O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra coloca o Brasil em discussão. A audaciosa incursão internacional expondo, para os olhos do mundo, a bandeira vermelha do movimento nas mãos de Yasser Arafat e a ocupação da Fazenda Córrego da Ponte, suscitam algumas análises acerca das recentes peripécias do MST. Algumas favoráveis face ao inusitado da estratégia, outras contrárias, numa visão mais racional da ousadia. Afronta a ordem constitucional foi a síntese dos comentários sobre os fatos ocorridos em Buritis.
Sabedores de quem são os donos daquela propriedade rural e da segurança que, possivelmente, encontrariam nas imediações, penso que os sem-terra não tinham a intenção de ocupar a fazenda, no máximo um acampamento próximo para chamar a atenção da mídia e criar um fato político. A porteira aberta e a casa semi-habitada foi um convite à ocupação. - Companheiros! Vamos ocupar! - e ocuparam.
Segundo a imprensa, quando os colonos descobriram a adega, começou uma grande algazarra, consumiram noventa garrafas de vinho, beberam três engradados de cerveja, uísque, cachaça e conhaque. Algo entre irónico, jocoso e rebelde seria um sem-terra, na espaçosa sala de estar, escarrapachado na poltrona predileta de FHC, consumindo com o seu rude ritual, um cálice de vinho do porto ou uma dose de conhaque, certamente, Presidente, do presidente. Que cena! Surrealista para olhares conservadores e hilária e apreensiva para os simpatizantes do movimento.
Se os membros do MST beberam tudo o que foi noticiado, a polícia não interveio numa ocupação e sim esculhambou com uma animada festa. Um dia em que os pobres sentiram o gosto do que o poder bebe.
Imagino que na adega do presidente, os vinhos são dignos dos amigos apreciadores dos tintos de guarda. Entretanto, naquele sábado a tarde do dia 23 de março, os enólogos não eram lá muito exigentes.
- Olha só, Rainha. Aqui está escrito Gran Sangre de Toro, seco, reserva 1987. E nós tomando o Sangue de Boi, suave, safra 2000 e ainda temos que separar um pouco para o suco da gurizada. - Manda vê! Na xícara não!
Uma companheira campesina, arrependida face aos estragos provocados na residência, resolve fazer uma gentileza para o presidente. Prepara um sagu bem caprichado, afinal vinho é que não falta nesta casa. O bilhete em cima da pia da cozinha estava direcionado ao dono da fazenda.
"Senhor presidente desculpe qualquer coisa, a porta estava aberta, deixo uma prova do sagu que fiz pra criançada, elas adoraram". Ao lado da tigela, com o saboroso manjar campesino, jazia uma garrafa vazia de Chàteau Margaux safra 1983.
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