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Contos-->Amar pode dar certo (ou não!) -- 14/06/2002 - 23:21 (Celso Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Amar e ser amado é, sem dúvida, o maior desejo do ser humano e, por isso mesmo, a maior fonte de suas frustrações. O amor é uma força que nos leva a enfrentar todos os medos, criados desde as nossas primeiras experiências dolorosas de aproximação. Torna-nos corajosos e ousados, prontos a desafiar o tédio e o comodismo, a enfrentar o desafio do cotidiano. A história que vou contar envolve um pouco disto que mencionei anteriormente. O amor, seus medos, suas frustrações, as suas surpresas.
Essa é a história de dois jovens, do amor que possuíam um pelo outro e no que implicou a presença e a variação deste sentimento entre eles. Nos seus tempos de estudante universitário, Pedro cultuava um amor platônico pela garota mais linda e popular da faculdade de arquitetura. Seu nome era Anabela, e de bela sabia que não era apenas seu nome. Morena, alta, olhos cegamente azuis. Se o Aurélio fosse ilustrado, ao lado das palavras exuberância e perfeição estariam fotos de Anabela. Sua beleza inquestionável e a suposta superioridade exalada por esta menina deixavam acanhados os aspirantes a “don juans” mais experientes da faculdade. Uma certa vez, Pedro - ruivinho, baixinho, cheio de sardinhas no rosto, tipo nem um pouco atraente – resolveu deixar o medo de lado e decidiu arriscar para cima daquela menina intocável. Ao sair de uma aula, notou que no bar estavam ela e mais umas amigas, igualmente lindas, conversando empolgadamente junto a um meio de plantas, réguas e maquetes, essas coisas de arquiteto. Aproximou-se discretamente e dirigiu-se direto a Anabela:
- Posso me sentar aqui com vocês? É que eu queria beber algo e não tenho onde me sentar... - perguntou, timidamente.
- Sim, mas é lógico... puxa uma cadeira! – respondeu Anabela.
Pedro jamais esperaria que Anabela fosse reagir daquela maneira. O suposto envoltório que parecia cobrir aquela linda menina já não existia mais. Pedro, sem pestanejar foi logo ajeitando uma cadeira, meio atrapalhado, sentando-se ao lado de sua adorada.
- Calma guri – disse Anabela – Embora pareça a gente não morde.
- Eu sei disso...- respondeu Pedro, meio encabulado.
- Qual é o seu nome garoto?
- Pedro, mas pode me chamar de Pepê, se achar melhor.
- Legal Pepê. – disse ela, levantando-se da cadeira e apontando para as demais garotas sentadas junto a eles. – Aquela é a Kaori, a de vermelho é a Maya e a fiasquenta com o lacinho nos cabelos é a Coral.
- Obrigada por me queimar com o gatinho Bebel – respondeu prontamente Coral.
- Que nada. Ah, e eu sou a Anabela, ou ainda Bebel, como tu acabara de escutar Coral me chamar – disse Anabela, com um sorriso estampado nos lábios, sentando-se novamente e dirigindo o seu olhar direto aos olhos de Pedro.
A partir dali, a conversa entre eles começou a fluir naturalmente. Pedro rapidamente se enturmou com aquelas meninas, principalmente com Anabela, a quem dirigia seus olhares já apaixonados. Ali, naquela mesa do bar da faculdade nasceu uma amizade muito forte, que logo depois se transformou numa paixão muito sólida, da parte de ambos. Começaram a namorar sério, e a relação durou longos e fiéis três anos, até que os dois concluíram o curso e resolveram decidir os rumos que suas vidas iriam tomar daquele ponto em diante. Pedro optou por se especializar na Europa, já que era completamente louco pela arquitetura renascentista e gótica. Achou melhor ficar mais próximo da origem de tudo aquilo, para absorver melhor as idéias e voltar mais maduro e consciente do que faria em sua profissão pelo resto de sua vida. Anabela, por sua vez, resolveu ficar mesmo em Porto Alegre.
- É... eu amo essa cidade... – divagava Anabela, em uma de suas caminhadas dominicais na Redenção, contemplando o verde do parque tomando um chimarrão.
