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Artigos-->RADIO ONZE, UMA RÁDIO QUE FAZ DIREITO -- 03/11/2007 - 12:52 (Francisco Antonio Pereira da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
RADIO ONZE, UMA RÁDIO QUE FAZ DIREITO



Por Francisco Antonio Pereira da Silva (Chico Lobo)*



Mil Novecentos e Oitenta e Nove, ano de eleições presidenciais, fui chamado(?), para falar a verdade convocado(!) por um grupo de estudantes, calouros da Faculdade de Direito do Largo São Francisco USP, para ajudá-los a implantar uma emissora de rádio livre, não regulamentada (clandestina mesmo) no prédio do departamento jurídico daquela escola.



Tarde fria de junho, e derrepente me vi no alto daquele edifício de 28 andares atras da catedral da Sé, no coração da capital paulista, instalando uma antena de transmissão.



Essa seria apenas mais uma experiência corriqueira na minha vida militante em rádios livres, se não fosse pela longa trajetória que aquela pequena rádio "pirata" desencadeou, tanto na minha vida, como na vida de dezenas de jovens que por ela passaram.



Muita euforia e emoção. Eram jovens, uns com pouco mais de 18 anos, e eu, um "veterano" de 35, observando todo aquele brilho nos olhos de cada um deles, e que nunca consegui descrevê-los.



Antena instalada, descemos do telhado do prédio até o último andar onde se instalaria, meio aos montes de processos e documentos, um rudimentar estúdio doméstico composto por um pequeno aparelho de som, um toca-discos de vinil, um microfone de brinquedo e um pequeno transmissor de FM manufaturado artezanalmente por um velho amigo de rádio.



Dezenove horas, ouvíamos os primeiros acordes do Guarani de Carlos Gomes anunciando: "...Mais uma edição da Voz do Brasil..." num pequeno radinho de pilha ao lado de um amontoado de discos de rock. Naquele exato momento, ligamos o transmissor e começamos a primeira transmissão da rádio ONZE DE AGOSTO (dia do estudante).



"... Boa noite, rapaziada. Não precisa desligar seu rádio, pois de hoje em diante a Voz do Brasil terá o seu sotaque...",... anuncia Helder, um calouro nipo descendente em seu terninho escuro, parecendo até um advogado formado, ao fundo uma música de Frank Zappa.



Assim começa essa longa história...



Rádio livre já era fenômeno social na Europa desde o fim dos anos 70. Tanto é que sua organização foi uma das ferramentas que mais contribuiu para a eleição de Francois Miterran na França. Os italianos também despontaram com grande ousadia nos meios radiofônicos de baixa potência sem autorização "legal"...



As experiências brasileiras até então eram tímidas e desprovidas de consciência de causa. Eram iniciativas esporádicas de jovens que viam no veículo rádio de baixa potência uma oportunidade de por em prática suas experiências eletrônicas, ou até mesmo sobressair-se diante da "patota" como radialista do bairro. Entretanto, podemos registrar um fato inusitado ocorrido no verão de 82 na cidade de Sorocaba, quando um jovem adolescente estudante de eletrônica consolida um projeto de transmissor e repassa seu esquema a inúmeros colegas de escola. Naquele verão proliferaram mais de 100 pequenas experiências radiofônicas nos ares daquela cidade.



As discussões sobre as Rádios Livres já vinham ganhando corpo no meio estudantil desde 85, quando o filósofo francês FELIX GUATARRI foi recebido no Brasil pelos braços dos estudantes de Ciências Sociais da PUC-SP. Em sua tese "Revolução Molecular" Guatarri fala da organização da sociedade através de pequenos grupos e cuja ferramenta básica de comunicação eram pequenas emissoras de FM, com alcance restrito, cuja finalidade básica é tornar possível a horizontalização da comunicação social para melhor organizar a sociedade em busca das melhorias de todos os aspectos humanos, sociais, culturais, econômicos, enfim...



Com a vinda de Guatarri ao Brasil, essas experiências ganharam direcionamento ideológico nas mãos dos estudantes da PUC. No dia 20 de julho de 1985, era levada ao ar a Rádio XILIK. As transmissões partiam do campus daquela faculdade. Fundada então a primeira rádio livre politizada e não autorizada no Brasil, emissora esta que pelo fato da desobediência civil consciente, pelo momento político e pelo estardalhaço causado na mídia impressa, foi mais lida nas colunas policiais do que ouvida propriamente dito. Porém, o dial do FM aqui no Brasil nunca mais foi o mesmo. A rádio XILIK soube trabalhar como poucas os demais meios de comunicação. Notas de imprensa avisando de suas transmissões eram enviados ás redações. Com isso, a emissora foi ganhando espaço editorial em jornais e revistas. Com isso, aconteceu por osmose a proliferação de emissoras de rádio de baixa potência não autorizada (Rádios Livres) por todo canto do Brasil, principalmente nos Centros Acadêmicos. A grande imprensa que hoje combate as transmissões "ilegais" foi a mesma que divulgou a sua existência.



A experiência da XILIK ganhou corpo no meio estudantil quando seus organizadores resolveram dar a receita do bolo para os colegas de outras escolas e de outras cidades brasileiras. A participação da UNE foi o combustível do estopim. Em pouco mais de um ano, não havia estudante nesse país que não soubesse da existência e da experiência da XILIK e a grande fórmula mágica de se colocar uma rádio FM no ar com custos ao alcance de qualquer cidadão comum.



