João se lembrou das cantorias no alpendre da fazenda, quando Tunico Oliveira, recitava cordel ao som da viola: ‘Camarada cachorro, se você nunca mentiu. Eu peço que minta hoje pra dizer que não me viu...’ —‘Para quê essa prosopopeia, João Velho? Quem já ouviu dizer que onça pede a cachorro alguma coisa? E onça tem medo de cachorro? Para de pensar asneira!’ —' Né não! Antigamente os bichos falavam. E todos os homens conversavam numa mesma língua. Agora, cachorro que nasce na Inglaterra, late em inglês. Os nascidos no Brasil, latem em português...Não se entendem mais... Tem cachorro rico latindo em francês e com dinheiro guardado em banco. Tudo virou uma Torre de Babel, depois que Eva comeu a maçã e deu a Adão. '— Nhô Velho, a Torre de Babel foi muito depois do pecado de Adão e Eva no Paraíso.' '— Pois que seja, mas nos tempos de antanho, nem precisava mover os lábios, bastava pensar, e o outro já entendia. Até voar, o homem voava. Perdeu asas do entendimento, quando Eva comeu a maçã e deu a Adão.' '— O homem não pode mais voar, senão, em sonho.' — O homem voa, João! Voa dentro de uma máquina de voar.' — A máquina voa. O homem não! O homem viaja como escravo no porão de um navio que voa. ' — Conversando sozinho, João?...'
Por um momento, João Velho imaginou-se louco. Estava, realmente, conversando só.
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Adalberto Lima - Estrada sem fim...
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