Anabela, oriunda de uma família aristocrática de muitas posses, contrariou a expectativa de seus pais e acabou meio que decepcionando-os, já que o desejo destes era de que sua primogênita concluísse seus estudos na Europa e que por lá ficasse. Mas a paixão por Porto Alegre e por sua arquitetura falaram mais alto, e ela resolveu especializar-se em sua cidade amada. No saguão do aeroporto, pronto para partir para a França, Pedro a pediu em casamento, fizeram juras de amor eterno, prometeram um ao outro que não deixariam que os percalços da vida apagassem o amor dentro deles e quando ele voltasse, casariam-se. O avião levantou vôo, levando Pedro e seus sentimentos para bem longe de Anabela.
- Até, amor... – pensou consigo Anabela, visivelmente abalada, com uma dor muito forte no peito e com os olhos inchados e marejados, vendo o avião sumir no horizonte. Kaori, Maya e Coral, suas companhias inseparáveis, ao perceberem que a angustiada amiga não estava nada bem emocionalmente, abraçaram-se nela e compartilharam de sua dor.
O tempo foi passando e as vidas foram acontecendo. Pedro engajava-se fervorosamente nos seus estudos. Ocupava a sua cabeça vinte e quatro horas por dia com aquilo. Livros, plantas, maquetes, construções, projetos. Viajou pelos quatro cantos da Europa, conhecendo muitos lugares que ele só via em livros e documentários quando garoto. Olhava para os monumentos e a cada minuto desejava que Anabela estivesse junto a ele, para vislumbrar todas aquelas coisas maravilhosas em sua companhia. Pedro sofria. Sofria por estar longe do amor de sua vida, ela era o incentivo maior para que ele não surtasse e largasse tudo. Pensava na cara de decepção de Anabela ao ver que ele decidiu parar com tudo e voltar apenas porque não conseguia mais ficar longe dela. Atitudes extremo-românticas como essas são difíceis de engolir na era em que vivemos. Ao pensar assim, resgatava mais energia para continuar lutando. Sempre ao dormir, Pedro colocava um cd do Pink Floyd e escutava “Wish You Were Here”. Era um ritual.
- Como eu queria que tu estivesse aqui... – pensava com a cara enterrada no travesseiro, vertendo-se em lágrimas, em uma alusão ao título-refrão da música.
Anabela, em uma parceria com suas melhores amigas Kaori, Maya e Coral, fecharam uma sociedade e abriram um escritório de arquitetura, que com o tempo tornou-se um escritório muito requisitado em Porto Alegre. Os invejosos pensavam que era apenas por causa de suas belezas, mas depois viam que ali estavam quatro competentes arquitetas, senão as mais competentes arquitetas porto-alegrenses. Anabela via a vida passar durante esse tempo, via suas amigas se envolvendo em vários relacionamentos, vivendo com elas várias surpresas, vários bons momentos e também várias decepções. Muitas vezes ficava perguntando a si mesma se era válida a tentativa de continuar nutrindo seu amor por Pedro e deixar a sua vida passar assim, sem deixar rastros. Mas logo ela arrumava algo para se distrair e acabava deixando isso de lado. Afinal, prometera a Pedro que seria só dele e que dessa maneira era para continuar. Ela tinha a sua vida social, saía com suas amigas, tomavam uns porres homéricos para relembrar os tempos de faculdade, conheciam alguns homens. Anabela conhecia alguns também, mas não passava do básico do básico. Trocas de telefones, convites para jantar, o máximo. Ela nem os tocava, sequer os beijava e nunca os desejava. Afinal, Anabela era de Pedro e de mais ninguém. Ela estava aqui, mas os seus sentimentos e seu coração foram levados naquele vôo com Pedro.
- Capaz que tu não deu uns malhos com aquele gostoso daquele Richard!!! – vociferava Coral, a mais namoradeira do grupo de amigas. Agudos extremamente aguçados devido à quantidade de vinho que havia ingerido.
- Ih, Coral. Sequer o beijei – respondia prontamente Anabela.
- Se fosse comigo eu já tinha comido aquele corpo! Cuidado Bebel, cuidado pro teu hímen não cicatrizar desse jeito! – continuava vociferando Coral.
- É... – sussurrou Kaori podre de bêbada, quase inconsciente, concordando com Coral.
