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Contos-->OLÁ PAI! O SENHOR QUER UM DOCE? -- 20/06/2002 - 15:19 (Veneza de Almeida Babicsak) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
OLÁ PAI ! O SENHOR QUER UM DOCE ?



O dia termina. São exatamente dezoito horas e quinze minutos, um senhor com mais de setenta anos de idade, deitado numa cama, sem poder se mover e com muita dificuldade para falar, conseguindo, às vezes, se comunicar apenas com o olhar. Olha em direção à porta e vê sua filha mais velha chegar, toda sorridente, depois de mais um dia de trabalho. Ao se aproximar do pai, seu rosto já não transparece aquele brilho suave e a tristeza, acompanhada da dor, transforma seu semblante.

- Olá pai, tudo bem ? Como passou o dia de hoje ?
- Muita dor, filha - sussurra o pai.

Naquele instante, a filha faz tudo para não chorar, mas as lágrimas caem rapidamente, sem tempo sequer para segurá-las. Num gesto de carinho, sem saber o que dizer, ela pergunta se ele gostaria de comer alguma coisa gostosa. Ele faz sim, com a cabeça.

- O senhor quer um doce ou salgado ? - pergunta.
- Um doce. Aquele que você sempre compra. - complementa o pai, com extrema dificuldade.
- Ah ! já sei, queijadinha ?
- Sim. - responde com o olhar abatido e apagado.
- Vou num instante. Daqui dez minutos, estarei de volta.

Ela sai rapidamente do quarto, para não cair em prantos. Entra no carro e começa a chorar. Naquele choro profundo e calado, pensa o quanto ama seu pai, o quanto ele fará falta, não só para ela, mas para sua mãe, os outros filhos e os netos que ele tanto adora. Sua hora está chegando, Deus o está preparando e avisando lentamente, que ele seguirá para a grande viagem, rumo ao infinito, que não conseguimos ter consciência de como será. O sofrimento da filha é tão grande, quanto a de seu pai. Tanto ele não quer partir, como ela não quer perdê-lo.

Liga o carro e sai como se fosse um robô, movimentos automáticos, olhar parado, mas seu interior fervilhando, sua cabeça querendo estourar de tanta revolta, chegando às vezes, até duvidar da existência de um Ser Superior.

- Por quê ? Meu Deus ! Eu não quero perder meu pai ! - exclama desesperada.

Mas, de nada adianta suas súplicas, ele partirá e será em breve; as esperanças se foram e a realidade é dura e cruel. A única coisa agora, neste momento, é comprar os doces que ele quer comer. Novamente, mergulhada em seus pensamentos, ela questiona, o porquê, "comprar doces ", o porquê, seu pai em meio a tanto sofrimento, pedir-lhe uma coisa tão simples, corriqueira e banal. Ainda em suas interrogações, ela consegue voltar aos seus tempos de criança e, principalmente lembrar quando ficava doente, de cama, sem poder levantar e com todo dengo que tinha, ficava de olho na hora da chegada do pai, ao voltar do trabalho, e ele todo preocupado e amoroso, perguntava se ela estava bem, e ela sempre pedia com jeitinho:

- Tô com uma vontade de comer um doce e um salgadinho da padaria, o senhor não iria comprar ?

Ele, mesmo cansado, comprava vários doces e salgadinhos e ela se derretia toda, como se aqueles doces fossem o melhor remédio para que se recuperasse e pudesse sair logo da cama.

Desta forma, a pobre filha, enquanto comprava os doces, conseguiu compreender o pedido e o desejo sufocante de seu pai. Naquele momento, para ele, somente um doce para aliviar a sua dor e receber da filha o mesmo amor e carinho que ele dava a ela quando estava doente, e agora, por força do destino, as coisas se inverteram. Foi doloroso ter compreendido aquele momento, foi doloroso saber que aquele doce, no mesmo instante que aliviaria sua consciência, poderia ser o último que compraria para seu pai, mais doloroso ainda, ter compreendido que, por muitas e muitas vezes, seu pai foi sua salvação, seu alívio, sua esperança, seu mundo de amor e alegria, e naquele momento, antes de partir, ele com certeza, mostrou-lhe o sabor da gratidão, para que juntos compreendessem e agradecessem a oportunidade da reciprocidade daquele amor.

Já de volta, assim que colocou na boca de seu pai, um pedaço do doce, ele ainda teve tempo de não só saboreá-lo, mas sentir aquele momento sublime que a vida reservou. A filha, por sua vez, ouviu o último suspiro do pai e com lágrimas sufocantes, deu-lhe o último abraço. O mundo dos sentimentos é único, precisamos apenas decifrá-los no momento exato, para que o nosso sofrimento, a nossa dor possa ser suportável.

Com certeza, aquela filha, quando chegar do trabalho, não mais terá um pai para dizer "olá, pai, tudo bem ! o senhor quer um doce ? , mas com certeza terá um filho, que em algum momento, algum dia, poderá lhe fazer essa pergunta.

Veneza de Almeida Babicsak
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