Na verdade, é isso mesmo, montar uma rádio livre nesses moldes nunca foi segredo bem guardado. É certo que os antigos esquemas de montagem artezanal de transmissores ainda ficavam engavetados nas oficinas dos técnicos em eletrônica. Vivíamos um fim de ditadura, vínhamos de uma geração que crescera meio aos "...cala boca Bárbara...". Expressar-se livremente ainda era assunto para se comentar á boca pequena. Mas o verbo entalado na goela podia explodir a qualquer momento. E aquele era o momento exato para abrir a boca de todas as formas e por todos os meios.



Particularmente, acredito que não haveria possibilidade da implantação da telefonia celular ou da Internet se vivêssemos agora numa ditadura qual foi a que passamos nos anos 60 e 70, independentemente dos padrões tecnológicos da época. Mas foi nesse cenário, fim de ditadura, que surgiu o que chamo de revolta eletrônica das "bocas-amordaçadas".



Da história da criatividade de nossos jovens artistas nos obscuros anos da ditadura nós já sabemos, mas nada se compara a ousadia que tiveram nossos colegas no trato do rádio livre (pirata para a grande mídia) na década de 80. Aliás, esse termo "pirata" não passa de uma grotesca maneira da imprensa burguesa depreciar a imagem e a causa das rádios livres.



Imagine a vontade de dizer das coisas que você acredita e gosta para mais além de seu rol de amizades. A poesia que retrata a visão e o que você sente das coisas sendo ouvida por "sei lá quem !!!"... As músicas, os compositores anônimos, o ilustre desconhecido revelando-se em talentos e habilidades outras, enfim, existindo intelectualmente e de forma popular, mostrando sua identidade para seus iguais, identificando-se com seu meio, e até mesmo desabafando suas mágoas, tesões, prazeres e angústias. Isso é rádio livre na mais humana das intenções.



Voltemos á história...



No ano de 89, fora formado no Centro Acadêmico XI de Agosto, um núcleo de estudos de legislação para apoio á Democratização da Comunicação, denominado "Núcleo de Comunicação Livre", grupo este que surgiu por conta da participação de vários estudantes de direito no "I Encontro Nacional das Rádios Livres" promovido pela UNE em março daquele ano na ECA/USP. Tal núcleo tinha como finalidade estudar todas as leis e normas legais para servir de apoio e sustentação á prática de comunicação popular, em especial á radiodifusão.



Entendíamos que sempre poderíamos encontrar brechas legais, jurídicas e constitucionais que pudessem propiciar o funcionamento de pequenas rádios populares escapando das garras da repressão.



Todos esses estudos foram publicados em duas apostilas: uma com linguagem técnica de direito para advogados; e outra popular de fácil entendimento a leigos.



Outra intenção desse núcleo, era de se criar uma rádio no ambiente estudantil para servir de laboratório (na verdade cobaia de si próprio) para avaliar as conseqüências de possíveis atos de repressão por parte dos órgãos fiscalizadores e a maneira a qual os praticantes deveriam se defender judicialmente.



Dos meninos da faculdade de Direito, nasceu essa consciência e vontade. No princípio eram pouco mais de 10 colegas, para falar a verdade cabalística eram 11 a organizar a rádio ONZE.



Sua programação era diária (de segunda a sexta apenas), pois nos finais de semana o prédio que abrigava a rádio ficava fechado. Além do que sua programação era de apenas uma hora por dia (durante a Voz do Brasil). Acreditava-se que naquele momento, as pessoas ao invés de desligar o rádio, passariam a "...sintonizar a nossa emissora...".



O lema e o objetivo do grupo eram claros: dar uma opção de rádio inteligente e alternativo naquela hora; subverter a ordem para provocar os poderes na intenção que estes acordassem para a causa da comunicação eletrônica popular; Dar o recado, ou seja "...enfim expressar-se ousadamente..."



Nos primeiros anos de vida a ONZE nunca teve endereço certo. Ora estava no prédio do jurídico, ora na casa de algum colega, ora até mesmo na minha casa. Carregávamos o transmissor e equipamentos numa mochila de cima para baixo pelas ruas da cidade e as instalações aconteciam em qualquer lugar disponível. Éramos "radialistas ambulantes". Mal sabiam os ouvintes que muitas vezes o locutor que ouviam estava sentado no chão de uma área de serviço, no porão de algum prédio, ou até mesmo na bacia de uma privada num banheiro público .



Numa ocasião, uma colega, residente num prédio no Largo do Arouche disponibilizou a área de serviço de seu apartamento para uma transmissão com a condição que seus pais não descobrissem nossa "clandestina" atividade radiofônica. A única maneira que encontramos para disfarçar, foi realizar uma suposta "festa" com os colegas da faculdade no seu apartamento. E até hoje, os pais da moça acreditam que tudo não passou de uma festinha juvenil, enquanto uma transmissão de rádio acontecia de fato dentro de sua própria residência.



Finalmente, depois de um de refluxo entre 93 e 94 ela ganha endereço certo, com direito a CEP e tudo em 95. Revitalizada por um então calouro (Rodrigo Lobo) ela vai parar montadinha com tudo o que tem direito (mixer, cd-player, microfones, etc...) na Casa do estudante, uma república organizada pelo Centro acadêmico num prédio próprio de onze andares na av. São João 2044, um núcleo residencial do C.A, fundado em 1948 no centro de São Paulo.