- Ahã... – completou Maya, mais podre ainda, deitada seminua com uma garrafa vazia na mão.
Anabela, irritada, arremessou uma taça em direção ao chão, espatifando-a.
- Gurias, desse jeito não dá! Vocês não estão cooperando com a minha dor. Vocês sabem o quanto está sendo difícil eu ficar longe do Pedro! Em vez de ajudarem ficam me tratando como se eu fosse uma coitada, uma burra, só porque eu quero ser fiel ao meu noivo, ao amor da minha vida! Que merda mesmo!
As três, em coro, prontamente responderam:
- Tá bom Bebel, a gente pára.
Era sempre assim. Sempre quando se reuniam para tomar um trago era assim que acabava. Com as três sempre repetindo a mesma frase. Kaori, Maya e Coral viam em Anabela que a própria não conseguia mais lidar com essa situação, de ficar fiel a um cara que ela não via há quatro anos. É, quatro anos, sem férias, sem uma brechinha para uma viagem, sem nada. Apenas fotos, muitos telefonemas e algumas cartas apaixonadas. E só. Chegou um momento em que as cartas começaram a serem enviadas cada vez em um número menor, o tempo entre um telefonema e outro começou a aumentar...e cada vez mais o amor de Anabela por Pedro se apagava. Pedro, por sua vez, parecia estar cada vez mais apaixonado do que nunca. Suas cartas eram quilométricas; seus telefonemas, longos e emotivos. Causava estranheza mesmo o comportamento de Anabela...ela sequer se deixava emocionar ao sentir que Pedro chorava do outro lado da linha e muitas vezes ela nem tirava as cartas dos envelopes – pra que, se eu já sei o conteúdo delas -, justificava Anabela friamente. As amigas observavam a reação de Anabela quando conhecia um cara interessante. Ela se empolgava bastante, insinuava-se muito, mas sempre na hora “h” tirava o corpo fora. Inventava qualquer desculpa para os homens, mas jamais dizia que era por causa de seu amor que vivia na Europa. Suas amigas estranhavam, sentiam em Anabela uma certa culpa, culpa “sei-lá-do-quê”. Não sabiam se ela agia dessa maneira porque pensava que de alguma forma elas estavam cobrando fidelidade da parte dela. Não sabiam a resposta dessa dúvida.
- Ah, eu vi como tu estavas toda “se piscando” para aquele cara – disse Maya, em uma de suas inúmeras conversas com Anabela.
- Nada a ver Maya, não viaja. Era só um amigo -, respondia enfurecida Anabela.
- Tá bom, tá bom...e eu sou virgem – devolvia sarcasticamente Maya.
Uma certa vez, as quatro foram fazer uma vistoria de rotina em um casarão que estava sendo construído no Mont’Serrat. Anabela foi traída pelo seu subconsciente ao se notar fitando constantemente um dos pedreiros que ali estava trabalhando. Volta e meia, no meio das conversas com os engenheiros e suas amigas-colegas, ela dava uma olhada para esse tal pedreiro, e quando dava por si, ficava se criticando.
- Por que diabos fico olhando para esse pedreiro? – perguntava-se. – Deve ser conhecido de alguma outra obra, sei lá.
Não era conhecido de outra obra porra nenhuma. Anabela havia se interessado pelo pedreiro. É, a arquiteta burguesinha se interessou pelo pedreiro semi-analfabeto. Seu nome era José Pederneiras, mais conhecido como Zé Pedê.
- É só interesse físico... é só interesse físico... – ficava repetindo em sua cabeça. Anabela jamais poderia admitir que fosse algo além disso. Ela estava se apaixonando pelo Zé Pedê, e queria criar forças para lutar contra esse sentimento.O que a família dela iria pensar ao saber disto? Que ela trocara um futuro bem-sucedido arquiteto por um pedreiro de merda que mal sabia escrever o próprio nome? Iria se tornar alvo de piadas, críticas e preconceito de seus amigos e familiares. Imagine, uma das melhores arquitetas porto-alegrenses se envolvendo com um simples pedreiro. È impossível escolher por quem se apaixonar. O amor quando resolve pregar uma peça, prega direitinho.
