quê?



O que pretendo importa

mas não sei bem o que pretendo



Ser poeta

cantar-te interminável?



Ser impertinente

confundindo teu personagem lírico

com a cidadã de outro patronímico?



Eu sou bem o que escrevo em poemas de amor...

talvez um pouco mais calmo e comedido

de certo mais alegre por fora

e triste por dentro



Eu, aliás,

não tenho interior



Eu reviro-me diariamente do avesso

e o que não vejo são minhas costas



Também só descubro que sou mais alto

ao ver-me em fotos

quando em pé

ao lado das pessoas



Minha voz apavora-me quando a ouço gravada

não que seja horrível

mas bem diferente de como a "ouço"



Em vídeo, vejo-me solene, empertigado

um ar petulante que faz difícil acreditar que,

como de fato,

nunca tenham-me batido na cara...



Ah! bateram-me pelas costas várias vezes...

e não falo metaforicamente apenas

falo de "telefones" e outras porradas



Pois é... minhas costas

reais ou metafóricas

são o mais parecido com meu interior

o que não vejo



O curioso é que para os outros

justo o que digo com todas as letras e "esses"

isso parece inacreditável, enigmático



Pensam que sou irônico...



Pensas que sou poético ao te cantar?

ao cantar meu interesse por ti?



Eu mesmo não sei...



Mas também não são coisas excludentes



Li uma carta tua...

ficção? desabafo?



Em minha ficção

eu ainda sou eu

só que comunista e gremista

ou até mulher

foda-se



Tens razão

não tenho lado feminino

sou complexo

como todo mundo

e exploro isso

como nem todo mundo



Não, não sei bem o que sou

pois não tenho a menor idéia

sobre o que vai dar...



Minto? Engano-me?

de fato, tenho idéias...

mas todas tão tristes!

Sucesso, quando muito

será uma obra póstuma



Eu e tu, grande casal

que nunca se encontrou

viveram uma aventura carnal

endócrina, gonádica

de expressão erótica

puramente digital



"Nunca te toquei

sempre te amei"



Daria mais um filme

desses de razoável crítica

e pouca bilheteria...



Não, não serei imortal nem pela obra

e se fosse, não ia adiantar nada



Mas, vê, estou aqui, patético

penando... varando a madrugada

(mais ou menos... principalmente no que se refere

mais ou menos poeticamente, ao "penando", "varando"

estou antes é teclando, muito lúcido e comportado)



Pois é...

saiu-me um poema de mulher

discutindo a relação

sem concluir nada

sem resolver nada



Só para desabafar

para eu poder continuar



Lavar a roupa

fazer comida

tirar o pó...



Esses trabalhos ingratos

invisíveis quando bem feitos

evidentes quando mais ou menos

justo no tanto de menos...



Não, não me estás sufocando

estás me esfaimando

(existe essa palavra?)



Não, não estás me esfaimando

eu estou me torturando



Não, não estou me torturando

estou simplesmente sofrendo

ao literariamente fingir

a dor que eu esquecera que sofria

continuava sofrendo

mas não chamava de sofrimento



Sou, sim, patético, pateta...

gosto mais de mostrar que sou poeta...

mas como então deixar de ser patético, pateta?

posso até fingir diferente dizer melhor

ou não fingir nada

para fingir ainda melhor

não sei o que:

exatamente o que sou

o que sinto

o que penso

o que quero

etc



Ai! sou prolixo, interminável...

mas que raio de solução seria terminar?!



Quero é começar

preciso é tentar



Mas como ou

tanto pior

o quê?



...Bem, não é tão difícil



O importante é que importas...

comerciamos, trocamos



Temos de conferir as dobradiças

o encaixe

a lubrificação



Temos de combinar as taxas, alíquotas

zonas francas...



Serão verbais? Genitais?

Virtuais? venéreas?