A partir de então, a Rádio ONZE com vida nova é reinaugurada no dia 11 de agosto de 1995 com a presença de inúmeras personalidades acadêmicas, entre diretor da faculdade, ex estudantes, professores, advogados, juizes, desembargadores, todos apoiadores de nossa causa, presenciando o ressurgimento de uma emissora "clandestina" diante dos olhos duros da lei. E mais ainda: todos assinando o livro de ouro e parabenizando cada colega da rádio em calorosos discursos no microfone da rádio.



Sinceramente, eu não acreditei o que estava vendo...



PATRONO ILUSTRE



A Rádio ONZE, tem como patrono um dos mais ilustres mestres daquela escola: O prof. Goffredo da Silva Telles Jr, tanto que esse mestre declarou explícito apoio á rádio através de um Manifesto transmitido na re-inauguração da Rádio Onze, dia 11 de agosto de 95, na Casa dos Estudantes.



São essas seguintes as suas palavras:



"...167 anos a velha e sempre nova Academia de Direito do Largo de São Francisco, 167 anos comemoram hoje os cursos jurídicos no Brasil. Auspicioso dia este, o dia de hoje, para a inauguração da Rádio Onze, que transgride a lei arcaica para provocar um novo código... ... A Rádio Onze é o rádio da liberdade, e hoje é o dia da liberdade por excelência. E vocês sabem por que eu digo isso? Digo isso porque hoje é o dia do direito, e o direito é a garantia da liberdade. A Rádio Onze será sempre, eu bem sei, será sempre uma expressão da liberdade dos acadêmicos da São Francisco. Será sempre uma trincheira contra todas as formas de opressão. Ela própria é uma rádio livre. Uma rádio que lutará sempre contra o odioso sistema atual dos privilégios em matéria de concessão dos canais de rádio e televisão. Inauguramos a Rádio Onze no 17°. aniversário da Carta aos Brasileiros, documento lido em nosso pátio em plena ditadura ante uma grande multidão de povo, estudantes, intelectuais, políticos. Documento que deu início ao processo de redemocratização de nossa terra. Inauguramos a Rádio Onze no 20°. aniversário da morte do Frei Tito, vítima heróica da tirania, vulto simbólico da resistência contra a ditadura. Viva a Rádio Onze! Vamos construí-la, vamos mantê-la, vamos conservá-la como o instrumento indestrutível da liberdade!"



Goffredo da Silva Telles Jr.



Prof. Emérito da Fac. de Direito da USP



The Day After...



O dia seguinte tudo parecia muito novo, renovado, as reuniões que se seguiram eram repletas de pessoas e idéias. Na verdade, sem esconder o fato, é que os próprios estudantes da faculdade, além do grupo organizador, pouco se interessaram em participar mais ativamente da rádio. Estavam muito mais preocupados com as matérias a estudar e as cervejas no bar do C.A.. Quando a rádio dava uma festa, muitos colegas da FADUSP compareciam, porem a ampla maioria das pessoas que passaram a freqüentar e a compor efetivamente o quadro da rádio eram os moradores da região e outros colegas de outras áreas.



NOSSA ÉTICA



Havia um código de ética que resolvemos adotar: nunca iríamos "comercializar" a programação, jamais adotaríamos patrocinadores. Manteríamos a rádio com nossas contribuições pessoais e coletivas, manteríamos uma emissora com a única finalidade de dar voz a todas as pessoas (onde a rádio pudesse alcançar) que tivesse algo a contribuir com a sociedade, seja no aspecto cultural, informativo, educacional, artístico, mas sempre visando o alternativo, inclusive em sua estética e linguagem.



"...A rádio é um projeto social", define o Diretor Administrativo da emissora, Rodrigo Lobo. Ele destaca a inexistência de inserções comerciais na programação, o que colocaria a Onze no rol das rádios livres, denominação preferida pelo estudante. "Tem muita piratinha por aí disfarçando-se de comunitária", denuncia Lobo...". (O Estado de S. Paulo, caderno Seu Bairro, 25.06.96)



Houve um tempo em que pensamos em admitir alguma forma de patrocínio para mantê-la melhor, mas essa discussão foi vencida e entendemos que estávamos correndo riscos de sermos de certa forma "aliciados" caso entrasse dinheiro de fora.



PROGRAMAÇÃO



Vários foram os programas produzidos e veiculados pela ONZE. Ia desde os programas de rock, sambas, MPB, alternativos passando por programas de humor e entrevistas, até programas que tratavam de etnias e suas raízes culturais.



No começo dessa fase, houveram convocações feitas pela própria rádio á comunidade. Na programação, chamamos os ouvintes a participar de nosso quadro, a sugerir e realizar programas. Pedíamos que trouxessem projetos de programas por escrito para que pudéssemos avaliar como teríamos que ajudar na produção ou priorizar este ou aquele projeto. A comunidade respondeu de imediato e num prazo de seis meses, tínhamos quarenta programas semanais funcionando 24 horas diárias ininterruptamente.



Vários foram os projetos apresentados pela comunidade local, porém, alguns sobressaíram e tiveram longa vida na ONZE.



Dentre estes, podemos destacar: "Saturday Night Rock", um programa produzido e apresentado por Rodney Brocanelli, estudante de jornalismo, que contava a história do rock. Um programa bastante informativo e instrutivo acima de tudo. Tratava do rock não apenas como um ritmo ou gênero musical de entretenimento, mas como manifestação de gerações com seus desdobramentos culturais e sociais. Nesse programa tocava-se todos os gêneros de rock, nacionais, europeus, asiáticos, antigos e modernos, desde Bil Haley até os mais inéditos, gravados domesticamente em fundos de garagem. Como o próprio nome sugere, ia ao ar todos os sábados a noite.