Anabela decidiu não vistoriar mais aquela casa. Mas isso não adiantava. Quando ela pensava que menos queria, mais vontade dava de ir lá só pra ver o Zé. A cada vistoria ficava se imaginando nos braços musculosos daquele pedreiro, encostando o seu corpo de Barbie naquele corpo sujo e suado, queimado do sol. Imaginava-se rolando no meio das britas com Zé, fazendo sexo de uma maneira brutal, selvagem, intensa, apaixonante...
- Não posso pensar numa asneira dessas, não posso -, duelando com sua própria consciência.
Mas não dava mais para disfarçar. A paixão de Anabela por Zé aumentava mais a cada dia. Começou a estabelecer um laço de amizade com o rapaz, só para ver se tirava aquela idéia maluca da cabeça, mas só piorou as coisas. No início de uma tarde de terça-feira, deu um rendez-vour danado no escritório. Estranhamente, surgiram quatro vistorias para as quatro arquitetas fazerem, no mesmo horário. Escolheram por sorteio qual cada uma iria fazer e por muita coincidência, ou destino, caiu para Anabela a vistoria do casarão do Mont’Serrat, onde Zé Pedê trabalhava. Nunca Anabela sentiu tanto medo em sua vida. Pôs a chave na ignição de seu bmw, com suas mãos embebidas em suor, temendo o que viria a partir dali. Saiu em disparada da frente de seu escritório, e não demorou muito para chegar ao local, ao temido casarão. Para piorar a situação, Zé era o único a estar trabalhando lá. Os outros pedreiros e os engenheiros tinham saído para almoçar.
- Oi dona Anabela, tudo bem com a “sinhora”? – cumprimentou Zé, como sempre costumava fazer.
- Tudo Zé. – respondeu Anabela, com a voz trêmula e a cabeça baixa. Sabia que não responderia pelos seus atos se vacilasse. – Quero que tu me mostre quais são os cômodos que estão com problemas em suas estruturas.
- Tá legal dona. É a “sinhora” quem manda.
Zé foi mostrando cômodo a cômodo, mostrando as deficiências e perguntando a Anabela o que deveria ser feito para melhorar a situação. Nessa altura do campeonato, Anabela já não respondia coisa com coisa. Estava suando muito, com os nervos à flor-da-pele, com seus mamilos muito eriçados, a libido tomando conta do seu corpo do dedão do pé à ponta do fio-de-cabelo, a calcinha toda molhada. Só conseguia olhar em direção à genitália do pedreiro e já não escutava mais o que ele falava. Zé viu que Anabela não estava nada bem, pensou que estivesse realmente passando mal, prestes a desmaiar. Estendeu o braço em sua direção, querendo segurar o braço de Anabela...
- NÃO ME TOQUE! – Gritou Anabela.
- Calma dona Anabela, eu só qu...
Que passando mal que nada. Anabela jogou o corpo do pedreiro no chão, arrancou as suas vestes e as dele e começaram a transar feito loucos. Muita insanidade, muita sujeira, muita devassidão. Anabela em um dado momento surtou, pegou as suas roupas, vestiu-se à moda louca, entrou no seu carro e saiu cantando pneu. Zé ficou ali, deitado, nu, sem entender bulhufas a atitude da arquiteta. No meio do trajeto, pisando fundo, Anabela veio chorando muito, se criticando, se martirizando muito - ...o que eu fiz com o Pedro? O que eu fiz? Quero me matar! – vinha gritando, dirigindo muito rápido.
Desde então, Anabela veio se comportando de uma forma muito estranha com todos, inclusive com suas amigas. Falava pouco, não ria, não brincava e não falava mais do Pedro.
- Ih, deve ser algum homem, ou falta de um! – brincava sempre Kaori.
O que Kaori e as outras amigas jamais imaginariam é que não era falta de homem mesmo. Anabela sempre dava um jeito de encontrar Zé ao fim do expediente dele. Na maioria das vezes, marcavam de se encontrar em um beco próximo ao casarão, longe da vista de todos, para contemplarem suas noites de amor ali mesmo, nos bancos de couro reclinados do carro de Anabela. Ali, assim como foi no saguão do aeroporto com Pedro, Anabela trocou juras de amor eterno com Zé, dizendo que ele era o grande amor de sua vida, que iria terminar com Pedro para poder viver com ele o mais rápido possível, essas coisas. Só estava esperando o retorno de Pedro para poder concretizar o que ela tanto sonhava.
