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Contos-->Ninguém é como o vento -- 06/06/2000 - 13:14 (fabrício lopes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
De manhã o sol sempre o acordava por uma fresta na parede. “O que ando fazendo que não tapei esse buraco?” – uma voz perguntava. “Mas que ânimo posso ter? Às vezes amanhece nublado e perco a hora...” – outra voz respondia. Entretanto por que tem que haver as horas? Quem in-ventou as horas? Cecília acha que foi a Felicidade, por ser tão efêmera.
Seu nome era Luís Renato, caso alguém tenha a curiosidade de saber, eu nunca tive, mas ele fazia questão de dizer. Quando o conheci, ele morava com as irmãs, seu pai desaparecera depois da morte da mãe que foi doente desde a adolescência quando teve um ataque de escarlatina.
Como Luís Renato era sustentado pelas irmãs, depois que elas se casaram, ele ficou sem nada, a não ser a casa localizada no ‘P’ Norte. À míngua, então, tentou um emprego de carregar tijolos e peneirar areia na construção de um novo condomínio na mesma cidade. No entanto, com um temperamento intempestivo de jovem, causava inúmeras confusões com os outros trabalhadores o que causou sua demissão.
E outra vez, vagabundo e ocioso, tentou trabalhar de vendedor ambulante ao lado das lojas MIG em Ceilândia Centro. Mas todas as mercadorias que havia conseguido foram confiscadas porque não tinha licença. Depois de muita briga e reclamações, foi preso, sendo solto no dia se-guinte.
Saindo da décima quinta delegacia, Luís Renato chegou em casa ainda cedo, mais ou menos as 8:30h da manhã... Ela estava vazia!... Não deixaram nada, nem mesmo um quadro velho com a imagem de Jesus e de Maria. Ele olhou aturdido, cético; era tudo mentira, o que estava vendo era falso? Virou as costas, sentou na soleira da porta escondendo o rosto com as mãos e chorou... Na verdade, o que ele tentava esconder era si mesmo da sua própria razão, esquecer que existia e acre-ditar que morrera no seu nascimento. E assim, cansado e irado, negou-se a pedir ajuda às irmãs que, provavelmente, nem se lembrava mais dele.
“Já chega!” – dizia consigo mesmo – “já chega!”, ele não queria mais ficar ali. Conse-guiu vender a casa e comprou um barraco de um só cômodo no final de Taguatinga Sul, onde termi-nava o asfalto.
No mês seguinte, quase sem dinheiro, voltou à Ceilândia e pediu um empréstimo ao seu velho amigo de infância, Jasão, que desmontava automóveis na QNL, vulga Chaparral, junto com um tal de Flaveco, irmão do Testão.
Sabendo desde o princípio que não poderia pagá-los, Luís Renato fugiu no dia seguinte para o Nordeste, onde acreditava ter algum parente. Conseguiu chegar na cidade de Morros a leste de São Luis do Maranhão e a 120Km do mar, maior objeto de fascinação de Luís Renato, pois nunca o vira.
Depois de se instalar “confortavelmente” no hotel mais barato que havia, saiu para ca-minhar e conhecer a sua nova realidade numa cidade pequena, calma e simples, e, num mundo parti-cular, refletia sobre si mesmo. Pensava nas irmãs, mesmo com repugnância, mesmo não querendo. Com um semblante triste lamentava a vida que teve que viver. Toda a felicidade que o mundo pode-ria ter-lhe dado passou longe dele.
Então, ele andava, perambulava em jardins de flores silvestres, acácias e samambaias na praça. Buscava sua mente perdida; a razão o abandonara, não via sentido algum em viver para so-breviver. Saindo da praça, viu uma igreja antiga em estilo barroco e achou que era tentação entrar. Já tinha visitado todos os lugares daquela cidade, menos aquele, e neste intuito, ele foi. A primor, Luís Renato sentiu medo, depois, deslocado, mas não desistiu.
À sua direita viu o confessionário vazio e continuou andando. O silêncio o incomodava, ainda mais quando percebeu que algumas pessoas o olhavam. À sua frente viu um retábulo em mármore e outro em madeira num tamanho menor que encerrava uma linda pintura em relevo repre-sentando o paraíso com elementos decorativos, especialmente as formas lanceolados em aparência de chamas sobre os anjos.
