O gato do chefe
Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Treze horas.
Faltam trinta minutos para começar o expediente numa pequena empresa de construção civil. Os funcionários do escritório estão acomodados nas poltronas da ante-sala jogando conversa fora, ou melhor, falando da vida alheia.
Uma contadora quarentona, um engenheiro recém-chegado na firma, dois trabalhadores do almoxarifado e a senhora do cafezinho. Esta escarrapachada na cadeira da telefonista, que ainda não havia chegado e sempre batia o ponto atrasada.
- O chefe vive com aquele gato, que nojo! - comentou a contadora.
Não estava atenta ao burburinho formado pelos demais, um quê de algazarra. E continuou.
- Solta pelo, lambe as pernas da gente. Puxa o fio das meias. Não posso ver aquele pulguento entrando na minha sala. E o chefe é todo cheio de cuidados com o mimoso peludo. Acho que alisa mais o gato que a mulher. Aliás, eu só vejo o chefe alisar o gato e o carro.
- Ontem o bichano entrou na cozinha. Dei-lhe um pontapé que o Clodoaldo voou lá no pátio. – comentou a copeira com os fones da telefonista nos ouvidos e rodopiando na cadeira.
- Mas não era o gato Félix? – comentou um dos representantes do almoxarifado.
- Não. O gato Félix é do desenho animado. O outro Félix era o goleiro e o Clodoaldo era o meio-campo. – retorquiu o engenheiro entendido de futebol.
- Não entendi.
- Tricampeonato. Copa de 70. Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everal...
- Por falar em copa. Dona Matilde, esse café é novo? Tire os fones dos ouvidos! Oh, vivente!
- E se fosse um gato de 1,80 m, musculoso, sarado, tatuado, moreno, olhos azuis... da novela das oito.
- Pra ela qualquer daqueles anjinhos do Linha Direta já servia.
- Musculoso, sarado, tatuado, moreno... ui. Aí eu era a primeira encerrar na minha sala. E por falar nisto, o chefe não aparece mais, só trata de serviço, parece que eu não existo... eu sou invisível?
Soltando-se nas ondas de sua divagação a contadora comentou empinando uma xicrinha de café.
... e estou com um fogo... saiu, agora azar, saiu. Estou mesmo. Tenho.
- Nossa! Preciso tomar cuidado para não sofrer um atentado aqui dentro. – falou o engenheiro novato.
- Sai baixinho!
- Êêêêêêpa! Baixinho, não! Desprovido de...
- Lá vem o chefe!!!
Correria geral para manter o “prumo” em sinal de respeito.
- Em cima da hora. Como sempre.
- Eu nunca vi a telefonista chegar antes dele.
- Será que o chefe conhece ela?
- Pelo interfone.
- Boa tarde, não viram meu gato por aí. O Clodoaldo anda meio sumido.
- Tá lá fora, ontem o mimoso foi lá na cozinha e eu dei um pouco de leite para ele.
- É mesmo! - e saiu sem esperar resposta.
Em segundos a ante-sala esvaziou-se e o gato entrou na sala do chefe, meio rengo.
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