Faz mais de uma hora que estamos andando e Cláudia ainda não disse uma palavra. É o recorde dela. Daqui a pouco ela explode e joga toda a culpa em mim, pra variar. E eu sou culpado se o carro resolveu quebrar no meio desse fim de mundo? Que azar! Nenhuma alma viva, só poeira pra todo lado. Quilômetros e quilômetros de nada. E ainda por cima esse calor infernal! Minha cabeça parece que vai rachar, de tanto sol. Cláudia não perde a pose. Com esse vestido e essa bota cano longo preta, ela vai sofrer uma combustão espontânea. Melhor nem triscar. Estamos perdidos, imundos e ela só se preocupa em retocar o batom. Não dá pra acreditar! Às vezes acho que ela não existe, que é só uma projeção holográfica de algum anúncio de TV. Que sufoco! Tudo o que eu queria agora era tomar um bom banho de piscina. Não vejo a hora de chegar logo na casa da irmã dela. O problema é encarar aquelas crianças assassinas. Ano passado quase perdi a orelha direita. Sorte que os endiabrados não tinham muita coordenação motora. O que ela está fazendo, pulando desse jeito, que nem uma louca, desesperada? Deve ser o calor...
- Estamos salvos! Lá vem um carro, estamos salvos, Reginaldo!!
- Onde? Não estou vendo nada, só barro...
- Ali, tá vindo, graças a Deus! Ainda vamos chegar a tempo de assisitir ao Barrados no Baile.
- Não acredito, não pode ser...
- Finalmente, não agüentava mais - ajeita o cabelo, o decote e estende a mão, como quem pede um taxi.
O carro voa a 120km/h e quase os atropela.
- Cof, cof, cof... Foi embora, nossa última chance de sobrevivência. E agora?? Toma alguma atitude, Reginaldo - sacode os braços dele -, faz alguma coisa, corre, grita, diz alguma coisa...
- Fomos roubados!
Ricardo Borges
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