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Contos-->desatino cap.2 -- 25/06/2002 - 22:41 (Vitor Hugo Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As nuvens negras dissiparam-se empurradas pelo sopro vigoroso do vento formando figuras estranhas em constante metamorfose. Moviam-se para longe trespassadas por espadas de luz poeirenta á medida que se afastavam como se retirassem derrotadas de uma batalha.
Abri mais os olhos e senti a dureza daquele brilho de diamantes pontiagudos pelos vidros da janela do céu-vitral. Tudo redor parecia fervilhar, vibrando como se milhões de chicotes severos me fossem punir sem piedade naquele instante. O sol parecia desmesurado e já o imaginava a aproximar-se implacável, derretendo o chão em meu redor com uma fúria louca. A terra tremia e movia-se rapidamente ou seria eu que me agitava agora que abrandara o passo,internamente sem controle? Sentia-me envolvido pela lava quente de um vulcão e o corpo a ser transportado incandescente, num ritual apocalíptico, para uma nova dimensão ou um lugar distante e estranho de odor a suor intenso. As mãos tremiam-me e o corpo acusava sensações estranhas, desconhecidas. Não tinha o controlo , agia segundo o impulso do momento...
Preciso fugir urgentemente! - Dizia para mim, como se vivesse numa masmorra da Idade Média e a população, lá fora, urrasse descontrolada exigindo a minha cabeça.
Tinha sido apanhado completamente desprevenido. A minha cadeira girava sem parar e todos os papéis voavam da secretária do meu cérebro como se um ciclone tivesse entrado no meu escritório mental naquele instante. Iniciava-se uma viagem única subitamente... Um sonho de uma realidade tal que era impossível descrever. Vivia-o ?...
Aquele vasto trigal que me abrigara da noite fria com o seu calor terno, maternal, era agora um espelho de mil faces ofuscando quem se atrevesse a vê-lo. Os fortes raios de luz, eram rápidos e certeiros como setas e não cessavam de partir ao meu encontro, atacando sem tréguas, desferindo golpes profundos nas retinas frágeis.
Precisava, por norma, de acordar lentamente e ir-me acostumando á ideia de que mais um dia me esperava... Despertara em sobressalto havia pouco tempo para o novo dia e não estava pronto para aquela aventura que era encarar a devastadora luz da manhã, assim sem cerimónias. Tudo obedecia a uma gradação até chegar ao estado de conforto habitual que a minha protectora melancolia me garantia diariamente.
Associava toda aquela agitação matinal á ideia de Felicidade e tinha plena noção que não estava em condições para poder gozá-la em pleno, ainda. Sentia-me cobardemente assediado por uma estranha forma de violência caótica. Estava habituado ao ferro e vidro da cidade, ao betão com design, aos dias de nevoeiro, á beleza plástica... Não me parecia provável ser feliz num meio tão natural... Conviver com os elementos daquela forma era algo que assustava. Parecia ridículo como uma carta talvez de Amor.
Sempre encarara o céu como formas geométricas desenhadas por cima dos prédios e agora deparava-me com toda a sua imensidão como se fosse o tecto de uma basílica prestes a cair-me em cima.
Pretendia obviamente ser feliz e não o conseguira anteriormente com todo o conforto que desfrutara. Não concebia, igualmente que o conseguisse ser agora, desta forma estranha.
A mudança era demasiado radical, precisava de um estado transitório: - O purgatório da Felicidade. - Pensava assustado.
Perguntava-me a todo o momento, qual seria o caminho mais longo que me faria chegar ao Paraíso interior, mas sem alarido e ventania nem clarões luminosos ofuscantes. Desejava somente fugir do automatismo quotidiano que vivera no passado e nada mais.
Estava decidido a aproveitar a diferença de cada minuto desta nova realidade; de certo que poderia aprender a ver tudo com outros olhos, dar um sentido á Vida diferente e alcançar então o bem estar que tanto desejava. Numa análise mais profunda, não seria sequer a felicidade plena que interessava mas sim seguir o intrigante percurso e o gozo de o percorrer a cada segundo nessa fantástica busca.
Como era grande e densa aquela seara. - Pensava perplexo.
Continuava á procura de uma saída daquele local diabólico correndo sem parar, rodopiando no vento, derrubando tudo á minha passagem... Aquele bafo forte sugeria-me uma panela imensa de cereais de pequeno almoço numa cozinha de Hotel comigo lá dentro morrendo sufocado em leite a ferver. Secava-se-me a garganta a cada gesto desesperado e imaginava canecas de cerveja e tremoços numa esplanada fresca, á sombra, perto de um lago.
Como uma catana em fúria seguia aflito em asfixia, avançando sempre de rompante como uma ideia fixa... Lutava ansioso por sair dali parecendo um animal perseguido á procura de abrigo.
De súbito e sem me dar conta, saía de forma brusca da labiríntica selva dourada e deparava com uma vasta planicie dourada a meus pés.
Fiquei por instantes sem perceber por que terminara todo aquele esforço.
Bolas! Estava a ver que não te livravas da confusão! - Dizia uma voz interior, felicitando-me com uma palmada nas costas.