E os esperado dia chegou. Depois de quatro longos anos, eles iriam ficar frente-a-frente novamente, Anabela e Pedro. Anabela, suas amigas e os familiares de Pedro foram recepcioná-lo no saguão do Aeroporto Salgado Filho. Pedro estava fisicamente diferente, mais corpulento, mais alto, musculoso, com os cabelos ruivos pela altura do ombro, desalinhados, e barba para fazer. Nada a ver com aquele look c.d.f. que ele possuía da última vez em que tinham se visto. Ao sair do portão de desembarque, foi direto ao encontro de Anabela, derretendo-se em lágrimas. Nem cumprimentou aos outros. Abraçou-a forte e tascou-lhe um beijo apaixonado, como se fosse a última vez que fosse fazer isso. E, inconscientemente, ele estava certo. Anabela não esboçou nenhuma reação.
- Temos que conversar muito sério depois da janta Pedro – falou Anabela, roboticamente.
Afastou-se de Pedro e tratou rapidamente de providenciar alguém que os ajudasse com as bagagens. Colocou-as na mala de seu carro e esperou que Pedro terminasse de cumprimentar o resto do pessoal. Na viagem do aeroporto até a casa dos pais de Pedro, Anabela não pronunciou nenhuma palavra. Apenas Pedro falava... contava mil situações pelas quais passou nesses quatro anos pela Europa. Algumas engraçadas, outras nem tanto... Anabela mostrava indiferença ao ouvir Pedro, era como se ela não estivesse ali ouvindo-o . Apenas o corpo estava presente. Sua alma estava com Zé. Não via a hora de chegar à casa de Pedro e deixá-lo, para que pudesse ir atrás do seu verdadeiro amor.
- Bem Pedro, chegamos. Vou abrir a mala do carro e tu pega as tuas coisas. Daqui a três horas eu volto.
- Mas Bebel... eu acabei de chegar... fica aqui comigo... -, projetando-se na direção de Anabela para beijá-la.
- Daqui a três horas eu volto – repetiu Anabela, esquivando-se da investida de Pedro.
- O que está acontecendo aqui? – perguntou Pedro, desorientado.
- Nada, não vou repetir novamente. Desce Pedro, estou atrasada.
- Atrasada para o quê?
- Não é do teu interesse. Assuntos do trabalho.
Pedro desceu do carro, batendo a porta com muita força. Pegou as suas bagagens na mala do carro e subiu no prédio sem olhar para a cara de Anabela.
- QUERO TE VER AQUI EM TRÊS HORAS – gritou, um pouco antes de fechar o portão do prédio.
A essa hora, mais nada sã passava pela cabeça de Pedro. Imaginava mil coisas.
- Será que ela encontrou outra pessoa? Será que o amor dela por mim se apagou? A culpa é minha? Será que eu joguei a minha chance de ser feliz no momento em que decidi partir? O que foi que eu fiz? – ficava se perguntando.
Passadas as ditas três horas, Anabela retornou ao apartamento dos pais de Pedro. Um jantar a esperava. Na mesa estavam os pais de Pedro, alguns tios, primos, sua irmã mais nova e ele próprio.
- Estávamos apenas esperando por ti, meu amorzinho! – pronunciou um sorridente Pedro, tentando disfarçar o acontecido há três horas atrás.
- Não jogue tanta responsabilidade para cima de mim! – devolveu cinicamente Anabela, com um sorriso muito falso na boca.
Durante o jantar, nem um, nem outro trocaram olhares entre si. Os ali presentes estranharam aquela situação, mas preferiram nem se intrometer. Era apenas entre Anabela e Pedro. Para Anabela, o relacionamento estava acabado. Para Pedro, era apenas um mal-entendido que seria logo resolvido. Ao acabar de jantar, Anabela foi logo pegando sua bolsa e se despedindo do pessoal.
- Desculpem-me por estar dando uma de “cachorro-magro”. É que realmente eu tenho que ir...
- Ir uma ova! – esbravejou Pedro, levantando-se rapidamente da cadeira. – Não estou te entendendo desde que cheguei!