No samba, tínhamos dois programas distintos: O "Trem das ONZE" que tratava do samba paulistano e o "Praça ONZE" que tratava do samba carioca. Ambos produzidos e apresentados por Cadu, um professor de filosofia e história que muito contribuiu com sua participação. Esses dois programas também tinham a preocupação do resgate histórico das tradições do nosso samba, mas também falava do Choro e das modinhas de carnaval das antigas.



Outro programa bastante interessante era o RÁDIO ARTE produzido e apresentado por Emerson Luiz da Silva, um então estudante de publicidade da Casper Libero. Seu programa era bastante inteligente, falava de arte, cultura, economia, política, literatura e tudo o que rolava no mundo da publicidade. O conteúdo principal desse programa era alertar o ouvinte das tramas que a mídia prepara para formar consumidores de toda ordem...



Houve também um programa de Hip-Hop produzido e apresentado por Tiago "Fulaninho", um adolescente de 15 anos que apresentava seleções de braks, Rap e funk. Alguns programas ao vivo com MC`s e DJ`s.



Virávamos as madrugadas de segunda a segunda. Não havia tempo de fazer manutenções nos equipamentos ou sequer de fazer aquela faxina periódica. Constantemente a ONZE era "visitada" por inúmeras pessoas que passaram a freqüentar a rádio como um ponto de encontro a qualquer hora. Nessa época, eu fui convidado a fazer parte efetivamente da emissora, cuidando da manutenção técnica do transmissor e dos equipamentos de estúdio. Para falar a verdade, cheguei a "morar" no estúdio. Acompanhei tudo o que acontecia por lá 24 horas por dia durante mais de um ano e foi realmente surpreendente.



Muitos amigos fizemos na rádio ONZE, mas há um nome que não pode ser esquecido. É o de Laerte Vicente, divulgador e agitador cultural (ele trabalha com o Língua de Trapo há muitos anos). Ele tinha um programa de MPB às segundas-feiras. Nesse programa só tocava produções independentes. Aqueles discos que não toca em nenhuma emissora por questões dos interesses da indústria cultural.



O ESPAÇO



A arquitetura e o espaço que ocupávamos era bastante interessante e sugestiva (o terraço do prédio da casa do Estudante) que alem de possuir uma paisagem magnífica de São Paulo, tinha uma bela área de uns 120 metros quadrados, onde realizávamos grandes encontros culturais meio a festas e cervejadas, além do quartinho do estúdio que não tinha mais que 10 metros quadrados.



Essas festas, muito contribuíram economicamente com a rádio, vendíamos cervejas a um preço módico e ao mesmo tempo promovíamos barbaramente nossa atividade. Recebemos sempre estudantes de todas as escolas da USP, PUC e até da UNICAP, gente que vinha de longe trazidas pela repercussão causada no meio estudantil.



Sempre que realizávamos estas festas, procurávamos fazer transmissão ao vivo das bandas que lá apareciam para animar. Não preciso falar que o barulho causado nas madrugadas dos sábados festivos não deixava ninguém dormir num raio de 100 metros da varanda do prédio, no mínimo. Toda vez a polícia era chamada para nos convencer a "abaixar o som". Como o prédio é uma extensão do campus Universitário, a polícia só podia entrar com mandado judicial e autorização da autoridade acadêmica, e a polícia comparecia com várias viaturas na porta do prédio, mas não entravam. Como tudo era sempre feito com muito bom humor juvenil, por brincadeira, pedíamos no microfone que os participantes da festa fossem educados e não "cuspissem" nos policiais lá de baixo, tamanha era a segurança e a autonomia que sentíamos ali.



Só para retratar um fato histórico, a sala onde abrigava a ONZE era ocupada no passado, durante a ditadura, por uma pequena gráfica que imprimia jornais de contestação ao regime militar e nunca foi surpreendida por nenhuma repressão.



Outro projeto que ocupava o terraço e que não pode ficar de fora é o "Projeto Ao Ar Livre", uma mistura de show com programa de rádios. Trazíamos bandas, cantores novos para mostrar seu trabalho lá no terraço da rádio. Tivemos o prazer de ver shows de cantores como Zezé Freitas, a dupla Sebah de Assis e Bob Góia, das bandas Nenê Vodou, B-12 Blues Band, entre outros. Para a ONZE era uma mistura de show com transmissão de futebol. Explicando: Rodney e Mário Reys, colega da Jovem Pam agregado á ONZE, atuando como repórteres, entrevistávamos os artistas antes deles tocarem. Aí rolava a apresentação de cada um e daí voltávamos a entrevistar quem havia tocado. Era um barato!



Uma família de rádios livres.



Descobrimos que nossa iniciativa já vinha sendo seguida também pelos estudantes da UNICAP que montaram em seu campus uma rádio chamada RADIO MUDA que acabou se tornando nossa co-irmã. Essa rádio funciona até hoje e também tem uma bela história que merece ser conhecida.



Outra rádio co-irmã que bastante contribuiu com o movimento é a Rádio Reversão, instalada na Casa de Cultura Reversão na Vila Ré (zona Leste) sob orientação do jornalista Leo Tomaz. Essa casa existe até hoje e é também um ponto de encontro de artistas paulistanos.