Que sejam como der

ou dermos



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Tortura chinesa

28 de novembro de 2001



Perspicaz

para relaxares

fica atenta

fica pronta

fica tesa



De onde menos esperas

dentro de ti mesma

virá o bote



Por mais que eu conte

por mais que antecipes

a surpresa será arrasadora



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Cabra marcado para agüentar a virada

28 de novembro de 2001



Morrer, vamos todos

mas minha sina é viver

agüentar as viradas

agüentar as certezas

as voltas e paradas

que a vida me dá



Tenho ao menos

talvez bastante

ou mesmo muito

a parceira de delícias

que na noite, com perícias

qual feiticeira basta-me

para não deixar por menos



Na virada e revirada

pelo certo e pelo avesso

missionário e duvidoso

não agüento, desfruto

e não só desfruto

como planto, semeio

e como



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Mágica

28 de novembro de 2001



Eu até já esqueci-me

do que desesperadamente

não conseguia esquecer



Deve ser alguma coisa que ainda lembro

mas por uma melhor perspectiva

apoiado nesse teu cume



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Fervura

28 de novembro de 2001



Cuidadoso

vou tirando os tanques

soltando os pesos

jogando longe os pés de pato

e toda aquela borracha com nome chique



O teu segredo abissal

é o calor, a pressão e oxigênio de tuas águas

onde minha ponta incandescente

vira flama que nos mais inflama



Enquanto ferves indecente

borbulho como quem dá

a um novato uma mama

para sovar sôfrego e ingênuo



Tuas correntes próprias puxam-te

e com meu sopro e pulso

revoltas-te em ondas firmes

que ao chegarmos da praia perto

em expontâneo e vigoroso pompoar

no tubo fazes de mim rebentação

e a espuma de fervura e jorro

brilha nessa lua cheia

de inveja de tanto amor pra dar



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Velocidades do tempo

28 de novembro de 2001



Longos segundos de agonia

breves anos de alegria



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Literalmente?

28 de novembro de 2001



Mais literalmente...



no abismo vou de para-quedas

de helicóptero

com pinos, cordas, etc



Na gruta levo oxigênio

luzes, e um novelo...



A morte não me encontrará em grutas ou abismos

há de me colher bem além do prazo de validade

que pelas especificações do fabricante

vence agora, entre os trinta e os quarenta



Acontece que vivo essa vida louca

cheia de confortos

mais perigos da prosperidade

ou mesmo da longevidade



O metafórico abismo

ficou mais longo

mas ainda é finito...



A metafórica gruta...

continua metafórica



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Tanta inspiração...

28 de novembro de 2001



Talvez não seja inspiração, seja cara de pau...



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Realidade

29 de novembro de 2001



Meu abismo é precisamente a realidade

na qual fui precipitado

e da qual para fora

não me prefiro precipitar



Quero ir até o fim



Sim, há um fim e retroativas conseqüências

e nenhuma finalidade ou pontuações póstumas

cabe a mim chorar ou desfrutar

ou ambos

no tempo e espaço que me cabem



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Contratrova indignada

30 de novembro de 2001



Com que dignidade pedes moderação ou honestidade

se maximizas o mal-entendido e ignoras as retratações?

Que moderação mereces cobrar

se insinuas ou afirmas trevas

lixo, vaidade, vileza e desonestidade?



Se tua ênfase ou emoção é válida

como a de quem criticas não o é?



Que estranha alma aberta é essa

sempre para o mesmo lado

tão oposta que o outro lado

é objeto só de depreciação?



Como chamar essa tua convicção

que se jacta de ser convicta

ignorando que a diversa proporcionalmente

não é menos convicção e digna?



De que insulto pretendes reclamar

se fazes questão do insulto

para muitos mais propagar?



Amas tua luta?

nisso não te diferencias de Hitler

Stálin, Pol Pot...



