BAÚ DE SONS E FRÊMITOS
para MARIA JOSÉ LIMEIRA
Ancora cerca de mim
em meu reduto,
fragmentos de um tempo
registrado, na retina,
sobre um ombro macerado,
a que me habituei
fingir olvido.
Qual! Se não fosse
esse poço, fosso
instituído,
feito folhas tais e quais
nalgum cartório,
já as teria expulsado,
compulsório,
eu que não me habituei
a um tempo ungido.
E a mim, se me dizem
destituído,
de memória rompante,
repositório,
direi ao porta-voz persecutório,
que a si só lhe basta
o ouvir, calar, sentido.
A me ladear, estão uns versos,
artigos, um ponto de exclamação
discreto, inglório,
é que tentei ancorar
mais que ilusório,
um instante supérfluo
num velório.
Ali, então, onde houvera
sepultado,
o derradeiro artifício
da memória, onde, sito
e mais que instalado
jaz um pouco de mim
ressuscitado.
Se me finjo de morto,
ressabiado,
a um canto deposito
meus achados,
colho e recolho cores, sons
recém julgados
tal que fossem réus
pré-sentenciados.
Ao abrir luzes, relâmpagos
na pré-estréia
do meu derradeiro verso
enquanto alforria,
aos pósteros restará
senão poesia,
cabeça, tronco, tudo
em ti, Maria!
WALTER DA SILVA
Camaragibe, Aldeia, agosto, 2002
Incluído em “OS RITOS DA AURORA” ®
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