Entre nos, co-irmãos de rádio, sempre houve muito intercâmbio e apoio mútuo, tal é que quando a Rádio Reversão foi aprendida pela Polícia Federal, o CA de direito e a ONZE se colocaram a disposição do caso.



Rádio ONZE e o Minhocão.



A casa do Estudante esta situada ás margens do elevado Costa e Silva (minhocão). Do terraço da rádio se avista boa parte daquele viaduto. Durante os domingos ele é fechado ao tráfego entregando um pouco de tranqüilidade e uma bela área de laser para as pessoas que moram nas suas redondezas. Muita atividade esportiva, artistas circenses, pipoqueiros, crianças, ciclistas, solteirinhos e casadinhos passeiam sobre o minhocão nos domingos ensolarados.



A rádio ONZE participava desse happening sonorizando do alto do prédio com caixas acústicas sua programação musical e breves boletins informativos ao vivo. Se a audiência da ONZE já era expressiva, nos domingos então tínhamos uma audiência forçada. Centenas de pessoas a passear a pé no alto do viaduto ouvia nossa programação.



O então prefeito Paulo Maluf encaminhou á câmara municipal projeto de lei que abriria o tráfego de veículos no minhocão aos domingos. A comunidade perderia com o trânsito infernal, a poluição e a única área de laser disponível na região no final de semana.



Sensibilizada com a causa, a ONZE desencadeou uma intensa campanha contra o projeto e mobilizou muita gente da região. Um dos colegas programadores da rádio, Rodney Brocanelli era estagiário de jornalismo na Folha de São Paulo, este conseguiu atrelar numa matéria de capa da Folha a atuação da ONZE. Desencadeou-se a partir de então uma série de reportagens jornalísticas envolvendo a rádio e a causa, que chegou até no Jornal Nacional e nas Notícias do Fantástico da Rede Globo. Não preciso dizer que o projeto foi recusado na câmara.



Algumas dessas reportagens:



"...A Rádio Onze, do Centro Acadêmico, que funciona no prédio, faz campanha para impedir a reabertura do Minhocão à noite e nos domingos, proposta pelo prefeito Paulo Maluf. A Câmara Municipal aprovou lei que proíbe a mudança, mas o prefeito pode vetá-la. Mais de 3 mil assinaturas de protesto já foram feitas, entre estudantes e vizinhos..." (O Estado de S. Paulo, caderno Seu Bairro, 03.06.1996)



Zakabi, Rosana. "Moradores fazem abaixo-assinado contra reabertura do Minhocão". Folha da Tarde, 15.04.96



"2 mil assinam contra Minhocão à noite". Folha de S. Paulo, 15.04.96



"Moradores lutam contra reabertura do Minhocão". Diário Popular, 22.04.96



"Minhocão precisa de reforma para reabrir". Diário Popular, 28.04.96



-Silva, Adriana Souza. "Deixe-os dormir em paz". Jornal do Cambuci, 05.05.96



Após a pressão da comunidade, Maluf desistiu da idéia e os moradores próximos ao Minhocão continuaram mantendo seu sossego.



AIDS, UMA RESPOSABILIDADE DE TODOS NÓS.



Dentre as campanhas desencadeadas pela ONZE, a que mais mobilizou internamente os colegas foi durante a participação do GIPA (Grupo Independente de Prevenção á AIDS) na nossa programação. Uma campanha que envolveu toda a equipe de mais de 40 pessoas empenhadas em todos os setores dessa campanha. Criamos e gravamos jingles, chamadas, entrevistas com especialistas e chegamos a publicar um fanzine em forma de história em quadrinhos que causou muita polêmica por ter algumas ilustrações, consideradas por alguns como "pornográfica". Tínhamos uma linguagem bastante ousada e contundente na época para chamar a atenção principalmente dos jovens. Fazíamos radionovelas encenando situações que levavam á reflexão sobre a AIDS e ao uso de preservativos. Não escolhíamos horários, colocávamos no ar a todo e qualquer momento essas peças radiofônicas que chegaram a escandalizar os ouvintes mais conservadores, mas com certeza hoje temos a consciência que nossa parte foi feita, mesmo com as críticas e alguns boicotes que sofremos.



"...A proposta é agir contra o preconceito e a desinformação. Chamadas informativas sobre as dificuldades dos portadores da doença são veiculadas durante a programação. A Rádio Onze pode ser sintonizada no centro e em Santana...". (O Estado de S. Paulo, Caderno Seu Bairro, 01.09.97 )



Nessa campanha, tínhamos uma novela bem humorada, "O Preço de uma Transada" , parodiando uma antiga novela da TUPY "O Preço de uma Vida", satirizávamos com sotaque mexicano o melodrama de algumas novelas. Nossa novela era interpretada por três colegas da rádio. São eles: Cláudio Camundongo, Clayton Ovelha e o Luizinho Fumaça, ao vivo e sem nenhum script. No pseudo roteiro, sempre protagonizada por uma prostituta (Emanuellita) tipo daquelas retratadas nos textos de Plínio Marcos (bem escachada) envolvia-se com sua clientela, um amante cafetão (El Capachon) e um delegado apaixonado (Doutor Tufulão). Tudo corria no improviso, com linguagem tão rudimentar e ousada quanto curiosa que provocava a manutenção da audiência. Porém, sempre no sentido de alertar os ouvintes sobre a proliferação da AIDS e suas formas de prevenir-se.