Abria os olhos tensos devagar, estava francamente cansado, como uma mulher depois de um parto. Precisava de repouso!
Não sabia ainda o que procurar em redor com o olhar lento e papudo, joelhos no chão e o corpo curvado de fadiga.
Cerrei de novo os olhos por alguns instantes em busca de uma sombra íntima e respirei fundo como que para afugentar o calor que sentia. Subi um pequeno declive da planície, em esforço, sempre de olhos cerrados e mãos semiabertas á brisa que vinha ao seu encontro beijando-me o rosto carinhosamente fresca.
O suor cristalizava-se em sal na minha pele com um instinto protector e dava-me um novo alento...
No topo da colina revelava-se agora como numa miragem, não muito longe dali, esgueirando-se no horizonte em jeito de benção oásica, um pequeno e inesperado carreiro que saía do trigal. Estava certo que deveria lá chegar e aventurei-me de imediato a seguir aquele caminho!
Por entre a vasta e densa folhagem de grandes carvalhos e castanheiros revelava-se uma velha casa que recebia com simplicidade a pequena estrada... Aparentava ter a quietude necessária para me recompor com o seu portão em ferro forjado entreaberto para o jardim. Aquelas copas de árvores de envergadura notável iriam certamente fazer com que recuperasse a nitidez da visão e dar-me a segurança que precisava para continuar na confusa experiência que vivia.
Algo me dizia que aquele espaço isolado de tudo, aquela luz abandonada era o que procurava no complexo imaginário. Sentia o formigar ansioso das pernas que se precipitavam numa agitação súbita de patas de aranhiço começando a correr apressadas. Seria eventualmente o destino a chamar naquela direcção!? Tinha a sensação de já ali ter estado antes. Talvez num outro sonho, enquanto dormia...
Aquela dormência apetecível esperava-me e estava ali ao alcance. De momento era tudo o que interessava realmente.
... As pesadas botas de sola rija, como remos enérgicos saltaram ágeis no pó a cada passo, pela estrada de terra dentro...

Finalmente o silêncio da cor!
Os sons... esses nunca se fizeram ouvir, tal o estado absorto em que me encontrava.
Podia respirar agora, finalmente sem sobressaltos.
Aos poucos, tudo se tornava nítido e mais sereno...
Ainda ofegante, sentei-me por momentos no chão, gozando a quietude em redor...
O jardim parecia-me um pouco mal cuidado e no pequeno lago junto a um florido roseiral, abundavam as folhas avermelhadas de faia, caídas na água de tom profundo com nenúfares, flutuando calmas. O azevinho abundava á sombra dos carvalhos gigantes e as tílias começavam a florescer. O muro que o envolvia, cobria-se de fungos coloridos e o musgo denso e fofo como o dos presépios contrastava com o cinza molhado da pedra pouco fria que rodeava a pequena fonte onde saciei a sede; respirava-se um cheiro verde agradável e a entrada da casa, no interior deste pátio, tinha um ar tranquilo... No pequeno varandim, uma cadeira de baloiço repousava, por não haver sequer uma brisa no ar morno que se respirava, que a fizesse mover.
De quem seria aquele lugar tão quieto? - Pensei por instantes.
( Naquele instante pensei como em qualquer outro instante de todos os dias reais em que a posse material de algo tem de facto importância. ).
Em boa altura o encontrara!
Subi os três degraus de madeira do patamar lentamente e decidi-me por entrar na casa sem me fazer anunciar...
Vagarosamente, entreabri a porta e espreitei o interior.
Avançei só um pouco, intrigado pelo ar de abandono do lugar...
Sem que tivesse ainda fechado a porta, deparei com uns olhos negros fixos em mim, parados nos meus tão quietos como rochedos vulcânicos. Como estrelas de granito seguiam-me todos os movimentos, brilhando...
Eram os olhos do majestoso lobo, deitado como uma estátua egípcia sobre o ornato central de um tapete carmim com motivos Persas. Sobressaltei-me contendo a respiração mas o animal não parecia incomodado com a minha presença, permanecendo imóvel. Seguia-me somente com aquele olhar penetrante enquadrado nas largas cercaduras simétricas do tapete que lhe davam um ar ainda mais seguro e forte.
Apesar da juventude, tive dificuldade em dominar o sentimento de medo que me assaltara por instinto; aquela visão impunha respeito, intimidava verdadeiramente... No entanto, como se uma força estranha impelisse a curiosidade, continuei casa dentro sem perceber os motivos do meu interesse e da minha coragem. Procurava alguém...; seguia em frente com uma expressão carregada ao longo daquela imensa sala de parca luminosidade. A ténue luz entrava por dois vitrais laterais em arcos talvez góticos, estreitos como seteiras e cobriam o chão de côres quentes entrecortadas em marfim pelos azulejos, transportando-me como que para um tempo remoto de data imprecisa.
Quem viveria ali, com tão estranho animal por companhia? - Perguntava-me, duplamente intrigado... Porque me seguira ele anteriormente mantendo uma distância cautelosa e agora estava ali á minha espera?
