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Contos-->Faquir Urbano -- 27/06/2002 - 16:56 (f. mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O homem estava caído na calçada, sujo e vomitado, chamaram uma ambulância e o levaram. Horas depois estava de volta. Não era nem velho e nem moço, a idade havia sido apagada pelo tempo. Entrou no bar-padaria.
—O que bebe?
—Não bebo e nem como.
—Ah?!
—Sou faquir urbano
—Como assim? — a menina que atendia no balcão, não entendeu a piada do homem.
Brincando com o saleiro, ele respondeu:
—Ganho a vida em praça publica, me exibo jejuando, deixando-se picar, etc.
—É... prazer —a menina sorriu e estendeu-lhe a mão.
—Chega de lero-lero que eu não te pago para ficar de converse! — O dono do bar tratava sua empregada como se fosse sua puta.
—E você?
—Ele é faquir.
—Se não for beber vai dando o fora que eu não quero ninguém mendigando por aqui.
Ainda estava com o cheiro do hospital e já estavam obrigando-lhe a beber. Você tem que readquirir a sua estima publica e particular, homem? Você não tem família? disse uma enorme enfermeira negra do hospital. Como queriam que eu readquirisse a minha estima publica e particular? Ascese? Pensou o homem.
—Uma dose, então!
—Vai logo buscar. —disse o dono do bar para a menina que parou diante da tabua fixa onde se colocavam as bebidas.
—Uma dose de quê?
—Água.
Tempo.
A mulher não parava de passar um pó branco na cara dele.
—Deixa de passar esse troço na cara dele.
—Calma, não está bom. —disse a maquiadora.
—Estamos atrasados. Ele vai entrar daqui a pouco.
—Espera.
—Não está vendo que ele não está gostando. Ele é faquir e não uma gueixa. Vamos, está na hora.
Aquelas luzes fortes feriam os olhos dele.
Duas cadeiras, um fundo azul e uma mesinha com água. Sentou numa cadeira, havia muitos cabos e fios. A apresentadora do programa fez a sua propaganda e o apresentou
—Estamos aqui com o Faquir Urbano, um exemplo de sobrevivência.
Teve que contar toda aquela historia de sempre, estava cansado da própria historia. Mas vendia como água. Teve que contar a infância amargurada, a adolescência criminal e a virada triunfal. Mostraram no programa uma tia testemunhando todo a infância de privações do Faquir, pai morto aos dez anos, mãe prostituta, varias passagens pela FEBEM, um testemunho de um cara, ex-funcionario da FEBEM, dizendo que ele era um pivete especial, o programa mostrou também o que ele possuía agora, uma mansão no Morumbi, uma mercedes na garagem, tudo isso ele conseguira vendendo suas mensagens de fé e esperança, um iluminado. Entrou os comerciais. Fim da entrevista. As entrevistas do Faquir eram caras. Por minuto. Saiu cercado pelo pessoal de equipe, abraços, tapinhas nas costas, apertos de mão, palavras de alento, autógrafos, ele sempre fazia um xis e guardava as canetas no bolso. Botaram ele num carrão e foram embora.
—Amanha teremos outra entrevista na TV. Esta só foi a primeira de muitas.— disse o agente do Faquir
—Eu disse que ia dar certo. Tenho o tino.— disse a moça, que sempre andava com eles, o Faquir não sabia muito bem a função dela, e sempre esquecia o nome dela, e do agente também. Tinha uma memória péssima.
Pararam em frente de uma casa de grades que ficava na periferia.
—Ok, a manhã pegamos você no mesmo horário.
O Faquir desceu do carro que partiu rapidamente. Ele foi até o portão e tocou a campainha, pois morava no quarto dos fundos.
—Você acha que isso é muita sacanagem o que estamos fazendo? — disse o agente com uma das mãos na perna da moça.
—Claro que não! Estamos dando as pessoas o que elas querem, o que elas precisam ouvir para crescer, para serem pessoas melhores, o Faquir Urbano é Perfeito.
—Chega de escrever textos medíocres, cansei de ser ghost write, um monte de merda me sugando. Você sabia que o livro A Rebeldia e a Foca que ganhou o premio Jabuti foi eu que escrevi? Sério. Ele só tinha o titulo, mas o puto, um ex-delegado de policia, você sabia que ele era delegado de policia? não sabia escrever. Eu fui à premiação, ganhei o convite. Fiquei lá assistindo a noite de gloria do livro que eu havia escrito. Nem voltei pra casa naquele dia. Fiquei vagando. Imagina só, um cara lúcido como eu vagando por ai como um lunático. Já amanhecia quando entrei numa padaria, sempre li historias de boêmios, tinha aquelas mesinhas na porta, cachorro, essas coisas e também um bêbado desmaiado na calçada. Peguei o celular e chamei uma ambulância. Não que aquela criatura houvesse despertado a minha solidariedade. Estava cagando pra todas aquelas pessoas feias que só ficam bem em livros e cinema, meus livros estão cheios daquelas pessoas feias e fodidas. Como eu dizia, o meu gesto não fora de solidariedade, estava cansado de ver aquele sujeito estrebuchando. A ambulância chegou e retirou o corpo. Horas depois a múmia estava de volta. Entrou no bar e sentou-se quase do meu lado, ainda cheirava a hospital, lá estava o Faquir Urbano. Mais do que o premio Jabuti, mais que as dezenas de best-sellers, essa é a melhor historia que já escrevi.

O carro do agente seguiu silenciosamente até o Morumbi.


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