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Contos-->Dentro de nós mesmos -- 29/06/2002 - 20:54 (Darques Lunelli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dentro de nós mesmos

A meu modo, teimo em compreender, em descobrir; observo-a sem espiá-la, sigo-a sem desconfiar; amo uma maravilhosa estátua mutilada, um texto inacabado, um fragmento de céu inscrito na janela da vida.
JÚLIO CORTAZAR


Cantarolou Cherish quando parou na esquina e percebeu que todos os táxis haviam desaparecido. A chuva fina tinha esse poder, mas era bom ficar parado preocupando-se somente com um carro que o tirasse dali. Se a chuva aumentasse, talvez molhasse o raro exemplar do Dreamer, e isso seria imperdoável. Imaginou a cara de Albuquerque quando o mostrasse dizendo
Não se atreva a tocá-lo, verme.
Vermes. Péssima lembrança. Achava aquele pedido de ser enterrado no chão de péssimo gosto, uma última e indigesta piada de Coradini. Dentro de algumas horas, talvez o caixão se enchesse de água, molhasse por dentro, as flores boiassem. Uma segunda morte por afogamento.
Parem o tempo
bradara Cetina inutilmente.
Como o amor pode parecer patético.
O carro deu sinal de ocupado e Alexandre acenou. Que estúpido, se ao menos ele voltasse. Com a sorte que estava, esse era o último táxi de Porto Alegre e estava saindo da cidade. Não vou esquecer esse dia, pensou, pelo Coradini, claro, mas sobretudo por ela. Nove de novembro, dezenove horas, dizia o convite, as famílias dos noivos convidam para a droga do casamento da droga dos seus filhos.
Será que ele sabe que ela gosta de cantar Cherish?
Se ao menos conseguisse esquecer aquela noite antes da viagem. Mas como, se até mesmo pedras empilhadas ou o cheiro de pão quente saindo do forno faziam-no lembrar dela? Sarah tinha razão, era preciso dar uma chance às outras pessoas, mesmo que elas não gostassem de Legião Urbana, de Neil Gaiman ou do I Ching.
Mas na hora, tudo parecia tão... previsível.
Agora ela vai dizer que não teve tempo para se vestir direito, ou qualquer coisa assim – e era o que acontecia.
O cansaço era prévio e a saudade não tinha fonte.
Em vinte minutos começa a cerimônia, pensou. Se não aparecer um táxi eu vou caminhando ao The Sad Young Men. Em vinte minutos dá pra mudar a vida, pensou. Estou ainda no primeiro tempo. Ainda posso dizer Eu e ler o Dreamer, e, se quiser, posso ir a esse segundo funeral de hoje. Mas nesse não vou. Certas coisas dentro de nós mesmos não suportam tantos adeuses. Às vezes parece que Deus tem um senso de humor um bocado doentio.
Outro táxi passou lotado.
Começou a caminhar lentamente para o bar, onde seu velho amigo já deveria estar pedindo aos relógios que parassem, pedindo ao tempo uma trégua e ao amor uma nova chance. Sorririam quando sentassem para comentar sobre como tudo acabou, sobre como era estranho viver, porque tudo muda
Exceto nós dois aqui sentados fazendo hora
diria Cetina, tentando conservar um pouco de força e honra, porque, afinal, com o tempo tudo volta ao ponto de partida e todos vamos embora quando o último bar fechar.

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