Também nessa campanha, tínhamos outro programa que rolava ao vivo nas madrugadas de sábado. Era a "GAIOLA DAS LOUCAS" produzido e apresentado por algumas garotas da rádio , Regina Perva, e Lucinha, dirigido ao mundo Gay da Vila Buarque, bairro vizinho a Casa do Estudante. Segundo consta opiniões de nossos ouvintes, esse programa era ainda mais "pé na lama" que nossa novelinha. Mas acreditamos que foi essa linguagem ousada que provocou a audiência que tivemos seguido dos resultados alcançados, uma repercussão sem igual.



Temos que lembrar da querida atriz Renata Roman, que implantou um núcleo que rádio-teatro na Onze, com adaptações de textos de autores do exterior que fizeram muito sucesso à época de sua veiculação. Ela muito ajudou na campanha do GIPA.



Dados técnicos



Nossa potência era pequena. Não transmitíamos com mais do que 50 watts. Com essa potência, não alcançamos muita distância. Porém estávamos instalados numa situação bastante privilegiada: num prédio de onze andares no meio da maior concentração urbana de todo o Brasil. A nossa volta, num raio de 2000 metros temos o maior índice demográfico por quarteirão quadrado de toda São Paulo. São centenas de prédios com mais de dez andares, residenciais e comerciais, localizados na Santa Cecília, Higienópolis, Barra Funda, Bom Retiro, Sé, Perdizes, Vila Buarque, Campos Elíseos, Consolação e até parte do Pari, com uma população bastante diversificada. A verticalização urbana nessa região é tamanha que em um único quilômetro quadrado contém a população de uma cidade inteira de porte pequeno. Nesse cálculo, 2000 metros de raio, transmitíamos para mais de 12 quilômetros quadrados de área abrangida no coração da cidade. Com certeza atingíamos um milhão e meio de potenciais ouvintes. Claro que não poderíamos contar com toda essa população ouvindo nossa rádio, mesmo por que a audiência dos meios de comunicação em grandes centros são muito diluídos devido ao grande número de opções, mas mesmo assim é bastante representativo o que conseguíamos de audiência.... Também éramos sintonizados em bairros mais distantes, aqueles que se situam em regiões altas da cidade, como por exemplo o alto de Santana, o Alto da Cantareira, Casa Verde Alta e outros mais.



Não tínhamos telefone, apenas um bip pager onde recebíamos as mensagens dos ouvintes de toda parte. Creiam, recebíamos mais de 200 mensagens a cada 24 horas. Lembrando que toda nossa atividade era realizada por voluntários e carentes de comunicação.



"PARTIDO" POLITICO PRÓPRIO



Na mesma calçada da Casa do estudante, havia uma gráfica especializada em cartazes de rua (lambe-lambe) de propriedade de José Roberto Redel Borges, um senhor de 40 anos, que adora política e é anarquista por convicção. Seu apelido é "Pato" e é autor de vários cartazes que foram colados pela cidade afora nos idos dos anos 90 com as seguintes frases: "Fernandinho, tá uma Bosta...", "Fernandinho, sai da moita...", "Itamar ,sua burrice o Fusca...", "De Fernando em Fernando a gente vai se ferrando..." , "eleitor circense, papel de palhaço...", entre inúmeros outros que chegaram a provocar matérias até na grande imprensa.



Pois bem, certa feita precisávamos divulgar a Rádio através de cartazes e resolvemos então falar com aquele gráfico da rua. Papo vai, papo vem, acabamos por nos identificar com aquela "figura", bastante comunicativa alegre e inteligente, e o convidamos para fazer parte de nosso grupo de programadores. Com a participação do Pato, nossa rádio ficou mais bem humorada ainda. Ele colocou no ar um programa humorístico que falava de política chamado "A HORA DO PATO". Nesse programa, ele comentava os acontecimentos político-econômicos da semana, com um tom bastante divertido e sarcástico. Em troca de seu horário, ele colocou toda a sua gráfica a serviço da ONZE. Então, a partir dessa data, tínhamos cartazes espalhados por todo o centro da cidade...



"O apelido PATO de Redel, vem da sigla de seu imaginário partido "Partido Abstrato Tropical Onírico - P.A.T.O"..., cuja presidência ele mesmo "assumi" com o próprio voto - "... O suposto e bem humorado "partido" nasceu em 1991 durante o governo de Fernando Collor de Mello e é a resposta aos grandes partidos contra a inércia e o silêncio diante dos desmandos do presidente. Para manifestar nossa indignação fizemos espalhar pela cidade de São Paulo cartazes com a frase: "FERNANDINHO TÁ UMA BOSTA..." afirma Reder



Uma figura de linguagem, um partido inexistente que "...dá voto aos eleitores e não aos políticos...", vive de utopias hilariantes e depõe contra as práticas corruptas dos políticos tradicionais... "...Não tem medo de dizer que está amando..." e tem como vice presidente um gato de nome "China" de estimação do próprio Redel. Tudo como uma engraçadíssima piada que é usada para fazer cócegas na consciência de seus "correligionários" e ouvintes e fazê-los acordar para a realidade.



"...O programa de Reder na Rádio Onze vai ao ar às 19 horas das terças-feiras, dedicado principalmente ao rock dos anos 60 e 70. Por isso, o anarquista tem nos roqueiros os principais aliados para sua, digamos, causa. "Já temos ninhos do Pato no Mato Grosso, Rio, Ceará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Distrito Federal", enumera Reder. No caso de Brasília, é a banda DFC que espalha cartazes pela cidade. "Eles vieram fazer um cartaz na gráfica e cooptei eles", explica. A mesma "cooptação" ocorreu com os alunos de direito da USP..." (O Estado de S. Paulo, caderno Seu Bairro, 12.09.96 ) .