- Pedro, não quero discutir contigo aqui na frente dos teus familiares.
- Então vamos lá para o carro.
Desceram as escadas rapidamente, e ao chegarem no carro de Anabela, Pedro perguntou:
- É outro homem, não é?
Anabela não respondeu. Continuou em silêncio, entrou em seu carro e partiu em disparada. Pedro subiu e logo ligou para Coral.
- Alô?
- Oi Coral, aqui é o Pedro. Posso conversar contigo?
- Claro Pepê! Como foi de viagem? O que achou da...
- O assunto é sério Coral. O que está acontecendo com a Anabela?
- Não sei realmente Pepê. Há uns quatro meses ela não fala mais conosco direito. Nem comigo, nem com a Maya e nem com a Kaori. Não participa dos nossos tragos, não...
- Será que ela conheceu outra pessoa?
- Acho muito difícil Pedro. Ela sempre fez questão de deixar bem claro para nós que tu é o amor da vida dela, que ela não conseguia pensar em outra coisa senão em ti...
- É Coral, deve ser loucura da minha cabeça...
- É Pepê... se bem que às vezes o amor não resiste ao tempo...
E a conversa no telefone continuou... Anabela estava com um pressentimento de que algo inesperado estava para acontecer, mas mesmo assim foi atrás de Zé. Buscou-o na porta do shopping onde eles tinham marcado de se encontrarem. Era assim, da mesma forma, há cinco meses. O mesmo ritual. Depois dali, partiriam para as obras do casarão, onde tudo começou... onde eles sentiam-se mais à vontade para desfrutarem as noites de amor ardente. Estranhamente, eles pegaram um engarrafamento inesperado ao longo do trajeto e chegaram um pouco mais tarde lá. Foram entrando cuidadosamente, já estava muito escuro... a noite já caía do céu com seu fardo pesado e seu semblante negro onipotente. Driblaram tijolos, montes de areia, pedaços de madeira... em meio de abraços fortes, beijos e frases apaixonadas de um para o outro. Ao chegarem no quarto da casa onde eles sempre passavam as noites, ambos notam a presença de um vulto sentado no canto.
- Sabia que ia te encontrar aqui Anabela.
- O quê...? Mas... mas... o que tu fazes por aqui?
- Vim te encontrar, para te dizer adeus.
- Como assim, “ me dizer adeus”?
- Tu foste muito inocente em me revelar todos os teus segredos durante os três anos em que passamos juntos. E Coral, muito inocente também em me dar o endereço desta obra e pensar que eu não viria até aqui. Coral me abriu a mente com uma só frase, de que muitas vezes o amor não resiste ao tempo, mas disso eu falo depois... Tudo nessa casa me lembra você. Na cozinha, senti o mesmo ar que tu respiras. Na sala consegui enxergar cada detalhe com os teus olhos, da maneira que aprendi ao conviver contigo. Nos quartos, me lembrei das noites em que estudávamos a fio, resolvendo cálculos até acertarmos, aprendendo muito com nossos erros. Cada cálculo estava ali, em cada canto daqueles quartos, nos designs dos closets, nas suas estruturas. Esse quarto, em especial, guarda uma característica apenas nossa. Te lembras quando dissemos que o nosso quarto seria desta maneira? Da maneira deste quarto? Ambos somos arquitetos, sabemos que é possível calcular a posição das janelas e a arrumação dos quartos de maneira em que a luz da lua cheia incida diretamente nas camas, nas noites de céu limpo. E hoje o céu está limpo, a lua está cheia e a luz dela está incidindo sobre onde estaria a nossa cama -, Pedro, nesse momento, levanta-se do canto do quarto e fica de pé, exatamente sob a luz da lua. Em sua mão, nota-se que ele tem uma pistola.
- SOLTA ISSO RAPAZ! – gritou Zé, correndo em direção de Pedro.
Um tiro. Apenas um tiro foi o bastante para derrubar aquele homem enorme. Zé caiu sem vida no chão, com uma bala bem no meio da cabeça. Anabela correu em direção de Pedro também esperando que levasse um tiro na testa, esperando que morresse para se juntar ao seu amor que havia partido.