Os facínoras não costumam ser vagabundos

não costumam ser carentes de valores

não costumam ser vazios de ideal



Costumam é ignorar o diverso

costumam justificar os meios pelos fins



Se tudo fazes para aproveitar o mal entendido

fazes pior do que aquele cujo erro exploras



É perfeitamente compreensível o que fazes...

mas justo por te respeitar deveras

que te chamo a atenção ao problema

que acredito seres capaz de perceber e corrigir



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Tamanho

1º. de dezembro de 2001



O espanto é quase caber nessas poucas palavras

e justo nelas descobrir-se maior que fora ou sem



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Mergulho e temporal

1º. de dezembro de 2001



Nas profundezas partilhadas

o roçar da pele é mais sensível

ou as mesmas sensações

sentimos mais profundas



Bem no fundo

mal me sentes

mas te faço bem

e vice-versa



Na lucidez desperta

assustamo-nos

com a profundidade das diferenças

e a pressão das semelhanças



Ressecados pelo óbvio

endurecidos pelo comum

o inusitado encontro

nos apavora



Pois quem se julgara morto

e assim invulnerável

sem nada a perder

sensível é que sensível se revê



É com tuas carícias generosas

que descubro meus contornos

e com teus contornos torneados

que redescubro meu desejo



No fundo, no alto e no meio

sinto-me em todos os limites

pois o teu mero contato

faz-me na vida mergulhar e acreditar



De novo, outra vez

por algum tempo

como eu mesmo

temporal



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Certeza

1º. de dezembro de 2001



Sei que tua falta

é muito mais que minha presença

sem o alento de tua presença

ou ao menos de tua falta



Embora eu padeça de ambas

de mim estou farto

por ti estou sedento

e tua falta faz-me procurar-te



Na arte, na internet

em versos e delírios

encontro em teus pensamentos

razão para ter sentimentos



Quero-te real

quero-te banal, cotidiana

No bem e no mal

quero-te integralmente



Quero até compartilhar o medo

medonho por ser feliz um dia

e saber como é perigoso

beirar ou ter tamanho gozo



Por isso não acredito que nos teremos

mesmo quando tanto já nos partilhamos

assim instigo-me com tua relativa ausência

e não sofro ademais com o medo de perder-te



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A urgência de minha pressa

1º. de dezembro de 2001



Não deveria, mas tenho pressa

não deveria, mas vou com pressa

não deveria, mas é assim que estou

com pressa, urgência, iminência



Se os espinhos são teus

o sangue é meu

mas a seiva que vertes

mais que me revigora



Os riscos são administráveis

mas continuam riscos

e resta apenas arriscar



O risco de não arriscar é maior

ou tanto pior: não há risco

não arriscar é o desastre garantido



A pressa é inimiga da perfeição

mas não sou a perfeição omnisciente:

tenho pressa, corro riscos



Preciso partilhar o sangramento

as entranhas, a bizarria

partilhar, enfim, a vida

que é urgentemente urgente



"Calma! não temos tempo para termos pressa..."

Ok, tenhas calma comigo

que tenho pressa, tenho delícias e espinhos

e também não tenho todo o tempo



Que a comunhão seja profunda

mas com urgência

pois tenho pressa



Que o amor não seja ligeiro

mas seja logo

que não acabe nem se vá

mas se mova logo



Que tudo não seja breve

mas muito em breve!

pois já começou



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No banheiro público

1º. de dezembro de 2001



Quase toda poesia romântica

daqueles tísicos e sifilíticos todos

foi poesia de bordel



Hoje a inspiração é mais livre

até porque os pulmões estão melhores



Ah! e não é preciso casar ou ir no bordel

as moças de família dão e muito bem!

Merecem poemas livres

de guetos, indecências... ou decência



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Os sinos de Natal dobram por ti

1º. de dezembro de 2001





Admiro esses narcisos moderados

que são diferentes todos do mesmo jeito

pelas modas das grifes ou partidos

esses alternativos homogêneos de butique



Eu sou tão narcisista que fico na minha

não uso brim azul índigo

nem sou de esquerda

contra o pensamento único

como todo mundo...