Com cartazes como: "Pirata é a mãe - Rádio Onze, a rádio que faz direito em 98,9 mhz". A alusão "faz direito" , porque ela havia nascido na faculdade de Direito do Lgo. São Francisco. E também, "faz direito" , como quem diz: "... da maneira certa e correta, sem atrelar-se ao mercantilismo do sistema..." . E assim foi nossa campanha pela cidade ao lado de um "partido" imaginário.



COLEGAS DE RÁDIO



Outros parceiros foram os trabalhadores da rádio CBN (rede Globo). Eu disse, os trabalhadores.... Pois bem, a Casa do Estudante fica a menos de 100 metros do estúdio da CBN da rua das Palmeiras. De nosso estúdio conversávamos com seus jornalistas da redação e técnicos através de um HT (transmissor portátil) que tínhamos disponível. Ouvíamos sua programação e éramos ouvidos por eles. Uma maravilha. Tínhamos certeza que ao menos de dentro do sistema Globo de rádio tínhamos ouvintes assíduos e curiosos.



Quantas foram as vezes que colocamos o áudio da CBN no ar em nossa programação quando os radialistas faziam as reportagens do helicóptero sobre transito do centro da cidade. Eles sabiam que estávamos "roubando" suas matérias, mas nada reclamavam, pois entendiam nossa intenção.



Na CBN também fizemos amizade com o saudoso Johnny Black, o famoso DJ do Faustão. Ele era veterano técnico daquela emissora com mais de 30 anos de efetivo trabalho em radiodifusão, nosso melhor contato lá dentro e grande amigo também. Nos finais do seu turno de trabalho, tomávamos boas cervejadas juntos na padaria da esquina da rua das Palmeiras, e nessas ocasiões, ele nos ensinava tudo sobre os segredos da radiodifusão: Linkagens, mixagens ao vivo, histórias do rádio, mutretas dos poderosos patrões do rádio, enfim... Foi ele quem conseguiu resgatar na discoteca da Globo e nos presenteou com uma gravação do hino do estudante da São Francisco criado em 32 e gravado nos anos 60 pelo coral da USP.



"Quando se sente no peito



O toque heróico que brada



Deixa-se a folha dobrada



Enquanto se vai morrer..."



Essa gravação passou a ser a vinheta de abertura, encerramento e identificação de nossas transmissões.



Vamos lembrar também da participação de colegas de outra rádio comercial, a Jovem Pan, que trazidos por Émerson Luís, deram uma importante contribuição. Não vou lembrar o nome de todos eles, mas acho que dois são mais representativos: Mário Reys (hoje na Rádio Bandeirantes) e Cláudio Melquisedeque (hoje na América On Line). Eles faziam ao lado do Émerson um programa na ONZE chamado "Conexão São Paulo" , com muitos debates e entrevistas.



Um desses programas foi produzido com essa equipe e mais o Rodney, que era nosso assessor para assuntos de Rock. Resolvemos fazer um super especial com o trabalho dos Beatles.



Foi uma loucura. Resolvemos tocar absolutamente TODAS as músicas dos Beatles, inclusive as gravações piratas e sobras de estúdio publicadas antologicamente e contar sua história na íntegra. Foi uma maratona que durou quase 24 horas ininterruptas. Preparamos os textos, consultamos mil revistas e livros biográficos da banda, anunciamos durante quinze dias durante toda a programação.



Chegou o grande dia. Trancamo-nos no estúdio as seis horas da tarde e saímos de lá no outro dia no finzinho da tarde. Recebemos mais de 250 recados no Bip Pager. Acredito que este foi o mais longo programa de rádio que tive notícia.



UM FURO DE REPORTAGEM



Quando Diolinda e seu marido José Rainha, lideres do Movimento Sem Terra foram presos aqui em São Paulo em 96, ficaram por mais de duas semanas incomunicáveis até ser expedido o alvará de soltura. Toda a imprensa brasileira ficou mobilizada para colher seus depoimentos, mas por decisão policial, nenhum repórter conseguiu acesso a eles. As emissoras davam flaches a todas edições extraordinárias com depoimentos de outros líderes do MST, de autoridades, enfim,,, Mas de Diolinda e Zé rainha, nem pensar... A expectativa era enorme dias a fio. Toda a população e em especial os movimentos sociais aguardavam ansiosos qualquer palavra. Dezenas de carros de reportagem de todas as emissoras se amontoavam diuturnamente na porta do presídio, mas nenhuma emissora ou jornal conseguia algum depoimento deles.



A ONZE, como uma entidade militante também das causas sociais e populares, como sempre manifestou apoio ao MST, colocando nossa rádio para informar a população daquelas ocorrências e seus desdobramentos, Pois bem, uma amiga nossa, militante da CUT, colocou-nos a disposição dessa causa exatamente no sindicato dos Carcereiros do Estado de São Paulo, que fica sediado ao lado do presídio feminino.



Na sede desse sindicato, montamos um estúdio móvel improvisado e escondido de toda mídia, de onde passamos a transmitir boletins com as informações que Diolinda passava para as carcereiras militantes do sindicato.