- Por que ainda tu não atiraste em mim? – perguntou Anabela, chorando copiosamente, ajoelhada e abraçada nas pernas de Pedro.
- Levanta-te amor, agora! – ordenou Pedro. Anabela ficou de pé, mas com os joelhos um pouco dobrados.
- Anabela, eu sabia que quando voltasse, iria encontrar essa situação. Notava em tuas cartas e em tua voz no telefone que a chama do amor que tu sentia por mim havia se apagado. Era questão de tempo tu encontrares outra pessoa que tomasse o meu lugar no teu coração. Realmente, Coral estava certíssima. O amor, às vezes, não resiste à passagem do tempo. No teu caso, não resistiu. Talvez o amor que tu sentia por mim não era tão forte quanto ao que eu sentia por ti, acredito que não. Numa relação, muitas vezes uma pessoa ama mais que a outra, noutras em igualdade e ainda em raros casos uma pessoa ama pelas duas. Realmente, não sei em qual desses casos a gente se encaixa. Não quero que tu me responda. Ainda quero acreditar que nós nos amávamos da mesma forma. Eu a ti e tu a mim. Mas o teu amor acabou antes do meu, tu não quis cultivá-lo até a minha volta. Não tiro as tuas razões, elas devem ter sido muito fortes. Mas o meu amor por ti ainda continua o mesmo. Tu me faz uma falta enorme. Tu foste a primeira e única pessoa na minha vida que me fez enxergar a vida com outros olhos, os olhos do coração. Me fez acreditar que ainda era possível se apaixonar por uma pessoa por aquilo o que ela realmente é, e não pelo o que ela representa ou se faz representar. Posso, hoje em dia, ver que tu não me amas mais... mas com a tua presença aqui, sinto como se tu ainda estivesse. Nunca te esquecerei, nunca... tu faz parte da minha vida nos meus pensamentos num campo abstrato, como o meu braço direito faz parte do meu corpo num campo real. O meu braço me faria muita falta pelo resto da minha vida se eu o perdesse, se eu perder a ti em minhas memórias, em minhas lembranças, vou ficar desorientado até o dia de minha morte. Te adoro muito... tu sempre vais morar em meu coração... tenha certeza absoluta disto. Eu quero morrer hoje, e vou morrer hoje. A minha vida não tem mais sentido se eu não posso mais ter o teu amor como antes. Mas antes vou realizar o teu desejo. Vejo nos teus olhos que tu queres morrer para que junto deste que jaz aqui no chão tu fique para sempre, em outro lugar. Seja feliz, eu te amo muito...
Pedro segurou-a pelos cabelos na região da nuca, inclinou a cabeça dela fazendo-a encostar a nuca nas costas para que ela mantivesse a boca aberta. Beijou-a rapidamente, colocou o cano da pistola na boca dela, respirou e disparou. Sobrou em suas mãos um chumaço de cabelos que ainda sustentava um pedaço do crânio de Anabela. Soltou o pedaço do crânio no chão, colocou a arma em sua própria boca e... acabou. Três tiros, três pessoas mortas por três motivos diferentes, três formas de amar diferentes. Pedro amava Anabela. Anabela amava Zé. Zé amava Anabela. Zé morreu por amar Anabela, que por sua vez morreu por amar Zé e não mais Pedro, que ainda amava Anabela e a si mesmo a ponto de tirar a sua própria vida ao perceber que não teria mais o amor da pessoa que teria o seu amor pelo resto de sua vida. A vida de um suicida é como se fosse uma relação de amor e ódio. Embora eu ache que seja um ato de covardia e insanidade cometer um suicídio – e aí entra a questão do ódio -, por outro lado o suicida tem que ter muito amor por si próprio para tomar uma decisão dessas, traçar um destino tão fatal para a sua vida. Como eu havia dito no início dessa história, amar e ser amado é o maior desejo do ser humano, mas também é a maior fonte de suas frustrações. Por causa delas Anabela acabou por amar Zé e morrer por isso. Por causa delas que Pedro tomou a atitude que tomou e não duvido que muitos que leram essa história não fariam isso que ele fez, nas circunstâncias apresentadas, nos mesmos moldes. Amar pode dar certo, ou não.








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