Não acredito em bom senso

"a voz do povo é a voz de Deus"

para mim

é o acordo acabado

entre a demagogia e a superstição



Mas se o natal for um pretexto para nos encontrarmos

nos abraçarmos

falarmos do bem que nos queremos

nem que seja através dos bens que nos queremos

que seja



Se quiseres vir na moda

pelo menos vêm

se quiseres discutir o polêmico como óbvio

e o óbvio como polêmica

pelo menos fala comigo



Se quiseres abraçar-me como quem bate

para não pareceres veado ou tarado

abraça



Bendito seja o natal

os comerciantes e os publicitários

que se são safados, interesseiros

(enfim, normais)

ao menos servem de pretexto

e ajudam a economia e os amigos

agentes racionais

nem sempre tão ativos

ou racionais

mas certamente emotivos

até quando sem motivos elegantes



Vêm! como puderes

quando quiseres e

se não quiseres

vêm por educação

por cortesia

por convenção



Deixa que eu trago a autenticidade

lembro o "ser para a morte"

que o inferno não és tu mesmo

e que os sinos de natal,

como os outros,

dobram por ti



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Na paixão, amor é mais... e pouco

1º. de dezembro de 2001



Ama-me! pela obra ou pessoa

ama-me como puderes



Amo-me até por falta de opção

tu podes optar se ou como



Não sei se te amo

mas amo teu amor por mim

Não sei se me amo

mas amo amar-me

amo viver-me



Detestes minhas sobrancelhas

minha indiferença religiosa

minha posição ou contraposição

política, ética, artística

minha sacanagem imperativa

mas ama-me! canta-me!

se eu deixar, beija-me!

e se não,

tenta-me!



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A andorinha de Bandeira e meus sabiás

2 de dezembro de 2001



Depois de tantos documentários na televisão e os trabalhos

que digitei e até palpitei para minha irmã que faz Biologia

(mas cata-milho no teclado)

ouço a andorinha ou, mais freqüentemente, o sabiá

e ouço epopéias de vida e morte

cantadas para aparecer e fazer sexo

e rápido!



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Paciência e planejamento

2 de dezembro de 2001





Antes de "arregaçar as mangas

cuspir nas mãos"... (não recomendo)

"pegar na pá de pá em pá

chegar à pá-ciência"

é bom ter ciência

dp que se vai fazer

do que se quer que venha a ser de nossas vidas

Sempre com pelo menos duas perspectivas:

de agora para os próximos cinco minutos

e daqui hipotéticos 20 anos

mesmo quem tiver já mais de 80

jamais agindo, refletidamente,

de forma irrefletida



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Os hemisférios em meus natais

2 de dezembro de 2001



Ah... lembro dos natais de minha infância

com nostalgia e estranheza

daquelas deliciosas comidas tão fora de época...



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Truque

2 de dezembro de 2001



Para não gaguejar na vida

canto-a em versos e adversos



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Mènage

2 de dezembro de 2001



Bem sabes, é só entrar...

para entrar ou deixar entrar



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Tudo o que peço

2 de dezembro de 2001



Obrigado por estudarem meu pedido...

só não digo que "é tudo o que peço" pois, na prática,

peço que não só estudem mas também aprovem.



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Importâncias

2 de dezembro de 2001



Quando achamos que pouco importa

o ataque a dignidade de um ser humano...

...de fato, talvez nada mais importe muito



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A razão de tanta razão

2 de dezembro de 2001



Por que penso tão rápido

e com tanta razão?

Anos de prática, ofício

e proporcionalmente irracional

sentimento de "dever de ofício"



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A pior maneira

2 de dezembro de 2001



a melhor maneira de prolongar ou conseguir

resultados piores de um assunto

é tentar o abafar



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Última palavra

2 de dezembro de 2001



Se alguém qier discutir, discuto.

Se não quer discutir, assim que pára, paro

(um pouquinho depois

para testar se o outro,

apesar de dizer que não quer discutir,

não tenta dar a última palavra,

que eu sempre tento dar,

sem a incoerência de dizer

que não quero).