Nós não ficamos satisfeitos com isso. Queríamos mais. Naquela época não havia celular. Então pegamos aquele velho HT (Hand Transmiter), desmontamos bateria, antena e corpo e ensinamos uma das carcereiras de Diolinda a monta-lo dentro do presídio. Para encurtar o caso, esse HT foi parar dentro da sela de Diolinda, e de lá ela deu-nos uma entrevista exclusiva.



Para pagar a gratidão dos colegas da CBN, informamos a eles sobre nossa façanha e permitimos que eles também entrasse em rede conosco. Foi a Glória. Uma rádio clandestina, transmitindo de dentro do presídio em rede com a Globo... As perguntas á Diolinda eram feitas por nossos colegas de equipe e tudo era transmitido pelas ondas da ONZE e retransmitida em rede nacional pela CBN. Nessa tarefa, estavam Cláudio Camundongo, Luizinho Fumaça e eu, segurando os pepinos técnicos. Ficamos mais de uma semana "acampados" no sindicato, até o desfecho final com a liberdade de nossos companheiros do MST.



Os amigos da CBN sempre diziam-nos que trabalhavam na Globo por profissionalismo e necessidade, "...mas se pudessem dedicariam seu tempo na ONZE, pois lá sim se faz rádio de verdade..." e que nos invejava pela oportunidade que vivíamos...



UMA BREVE INTERRUPÇÃO



Em meados de maio de 2000, a ONZE foi surpreendida pela fiscalização da ANATEL, órgão fiscalizador e regulamentador da radiodifusão brasileira. Foram quase onze anos de transmissões sem nenhuma agressão da repressão. A fiscalização não apreendeu nenhum equipamento da rádio, com exceção do transmissor (já velho demais para continuar funcionando. Todo o equipamento da ONZE continua instalado no estúdio da Casa do Estudante como há anos, esperando que nossos colegas retornem com suas transmissões.



Formado um processo como manda a lei vigente, hoje sabe-se que foi solicitado o seu arquivamento a pedido do próprio promotor incumbido do caso.



Aguardamos a possibilidade de retomarmos com uma liminar judicial, mas até lá continuamos a manter contato com nossos colegas e ouvintes através do site e do grupo de discussão sobre rádios livres.



Das histórias da ONZE, poderíamos escrever uma enciclopédia temática e ainda faltaria papel. No resumo que consegui juntar, graças a colaboração dos colegas citados, para refrescar a memória, retrata apenas alguns fatos mais marcantes no meu entender, mas muito ainda temos que fazer pela radiodifusão livre. A Rádio ONZE foi durante uma década a referência de Rádio Livre para uma geração de estudantes. Com seus erros e acertos, ousou fazer, burlou a burocracia e deu voz, ensinou a receita e fez sua parte.



As leis regulamentadoras das rádios comunitárias vieram escritas por mãos que não se interessam pela causa, ou pior, não querem ver o sucesso desse meio por questões de interesses bastante distantes da lisura.



Montar uma rádio tecnicamente bem instalada, hoje é muito fácil. Há no mercado várias marcas de transmissores industrializados e homologados pelo Ministério das Comunicações. O dial paulistano hoje está repleto de pequenas e grandes rádios alternativas, mas infelizmente sem direcionamento cultural e ideológico definido, sem uma intenção clara senão a de reproduzir a prática das grandes rádios comerciais. Em sua ampla maioria são emissoras ditas "religiosas" que estão no ar para "fazer a cabeça" de pessoas desesperadas; emissoras dinheiristas, chamo-as de "rádio-quitanda", vende de tudo um pouco, politiqueiras, verdadeiros palanques radiofônicos, enfim de tudo o que nunca quisemos fazer.



Na cidade de São Paulo, não há mais espaço no dial. Nossa freqüência foi ocupada clandestinamente por uma emissora evangélica. Por conta disso, hoje, a Rádio ONZE passa por um período de refluxo. Não sabemos quando poderemos retomar novamente nossas atividades de comunicação, se teremos de mudar nossa freqüência, se será efetiva ou esporádica nossa transmissão (como no começo de nossa história). Sonho que essa seja apenas uma página virada na história da ONZE e que logo retornaremos com novo capítulo.



Muitos de nossos antigos colegas estão formados e cuidando de suas tarefas profissionais e pessoais, mas garanto que com eles, muito vivi e aprendi sobre a verdadeira função da radiodifusão democratizada, conceitos revistos e horizontes aclarados nestas questões. Trago muita saudade de todas as emoções vividas e de todas as lições que aprendemos nesse convívio. Temos certeza também de nossa contribuição social e cultural, mesmo hoje diante da regulamentação das emissoras de baixa potência (Lei 9612) a desobediência civil consciente que cometemos também foi parte da luta que culminou na consolidação das Rádios Comunitárias, hoje tão em voga no país.



Nos, fundadores da ONZE somos radicalmente favoráveis a democratização da comunicação, mas o que vemos é a má utilização desse veículo chamado rádio que ajudamos a democratizar.







*(Chico Lobo) Francisco Antônio Pereira da Silva



Vice-presidente da Associação das Rádios Livres do Estado de São Paulo



Co-fundador da Rádio Livre ONZE (89) e Rádio Livre DENGUE (86)



Professor de Radiodifusão



Bibliografia consultada:



*O Outro Lado da Voz do Brasil - Marisa Meliani - Tese de mestrado USP/ECA 1995



*Rádios Livres, A Reforma Agrária no AR - Masagão, Magri e Machado







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