Tempo, tempo... Por que não passa? Quero ir embora, quero estar em casa - refúgio sagrado - quero não mais ter que vir, nunca mais ter que sair. Nunca mais... "Nunca mais" me soa tão bem.
Pessoas, olhos, bocas, braços, pernas, sexo. Contatos. Não quero contato.
_ Você está bem?
Não, não estou e não quero falar. Por que se intromete?
_ Tudo bem, só uma dorzinha de cabeça... Já tomei um remedinho, já já passa.
Dorzinha, remedinho. Eufemismos para a monstruosa enxaqueca que me acompanha há tanto tempo, que sabe mais de mim que eu mesma.
Vai relógio, anda. Cada segundo demora uma eternidade pra passar. Água, preciso de água... Não posso beber agora, vou ter que ir ao banheiro, não quero gente me olhando, não quero ninguém inferindo sobre mim.
_ Vamos, Rita! Está na hora de ir embora, o chefe já liberou.
Não quero ir agora, o elevador está cheio.
_ Vou terminar esse memorando...
Trànsito, carros, pessoas, estradas. Caminhos. Não quero opções.
Ah! Minha casa, meu lugar, minhas coisas... Minha TV, doce TV, me faça sonhar, me mostre o galã que busca a mocinha e a beija docemente. Com um por de sol dourado no fundo e uma bela canção. Quero os finais felizes da imaginação dos escritores de folhetim. Que não duram pra sempre.
Nada dura pra sempre. Nem a TV, nem eu.
Não quero mais essas paredes me fiscalizando, me lembrando o que é real. Não sei o que é real; todo esse sofrimento, essa falta de vida - é isso o mundo real? Olha esse mundo lá fora, todas essas pessoas sonhando novelas - ou sou só eu?
E se for só eu? Se for só eu nesta noite infinda quem pede ao relógio que acelere, que traga a manhã e suas rotinas, que mostre o sol do novo dia? Mas eu não quero o sol!
Eu não quero estar aqui e em nenhum outro lugar. Nunca mais.
Nunca mais sofrer ou sentir dor; nunca mais ver gente, tocar gente, cheirar gente; nunca mais essas paredes brancas.
Só esta vez, esvaziar a caixa de tranquilizantes; só esta vez deitar e dormir, sem ter que acordar... E nunca mais a angústia de ter que viver um amanhã.
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