Ajoelhou-se, então na primeira fila e ficou a fitar o altar preenchendo sua solidão com um monólogo angustiado. Uma música como pano-de-fundo alentava mais o seu espírito, pois um grupo de jovens ensaiavam uma música desconhecida em canto gregoriano:
“-Somos minúsculos grãos de areia
que se perdem com o vento-
já dizia o mestre Nicodemos.
Então, por que sair da praia
que você tão bem conhece
e perambular pela calçada e asfalto
para que ali todos os ventos
façam com que se perca?
Caminhe em direção ao mar
para que o mar te leve,
cujas águas reluzem
os raios candurosos de Deus.
Lá, o infinito te espera,
espera por sua companhia...
e ansiando sempre, persiste
em não sentir mais sozinho
a sua solidão
severamente triste.
Sanctus, Sanctus”
Depois disso, Luís Renato saiu da igreja e percebeu que o crepúsculo despontava num céu colorido, onde as nuvens existem para os olhos do poeta. Era final de inverno e no horizonte acreditava na alvorada da primavera. Então ele lembrou do mar. Era seu desejo escondido ver o sol se por nele, logo após sentir o vento úmido cortar sua face e, fechando os olhos, perceber melhor a harmonia dos sons. Estes instantes bastariam para dizer que viveu muito, ficaria imensamente feliz sabendo que, depois disto, veria os murmúrios de sua alma transformados e exaltações fervorosas de um amor que nunca soube sentir. Mas, ele estava exausto e deixaria isso para o dia seguinte, uma decisão que ele deve lamentar até hoje...
Chegou no hotel, depois do primeiro dia em Morros que, para ser sincero, agradou-lhe bastante parecendo até que flutuava por se sentir tão leve e desprendido de si mesmo. As pessoas o olhavam e o viam sorrindo e Luís Renato ficava envergonhado com isso, abaixando a cabeça como uma criança.
Pegou a chave na recepção e subiu lentamente as escadas até o segundo andar no quarto vinte e três. Porém, ele não precisou dela; a porta estava aberta. Luís Renato não se importou, pois achou que a arrumadeira (que na verdade não havia naquele hotel) apenas tinha sido displicente e no outro dia reclamaria com o gerente.
Luís Renato entrou, fechou e trancou a porta e antes de apertar o interruptor, um estam-pido soou... e silenciou uma alma em plenitude... Ainda vivo, Luís Renato sentia arder seus olhos com o rigor do seu próprio sangue e sentia o gosto da morte... e era amarga...
Em convulsões, encostado à porta, veio a falecer no começo da madrugada de uma se-gunda-feira no dia 18 de setembro de 2000. Só vieram a descobrir o corpo dois dias depois quando o gerente veio cobrar a diária que estava atrasada. O inquérito policial concluiu que fora um assalto a mão armada. Testemunhas viram um vulto de meia estatura descendo pelas janelas atrás do prédio, mas não se incomodaram em se preocupar.
Seu caixão de madeira tosca foi carregado sem solenidade por funcionários duma em-presa funerária de Morros, custeada pelas suas velhas irmãs que não tiveram condições de trazê-lo para Brasília. Agora, seu corpo jaz numa cidade pesqueira, num túmulo sem lápide e sem flores.
Não sei se há existiu um século tão enfadonho, onde as pessoas não se deixam olhar nos olhos com medo que descubram a sua alma e desvendem os segredos de seus corações. Muitas des-sas pessoas choram e lamentam sua tristeza por estar num mundo ao qual não pertencem mais. E chorando assim, criam um mundo novo dentro do seu próprio espírito; um mundo de jardins floridos com enormes árvores e melodias em flautas deliciosas onde tudo é lindo e em paz. Creio que Luís Renato esteja num mundo assim...
Enquanto isso, em Ceilândia...
- Jasão! Onde tu se enfiou, porra?
- Caralho, Flaveco, não enche! Só fui conhecer o mar do Maranhão além de resolver um pequeno problema de inadimplência.
- Tá, tá, tá bom... Aí, meu irmão trouxe dois carros ontem. Eles tão na Chapa e a gente tem que ir lá; o Testão não vai conseguir fazer o trabalho sozinho...

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