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Ofensas a parte...

2 de dezembro de 2001



discuta duramente comigo

mas agüente o tranco

não negue o ranço

não negue o golpe que deste



Não nego o golpe que recebo

nem o que dou, quando dou

mas preste atenção no que dizemos

e veja se te ofendo mesmo

ou divirjo e acuso os golpes



Não digas que "chega!"

entre resmungos intermináveis

se chega, fecha-te

se queres resmungar

aceite as réplicas



Depois não digas que te ofendi

sem explicar o contexto

pois pode alguém que nos viu

desmentir-te e brigares com mais um

que apenas ousou discordar



Nem use de rimas para simular argumentos

ou versos para dar estrutura a pensamentos

que pouco passam de um aboio

sem a beleza de um aboio...



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Família?

3 de dezembro de 2001



Uma família é justo o lugar em que convivemos quando

estamos bem ou nem tanto,

de bem ou nem tanto, etc.



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As linhas de nosso texto

3 de dezembro de 2001



não fiquem prontas, arrumadas

que tais linhas se contorçam como nós



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Pai ciência

3 de dezembro de 2001

Às vezes sinto-me qual meu pai

com uma finita paciência



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Não te rendas, megera indomada

3 de dezembro de 2001



Há vitórias indesejáveis:

transformam um adversário digno num aliado indigno.



Vêm, fica, mas que seja para incomodar.

Não nos acomodes, que de sono já

basta o inevitável,

a nós não te acomodes,

que a unanimidade não nos enriquecerá.

Mas se eventualmente quiseres apenas aconchego,

em doses moderadas,

de mim sempre o terás.



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Propriedade e posse

3 de dezembro de 2001



Ah! o tempo...

nunca tive um instante na vida

apenas passei por muitos



Amores? tive paixões, amores

mas tenho apenas pais, irmãos

mulher, que é bom,

vivo, sofro...

até penso que tenho

mas tudo passa

mesmo enquanto continua passando



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Cotação venérea

3 de dezembro de 2001



Já fui em puteiros

(mais precisamente

duas vezes no mesmo)

com amigos



Pura farra

nada de sexo

embora alguns expostos

na altura dos olhos...



Vem uma garota, muito carinhosa

dança comigo e me agarra...

e pede que eu lhe pague uma bebida



Digo que não, obrigado

ela pergunta se não merece

digo que sim, mas que não pago

sugiro, sinceramente,

que não perca tempo comigo

e ela, respeitosamente, não perde



Cervejinhas de pescoço longo

a preços estadunidenses

(muito caros para brasileiros... no Brasil)

e mulheres relativamente baratas...



...fico com as loiras geladas

que já conheço há mais tempo

com saudade da terna morena

que nunca encontrei em carne e tônus

mas já me conquistou

em prosas, versos e espírito



No guardanapo

limpo a boca limpa

que anota versos

eventualmente sujos



Para não passar por veado

talvez devesse limpar o pau na cortina...

mas não está sujo

bensuntado com teu amor...



(é... não tem jeito, vou passar por veado...

mas, se não especialmente comprido,

cumpridor)



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Quando eu me for...

3 de dezembro de 2001



eu, quando me for,

não irei nem me transformarei

... mas podem usar dos eufemismos que quiserem.

Quem sabe, com o uso medicinal de clones ou

outras fontes de células tronco, indiferenciadas

indefinidas entre pele músculo ou víscera

eu viva indefinidamente?

Mesmo assim...

calculo que de 20 em 20 anos mudo tanto

que sou completamente outro,

ainda que bastante parecido e com tantas lembranças em comum

com não sei bem quem foi ou fui...



Mas há tantas pessoas tão diferentes que lembram

terem sido Cleópatra ou Napoleão...

Quando penso que sou o mesmo que teve 5 anos...

cometo confusão pouco menor.



Tenho muitos pais.

