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Cartas-->AMOR À CULTURA ALEMÃ -- 24/07/2002 - 03:57 (denison_obras selecionadas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Veja que texto emocionante sobre os alemães...foi escrito por um membro do Clube Beethoven, que eu mantenho na Net:

Caros amigos,

Ano passado, à espera de alguma aula a qual não mais me recordo,
tive um interessante diálogo, curto mas intenso, com uma colega da
faculdade. Sentada numa cadeira ao canto do corredor, pois ela não
sentaria no chão como as outras colegas, trajava essa moça uma roupa
peculiar no ambiente informal da PUC. Via-se logo que era bem
religiosa; foi algo que não esqueci. Como era novo na classe e estava
voltando a estudar depois de uma longa viagem, decidi travar
conhecimento com os novos colegas.

Aproximei-me da moça, cujo nome esqueci, e puxei papo. A conversa
começou agradável, até achei ela bonitinha. Ela me perguntou pelos
motivos da minha viagem. Foram por motivos intelectuais que viajei à
Alemanha. Grande parte do pensamento científico que conhecemos teve
início lá. Principalmente nas áreas das linhas psicológicas a língua
alemã é primordial. A psicanálise surgiu com Freud e outros como
Firenczi, Sachs, Abraham e Adler. Jung, discípulo rebelde de Freud,
que deu início à psicologia analítica, era suíço alemão. A própria
psicologia como suposta ciência foi instituída por Wundt e seus
colegas em Leipzig na segunda metade do século XIX. Na psiquiatria,
temos Kraepelin, que estudou a fundo a tão misteriosa demência
precoce, que Bleuler (colega de Jung) mais tarde chamaria de
esquizofrenia, e até hoje as bases de seu pensamento são utilizadas.
Na filosofia foram tantos: Hegel, Feuerbach, Kant, Nietzsche, Marx...
A literatura de língua alemã também é extensa: quem nunca se
impressionou com uma história de Kafka ou com a crueldade que
Remarque descreveu a guerra? A profundidade de Thomas Mann (tanta
atenção dada à música...), cuja mãe era brasileira, e de sua família,
a ironia de Heine (que estou lendo nesse exato momento), o erotismo
de Schnitzler, o humanismo de Zweig... O fascínio que Goethe
desperta, ele que transcendeu a poesia e a literatura e se tornou
também um grande fisiologista, mestre em botânica e ministro. Ainda
não poderíamos incluir Lutero pela sua importância histórica ao ter
traduzido a bíblia?

A moça ouvia atentamente e, às vezes, complementava com algum
autor ou obra. É bom encontrar alguém para conversar essas coisas.
Continuei dizendo que a vida é tão breve para conhecer uma pequena
parte da produção artística e científica do homem. Autores de língua
alemã como Brecht, Rilke, Musil, Hölderlin, Hofmannsthal, e Hoffmann,
eu ainda não conheço, mas não por falta de vontade.

No entanto, existe ainda um motivo, que na verdade é o principal
motivo, da minha ida à Alemanha. “Qual?”, perguntou a moça, =
220;Seria
uma namorada, amigos ou familiares?”. Na verdade, o maior motivo de
todos, aquilo que abriu minha cabeça para tudo, que me fez entender
melhor o homem e a arte, que de fato mudou e determinou intensamente
a minha vida, e isso não é uma redundância, esse motivo é a
música. “A música?”, ela se surpreendeu, “Como assim?R=
21;

Em algum momento nesse clube, eu disse que a música, por ser
determinada por tempo, compassos, andamentos e tudo mais, por ser uma
arte onde se faz necessário ouvir do começo ao fim para ser completa,
como a própria vida, dá um significado ao tempo. Ouvir uma sinfonia,
que abrange o mundo, como Mahler dizia e ele tinha razão, é um
processo; o fato de possuir movimentos rápidos, lentos, alegres,
tristes e tudo mais, o fato de ter uma introdução, ter todo um
desenvolvimento, e ter uma coda, vou repetir, ilustra a própria vida.
Música é a arte mais humana na essência. Não é preciso nem dizer que
por ser imaterial a música vai direto ao inconsciente. Quando bem
compreendida, não há barreiras ou defesas contra ela, e, portanto,
nada é mais comovente.

A minha ilustre colega fez uma cara de interrogação. “Sim, mas o
que isso tem a ver com a sua ida à Alemanha?”. Nessa hora fiquei um
pouco decepcionado, pois pensei que a moça ligaria os fatos ou
entenderia logo no começo. Algo do tipo: Alemanha, terra de Beethoven
e Bach, ou Áustria, Mozart não nasceu lá? Mas a moça não esboçou essa
reação e coube a mim logo explicar.

Meus músicos favoritos são os alemães e austríacos. Já disse isso
milhões de vezes nesse clube. Não escolhi gostar mais deles, pois no
começo não entendia absolutamente nada de música. Comecei a gostar de
compositores conforme fui me identificando com eles, e acho supérflua
qualquer discussão que diga que os compositores de tal país são
melhores do que os daquele país. Não perdi tempo e disse à minha nova
amiga o nome de compositores bem célebres: Beethoven, Wagner, Brahms,
Schumann.... Quando começo a falar de música me empolgo facilmente;
geralmente contagio quem está do lado, falo alto e com paixão, conto
curiosidades dos músicos, convido as pessoas para irem comigo ao
concerto... A minha colega, entretanto, permaneceu impassível. De
repente o nome do maior artista de todos saiu da boca dela em tom de
deboche e interrogação: “Beethoven?”, sim, Beethoven! Por que? =
“Bach
tudo bem, agora Beethoven não!”. Com uma surpresa mal dissimulada e
quase gritando perguntei: como assim Beethoven não?!?!?! “Beethoven é=

barulho puro, incomoda, levou ao caos, é forte demais, chato.
Beethoven levou à criação do Rock”.

