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Cartas-->Eu acordei de um sonho -- 30/07/2002 - 19:31 (Isabela Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Então eu acordei de um sonho, com um sorriso e uma sensação de bem estar. A casa era imensa, eu saí do meu quarto, dei milhões de passos e olhei em volta. Quem estava lá? Era ela, minha mãe.

Coloquei uma música animada para combinar com meu estado de espírito. Arrumei a cama - coisa que nunca faço. Coloquei água na chaleira para esquentar e fazer um café. Peguei as revistas, livros, cadernos. Papéis anotados os planos que fiz, e que nunca realizei.

Eu tinha traçado um futuro lindo. Eu tinha vontade de realizar todas aquelas metas. Uma a uma, tudo ficou pela metade do caminho. Eu tinha caminhado inconsciente, apartada das coisas que me faziam bem. Olhei as fotos em cima do piano e nesse instante me distanciei tanto daquela família impregnada em mim. Todas as brigas, as guerras, os momentos de queda eles estavam lá, como que provocando mais dor do que já me era possível. Será que era mesmo sensação de abandono? Ou era a sensação de estar presa a pessoas que fincavam os pés na terra, se afundando num lodo formado pelas lágrimas, raivas e rancores.

Minha mente clareava de tempos em tempos. Eu ficava lúcida e enfileirava meus erros por ordem alfabética. Será que eu estive o tempo todo no comando? E por que motivo eu tinha deixado meu barco a deriva? E por que motivo eu achei que era tão difícil correr em busca da liberdade? O que estava dentro de mim? Um amor, um lugar, uma idéia? Uma missão idiota?

Não me arrependo de nada. Eu devia ter tido mais coragem de ir atrás do que eu sei que é certo. Eu não esperava nenhum tipo de bônus, e afinal, ganhei até muito, pra quem preferiu criar e cultivar uma vida nos limites das paredes do meu quarto. Minha espécie em extinção mantida em cativeiro. Lá fora é meu habitat natural...! Mesmo assim ganhei de brinde muitas coisas, que afinal mereci. Mas nada foi construído. A única coisa que construo sou eu mesma. Erguer a cabeça e ainda assim sonhar. Sonhar e planejar o próximo passo.

Tomei meu café com adoçante porque agora sim eu iria perder meus 10 kg a mais. Lavei o cabelo e pintei de vermelho, exatamente do tom que eu queria. Fiz escova, me maquiei.. estava linda! Linda pra mim mesma. Quem teria coragem de dizer o contrário?

Cantei todas as músicas do CD selecionada. Músicas que fizeram parte da minha história, que embalaram meus amores. Em cada fase eu fui uma personagem. Dancei, ri, chorei. E o tempo foi passando, a manhã acabando, me deu fome.

Minha mãe, que não falava comigo desde que eu tinha voltado tarde da rua, me chamou para almoçar. Tinha feito uma macarronada. Eu estava de dieta, mas comi a macarronada. Estava gostosa. Comi com tanto prazer, porque comi uma qualidade dela. Era bom saber que ela tinha coisas boas. E que talvez não fosse por maldade o que fazia contra mim. Contei pra ela de que uma amiga ia fazer isso, isso e aquilo. A amiga era eu, mas ela não precisava saber. Talvez intuísse. Falei com tanto entusiasmo, e ela ali opaca, pálida, fria.

Tinha uma certa ternura em seu ar de sofredora. Mas sofrimento é opcional. Sofrer não é inteligente. Desperdiça-se muito tempo sofrendo e se lamentando. Então ela estagnava toda minha energia com aquela indiferença. Não a indiferença de uma pessoa magoada que pára de falar com você. Mas sim aquela indiferença mórbida de anos e anos querendo tapar o sol com a peneira. Não se atrevendo a olhar um pouco mais que sua fresta na janela. Não se via intensidade e sinceridade em um único ato. Não se via nela aquela certeza que se tem porque já se viveu, porque já se experimentou, porque analisou e tirou suas conclusões. As certezas dela eram certezas prontas. Alguém disse, e esse alguém nunca fica muito explícito nesses casos, e ela aceitou como uma ordem. A ordem da bandeira nacional. Ordem e progresso. Censura e autoritarismo, sem porquês, sem distinções. Na ilusão de seguir um modelo de conduta... Eu faço minha conduta! Eu a construo de acordo com o que vejo e sinto. Olhar para o outro sem pecado ou malícia. Olhar para outro sem medo de se aprofundar. Olhar para o outro sem esperar que ele seja o que você quer que ele seja. Olhar o outro tentando decifrar quem ele é. Olhar o outro.. um exercício para ver se enxerga o ser humano existe dentro de você, exatamente como o outro. Não somos iguais porque temos um modelo a seguir. Somos iguais porque temos sentimentos, porque reagimos, porque existimos sob o mesmo teto de estrelas ou nuvens. Mesmo que sintamos coisas diferentes, de maneiras diferentes somos iguais no respeito que merecemos. Todos. O encarcerado, o drogado, o prostituído. O raivoso, o omisso. O medroso, o mártir. O generoso, o desconfiado. O doente, o equilibrado.

Saí da mesa, fechei a porta da cozinha para que os pensamentos contaminados dela ficassem lá. Saí da cozinha depois de ter falado tudo que me deixava feliz em planejar. Sentei no sofá da sala. E agora?

Pra onde vou com todos esses sonhos permeados de esperança na cabeça? Pra onde vou pra que eles se realizem? Por que fiquei perdida de repente? Será que foi por causa do monólogo sem resposta? Será que foi o horário, onde todos os estabelecimentos comerciais estão fechados? Em que banco vou comprar respeito? Em que loja vou comprar realidades? Em que curso vou aprender a conseguir o que eu quero? Em que agência terei que deixar meu currículo pra ser chamada pro topo? Pra que número eu ligo pra mandar trazer meu sucesso?

Deitei na minha cama, me enleei nas cobertas. Fiz meu ninho seguro ali. Me embalei pra dormir e acabei tirando uma soneca. E foi aí que eu acordei de um sonho...
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