Decidi sem consultar o meu consciente, mesmo assim, em avançar, com alguma furtividade no andar e empenhei-me num ar sério de expectativa caminhando em silêncio. Entrara num escritório-biblioteca que apresentava sinais de trabalho intenso pelos inúmeros manuscritos espalhados na pesada secretária de mogno escuro de uma forma desordenada e pelos livros amontoados em pilhas assimétricas.
... Não deixei de olhar para trás, fitando de novo os olhos de chumbo do animal imóvel que me continuavam a seguir sem expressão.
Nesse momento, como se gotas caíssem salpicando o silêncio, surgia o som de um piano que me assustou de modo ligeiro. Respirei fundo. Eram!... Sim!... Reconhecia agora! As primeiras notas do primeiro nocturno de Chopin que escorriam pela grande escadaria que sugeria o andar de cima e instalavam uma atmosfera sonolenta e pálida como nos filmes de suspense.
Deslizei para o inicio das escadas, como que levado por uma névoa súbita, subindo-as muito devagar... Os pés aconchegavam-se na lã farta que cobria os degraus e a sua mão afagava ao de leve o frio do corrimão brilhante. Assim avançava enquanto a música se tornava um pouco mais forte e mais rápida, numa outra cadência, porém suave...
Sem que tivesse ainda chegado ao cimo, detive-me por momentos, como que a analisar a sua posição. - Que fazia ali? - Pensava, como se acordasse naquele mesmo instante com um rasgo de lucidez e realidade.
Entrara numa casa sem razão aparente e subia agora para a intimidade de alguém que me não esperava. - Que reacção teria? Quem seria? - Inúmeras perguntas assaltavam agora o meu pensamento e o coração ritmava um pouco mais forte. O desconforto parecia querer instalar-se, como se quisesse devorar-me inteiro fazendo-me vacilar de novo, trémulo de susto.
- Sobe!... Estava á tua espera! - Ouvi subitamente uma voz feminina dizer.
Sem me aperceber de onde vinha o som, subi os poucos degráus que faltavam e escutei de novo abrindo os seus grandes olhos de espanto.
- Aqui! Entra por favor! Não tenhas medo!
Assim fiz! - entrando na sala de onde me falavam.
Olhei por fim incrédulo para aquela figura notável... fazia lembrar a "Mulher Lendo" de Renoir !
Com um sorriso, soltou o cabelo e poisou o livro no colo, continuando sentada com aquele perfil magnifico e olhar baixo.
- Vem! Senta-te um pouco! Já te esperava faz alguns dias; só hoje de manhã tive a certeza que virias! - Disse com doçura.
- Desculpe! - Balbuciei, perplexo.
- Por certo, confunde-me com alguém que espera! - Disse brusco.
- Eu passava por aqui... Não conheço... de todo, nem esta casa nem a senhora! - Peço-lhe, desde já, que me desculpe por esta intromissão completamente impensada e descabida!...O lobo...
Os olhos meigos, gracejaram brilhando e levantou-se com leveza...
Com um gesto decidido, preparava-se para retirar o pano branco que cobria um enorme cavalete no canto da sala.
Era um quadro. Um grande retracto a óleo - Conseguia adivinhar.
Destapara-o num gesto, sem sorrir...
Atónito, não queria acreditar... Era eu! Era uma imagem minha, que se encontrava á minha frente! Não conseguia dizer nada, tal a surpresa da revelação. Como teria sido possível alguém desenhar-me o rosto sem me ter visto, com tanta perfeição e quem o pintara de forma tão magnifica?
Que mistério encerraria aquela casa e tão bela mulher?
As perguntas surgiam rápidas e confusas. Não queria, porém, mostrar-me demasiado perplexo, apesar da expressão me trair por completo. Nada perguntei como se aguardasse o desenrolar da acção daquela cena de aspecto tão teatral.
A bela mulher parecia agora ter mudado o longo vestido sem que o tivesse feito, as cores não eram as mesmas, a luz das velas do castiçal de pé alto ao incidir-lhe revelavam tons aveludados fortes entre o azul profundo e a cor de romã; sentia-me como se bebesse absinto e o calor da tarde me subisse repentinamente pelo corpo, cobrindo-me de suores quentes. Por fim... a fadiga e a surpresa empurraram a vertigem de um sono negro para uma forte dormência e o desmaio nubloso e longo como uma espiral fez com que perdesse por completo os sentidos caindo lento.
O lobo entrara entretanto, com passos curtos, na pequena sala e sentara-se a ver o quadro, superiormente e sem emoção.
Soava agora uma belíssima ária de Bellini e inundara de tristeza subitamente toda a luz do compartimento com sombras espectrais... De forma elegante, a bela dama abriu as longas cortinas e as amplas janelas e fez entrar um aroma perfeito... Despertei os sentidos, por breves instantes, mas logo toda a claridade se desapareceu de novo do olhar, devolvendo-me ao sono forçado da fadiga.
O tempo não se fez sentir ao passar...
Alguém me transportara para outro quarto com um click de rato num jogo de computador, ou tudo não passara de um sonho parvo? - Perguntava-me bruscamente uma voz interior.

(continua? - talvez!)
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