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Artigos-->Sou gauche, mas quem não é? -- 01/02/2008 - 16:39 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tenho uma notícia boa e uma notícia má para você. A má é que você é um ser gauche. A boa é que todo mundo é gauche. O gauchismo é da natureza humana. Relaxe. Se você confundiu gauche com guache, isso é um típico ato gauche. Guache é a tinta que se usa, entre outras coisas, para fazer pintura com os dedos. As tintas do gauche são de outro tipo, do tipo que nos pinta como pessoas excêntricas, no sentido de estar fora do centro, seres tortos por gênese.

Em francês, gauche é esquerdo; conotativamente, o termo ganhou mundo como sinônimo daquilo que está à margem da realidade, fora do lugar, deslocadão. Na literatura, há quem diga que Dom Quixote já era um gauche incorrigível, tão esquisitão que parecia viver num mundo só dele, como um cavaleiro marginal lutando contra gigantes imaginários. Detalhe importante é que o gauche de Cervantes vivia esse deslocamento de forma plena, sem a mínima noção de ridículo, mesmo quando o cético Sancho Pança tentava convencê-lo de que um moinho era só um moinho. Essa falta de semancol é típica dos gauches da vida.

Outro gauche assumido é o eu-poético de Drummond, certamente uma projeção da tortuosidade fundamental do próprio autor, um itabirano tendo que viver à beira dos mares cariocas. O Poema de sete faces tem um começo mais que conhecido: “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”. Que bela atitude poética e humana! Assumir a gauchice fundamental. Essa é a redenção da humanidade: cantar o paradoxo constitutivo de nossa existência!

Paradoxo, porque se ser gauche é estar à margem, e se todo ser humano, conforme defendi acima, é gauche, significa que estamos todos à margem e ninguém está no centro. Se todos somos marginais, ninguém é marginal, já que não há como estar ao lado de algo que não existe. Mas não se anime, nem se coloque à direita. Essa não é a morte lógica do gauche. Primeiro porque Guimarães Rosa já mostrou que o rio da vida não tem só duas margens, tem uma para cada um dos seres. Segundo que a condição gauche é estabelecida em relação ao seu próprio centro de equilíbrio. O gauche é marginal de si mesmo e não dos outros. Bem-vindo à esquerda eterna!

Se você ainda tem dúvidas do que é ser gauche, é só pensar nas vezes em que você se atrapalhou todo na hora de responder a um “bom-dia!” simples do vizinho e acabou soltando só um grunhido sem sentido: “suzxslia”; nas ocasiões em que você fez um favor a alguém e agradeceu, como se fosse o outro que o tivesse ajudado; no abano de mão e no sorriso que você retribuiu ao gostosão que caminhava em sua direção sem perceber que o cumprimento e simpatia eram para a loira atrás de você; nas rodas nas quais você era o único ser vivo além da samambaia a desconhecer o tal de Foucault ou o ilustre Marsílio Ficino; nas baladas em que você tentou pegar todas, mas acabou a noite sozinho, comendo um xis tudo no Clebão; no velório no qual você cumprimentou a mulher do morto perguntando: “tá tudo bem com você?”; nas vezes em que você boiou, gaguejou, cochilou, tropeçou e se estrepou e ainda assim achou que estava era abafando. Tudo isso é o grau mais leve da gauchice.

Já que assim somos, façamos o que Carlos fez: sejamos gauches convictos na vida. Se Deus escreve certo por linhas tortas, por que a nossa felicidade não pode estar no que é torto? É descolado ser deslocado, caro amigo. Vivam os gauches!

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