Ninguém desse mundo é obrigado, graças a Deus, a gostar de
Beethoven. Seria até mesmo chato se todos o fizessem. Portanto,
perguntei à minha colega sobre os outros mestres que vieram após
Beethoven. Mas na verdade tudo para ela após Bach era lixo. Mozart
compunha música retardada e Wagner era horrível. Deixemos então os
alemães de lado. Debussy, Tchaikovsky, Verdi, Dvorák, tudo era uma
merda. A ela incomodava principalmente o “barulho” dos romântic=
os e a
inépcia de Mozart e Haydn. Visto que ela dizia com muita freqüência
as palavras “barulho” e “isso levou ao Rock”, logo =
percebi que a moça
tinha aversão a qualquer grande demonstração de emoção. Sua
relutância em dar qualquer argumento consistente logo me levou a
constatar que ela pouco entendia de música, a não ser Bach, que ela
devia ouvir na igreja. Aquele papo todo a desagradava, a minha
própria exaltação a incomodava.

Ela se levantou e foi embora, e deixou na minha garganta um monte
de coisa entalada. Queria a qualquer custo retomar o papo e explicá-
la o motivo pelo qual Beethoven é maravilhoso. Mas qualquer tentativa
nessa direção seria infrutífera, pois eu toquei em algum ponto que a
incomodava pessoalmente. Beethoven deu um grito de liberdade, diria
eu, de toda música puramente aristocrática e superficial. Foi o
primeiro homem a criar música inteiramente subjetiva, a construir um
mundo só seu de sons originais. Beethoven sofreu como poucos e é um
exemplo de superação e redenção. Não era só a surdez e a hostilidade
que o atingiam, mas o homem sofria inúmeros problemas no fígado, no
estômago, dores horríveis em todo o corpo e nos olhos, além de sofrer
com as idéias de formar uma família idílica. O fracasso nas suas
relações amorosas e com o sobrinho logo tornariam toda a realidade
amarga demais. Até o final Beethoven ficou lúcido e no leito da morte
ainda trabalhava, talvez numa décima sinfonia, talvez em mais um
insuperável quarteto. Compor era acima de tudo a forma de se sentir
vivo.

Eu também queria dizer à moça que eu gosto muito de Schumann
porque foi um homem que através do amor e da arte conseguiu lutar com
a mais destruidora das doenças mentais por um bom tempo e deu coisas
tão sensíveis à humanidade. Sua música para piano é para mim um
devaneio muito mais profundo do que Chopin, que ele tanto admirava.
Ah, também amo Liszt, pois ele expressou tanta coisa estranha e
transcendental no piano, coisas que não são puramente virtuosismo,
mas também mostram o amor, o macabro, a religiosidade... Gosto de
Bruckner, cada compasso em suas sinfonias é para mim uma parte de uma
construção de uma imensa catedral sonora. A partir de sua quarta
sinfonia são todas suas sinfonias apenas uma só. Aquele adágio
insuperável da nona tinha que por um ponto final em tudo... ou
melhor, a peça final da catedral. Assim como Bruckner, venero Wagner.
Encontro em todas suas óperas a partir de Tannhäuser, nos Leitmotiv e
nos libretos, material simbólico para refletir por toda minha vida.

Porém, nunca disse nada disso à minha colega, pois nunca mais
conversamos. De vez em quando eu ainda a encontro e a comprimento,
mas nunca mais troquei uma única palavra com ela.

Eu gosto de tanta gente ainda... Tem Brahms, tem Mahler, tem
Tchaikovsky. Vou parar por aqui porque já estou cansado de escrever
por hoje. Fui inspirado a escrever isso pelo o que Denison discutiu
com o colombiano. Parabéns, meu amigo, muito lúcido. Suas palavras
sobre Beethoven sempre contagiam.

Falou!

Bruno

Minha resposta:
Fiquei emocionado e chorei de alegria ao ler o texto do Bruno, amigo nosso do clube, sobre a riqueza do conhecimento dos alemães e a música alemã. Num país ignorante como o Brasil, onde a maioria das pessoas associam a Alemanha com nazismo, intolerância, frieza, etc, é bom saber que há um jovem, como Bruno, que ama, assim como eu, a contribuição social que os intelectuais alemães - ou que trabalhavam com a língua alemã, como Kafka, Freud, etc - doaram à humanidade.
Eu ou Bruno não seríamos NADA sem os alemães. E por que? Porque gostamos de vida e não só de bunda, futebol ou batuque...o Brasil já tem anos demais e não mostrou ainda para quê veio ao Mundo. Confesso que torci pela Alemanha na Copa do Mundo, porque queria que o Brasil acordasse para a vida. O Brasil ganhou na bola, mas a Alemanha já mostrou para quê veio ao Mundo.
Chorei com o texto do Bruno chamado BARULHO e confesso que adoraria ter este jovem como parceiro de papo num desses coquetéis maravilhosos que há no Rio, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Recife ou Salvador. Eu me sinto ilhado no Brasil por gostar dos alemães, sobretudo de Beethoven. Me humilham de toda forma. Mas tenho um amigo chamado Ademar, que é amigo de coquetéis e eventos culturais, que adora a cultura americana, alemã, italiana, francesa, enfim, que ama a arte e a música e que lerá este texto do Bruno e, com certeza, chorará comigo.
Fico agradecido, Bruno, por ter influenciado você, meu caro, a escrever este texto emocionante.
O Fundador
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