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Contos-->Boa noite, meu amor -- 12/06/2002 - 10:27 (Adelio Rosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vislumbrou o sol que preguiçosamente encerrava seu expediente naquele fim de tarde de verão. “Zé das Latas”, um mendigo que nas noites frias tem alcova nos jornais velhos amontoados na lixeira do mercado municipal e no dia claro perambula pelas ruas arrastando imundo saco de restos apodrecidos, deixou-se tomar por completo pela ansiedade, como se fosse ele uma criança que desesperada tenta vencer os fatigantes papeis que envolvem o presente numa noite de Natal. Mais uma vez, no hábito que as mazelas da vida não lhe ousaram roubar, uma sensação maior que a própria existência invadiu e desnudou seu coração.
Era rotina. Ao final de cada dia, no momento marcado pela despedida do astro rei, o maltrapilho, o pútrido mendicante, voltava seu corpo, sua vida, sua alma para determinada rua, rua que de tão comum se confunde, mas que para ele, era, nas graças do seu grande amor, o paraíso, a terra santa prometida.
Transpunha várias quadras e na lentidão dos passos trôpegos, era carinhosamente acompanhado pela lua, que em dias de graça, se comprometia em reverenciar aquilo que era a mais linda cena de amor.
Posto guarda fiel, de causar inveja ao mais dedicado guardião das tradições inglesas, esperava ansioso para que naquele inicio de noite, mais uma vez, Deus, em sua misericórdia maior, lhe cedesse a graça de novamente vê-la. Espreitava, de coração comprimido, de angústia juvenil, os segundos lentos e torturantes que separavam sua miserável ansiedade e o momento em que teria seus olhos enriquecidos pela mais bela obra que a natureza, num instante de rara grandiosidade, havia criado.
Não entendia como o amor funcionava, nem tão pouco buscou respostas para essa grandiosa paixão, mas trazia no corpo e na alma a certeza de que com aquela mulher, num passado qualquer, reinou feliz uma história que não caberia na mais bela canção.
Finalmente, na eternidade dos minutos que sugam a vida dos que esperam o renascer de sua alma, a bela e impreterível mulher surgia, aflorava e reinava soberba e iluminada o universo de um homem que se alimentava, auspicioso, de sua pura, bela e simples imagem.
No início de cada noite, no burburinho do frenético movimento do entardecer, quando aquela mulher à sua casa retornava, aquele homem transmutava e sua alma existia numa dimensão que poucos mortais algum dia experimentaram. Ao sabor da alucinante exuberância da mulher amada e devotada, ele reconquistava sua roupagem, despida num passado qualquer. Ele então, agora novamente um príncipe, descia do céu montado em uma nuvem branca, trazendo em suas mãos rosas colhidas no seio materno do jardim de Hera e roubava da natureza sua maior preciosidade: a sua mulher amada.
Em seus braços, aquela mulher ganhava o universo. Era ele, o cavalheiro que lhe estendia o tapete de rosas vivas, quando no fim do dia, ela, cansada, adentrava seu lar; era ele o zelador que zelava seus sonhos, quando ela, exasperada e destemida rompia as barreiras de sua carreira profissional; era ele o mago que realizava seus mais recatados desejos, quando ela desejava coisas que nem ela mesma sabia desejar; era ele o construtor de seus mais intrépidos momentos de alegria, quando ela deprimida e angustiada, sofria as alucinações da melancolia menstrual; era ele quem lhe dedicava poesias quando a ela faltava alegria; era ele quem lhe resgatava o sorriso quando a ela faltava incentivo: era ele quem lhe trazia esperança, quando à porta dela a ilusão batia; era ele quem impedia que as lágrimas caíssem quando ela por qualquer coisa sofria.
Naquela noite, entre outras tantas dos últimos anos, seus olhos mais uma vez a viu, bela e exuberante no modelo de uma grande estrela, cobiçada e disputada por seus súditos. Ao vê-la passar próximo de ti, permitindo-lhe alguns metros de pouca distância, o velho mendigo, com os olhos umedecidos, ajoelhou-se diante de Deus. E, do mais profundo recanto de sua alma, agradeceu.
Mais uma vez, sem ao menos percebe-lo, ela sumiu entre as grades do jardim da imponente mansão. Ele então, juntava sua trouxa e seguiu em direção da vida, esperançoso de que no dia seguinte, a natureza, com requinte, lhe desse outra chance.
Agora seu semblante era feliz e não havia sentimento nenhum que pudesse sobrepujar o que naquele instante sentia. Nem mesmo a mágoa, que um dia cultivou por aquela mulher, foi suficiente para se manter presente face a face ao amor por ela ainda ardente.
Aquela mulher, que um dia, nos braços de outro homem, tirou-lhe a vida e tudo que na vida ele possuía, recebeu o seu perdão, perdão que qualquer um, na mais justa justiça, a ela negaria.
Sim, “Zé das Latas” que um dia foi senhor de sociedade, freqüentador de lares de tradição, perdeu fama e fortuna, abandonou a sua própria vida, por um amor e não por uma traição.
Acredite: aquele mendigo, por mais estranho que seja, é o último homem que uma mulher pode querer e o primeiro que toda mulher deseja.
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