Meu pai, aquele que certa vez

encontrei, após anos, e espantei-me

por descobri-lo menor que eu,

quando lembrava-me dele enorme, altíssimo...

Outro de meus pais foi aquele menino de cinco anos



Meu velho pai já foi meu jovem pai...

mais jovem do que sou hoje.

Mudou tanto,

intimamente como fisicamente,

na relação comigo como consigo,

que é já outro,

são ou foram muitos.



Meu velho pai nem é tão velho... uns 60 anos...

mas fuma muito, não sei se chegará à velhice

(oficialmente, após os 65).

Meu velho pai um dia de certo será

meu saudoso pai... ou seja,

pai literalmente morto,

pai radicalmente ausente,

Não do lar, que há muito se desfez,

não do meu afeto, que talvez perdure

até melhor na distância e na saudade

que no desgastante cotidiano...

Ausente do mundo, da existência.

Mas isso é o de menos.

Pior é que a finitude é hereditária,

razão pela qual bem sei que não sou

filho de Deus.

Sou é filho de mulher, com umbigo, fome, sono...



Por falar nisso, boa noite.



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Versos e contra-versos

3 de dezembro de 2001



Amigos ou não

mesmo inimigos

tenhamos regras



Que haja luta

não briga



Mas se não houver outro jeito

vamos brigar

com um sucedâneo de regras

por exemplo

em versos, mesmo que piegas



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Mil e uma noites bem dormidas

3 de dezembro de 2001





Há bons poetas matinais

que importam a boêmia

como artigos fantásticos das arábias...



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Enxada e picareta

3 de dezembro de 2001



Na enxada eu peguei

na aula de técnicas agrícolas

na sexta-série do ex-primário

agora fundamental



Hoje a enxada é coisa de quintal

e demagógicos movimentos sociais

que oprimem seus pretextos

o trânsito, a sociedade e o raio do social



Pois é...

põe os peões no caminhão

e leva-os para a cidade

para fazer confusão mesmo



Enxada, foice, facão

em plena praça da capital

Tô vendo a vocação...



Sob o ar condicionado

o administrador administra a dor

das coronárias do empresário

que já nem quer mais pensar

na dor do que será demitido

e do que nem será admitido



Tudo culpa da globalização:

competimos com países desenvolvidos

que tem esquerdas duras mas responsáveis



A nossa ainda brada: fora éfe-eme-ih

sem saber que nós é que estamos nele

sócios fundadores

não ele em nós



Más vá explicar isso para esses peões de milícias

que lêem livros com a inteligência de enxadas...

com a sutileza de quem manda assassinar inimigos

à golpes de picareta na cabeça



Os líderes? Esses sabem muito bem

e conversam muito amáveis comigo

em privativo

e dizem que sou o demo

para suas paróquias



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Beleza bélica

3 de dezembro de 2001



quando a diplomacia corrompe

a guerra, como um dilúvio nos reorganiza

menos e piores

mas com mais espaço para crescermos de novo



Quando apodrecemos como mato abandonado

a guerra nos incendeia e renova como incêndio

que reviravolta e deixa tudo pior

mas acaba com o processo de decomposição

e permite a renovação



A guerra acaba com os sonhos

suspende os delírios

cura até as bebedeiras...



Claro, todos reclamam

por terem de sair das camas

onde já nem amavam

apenas fantasiavam

que fantasiavam que amavam



A guerra nos faz andar nos campos minados

perder pernas, testículos, ilusões

mas ainda assim diminui a esterilidade

de membros inúteis em corpos flácidos

de mentes paralíticas



Carícias fora de contexto

enganam-me para que eu durma e engorde

para na hora do abate

não poder mais fugir

nem lembrar mais como lutar



Trago a guerra

e com ela muita destruição



Mas há tempos para críticas construtivas

quando há espaço para construir

e tempos para críticas destrutivas

quando o lixo, o sono

a unanimidade e a complacência tomam conta

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