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Artigos-->Grupo Escolar Gabriela Mistral - 1972* -- 14/06/2008 - 19:59 (Aldo Votto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Andava o ano de 1972. Quando na idade eles não passam de onze, os anos não correm, passeiam olhando os arredores.

A escola tinha um nome muito belo: Gabriela Mistral. Era uma homenagem à poeta e educadora chilena que recebera o prêmio Nobel de literatura em 1945. O prédio, feito em madeira, com técnicas de pré-fabricação, tinha centenas de iguais espalhados pela capital e interior do estado mais meridional do “país de dimensões continentais” do qual, na quinta série, já se aprendia a geografia encravada na disciplina que então se designava “estudos sociais”. Aliás, o “quinto ano”, justamente naquele ano, se fizera feminino e acabara o exame de admissão, mini-vestibular pelo qual meus irmãos mais velhos tiveram que passar para sair do primário e ingressar no ginásio.

- Que bom que não pulei do quarto ano para o primeiro do ginásio!

Assim pensava, depois de entender o que era a “reforma do ensino” que transformara os primeiros oito anos de freqüência escolar em “ensino fundamental”. Até então, dependendo das notas, era possível prestar o exame de admissão ao final do quarto ano de estudos, dispensando-se a revisão de conteúdos que era a característica do quinto.

Pois na tal escolinha de madeira vivi algumas inesquecíveis histórias de guri.

Anos mais tarde aprendi que aquela arquitetura e a intenção de espalhar escolas por todo o lado lá no sul era a primeira e mais modesta edição dos prédios modulados em concreto que se esparramaram pelo Rio de Janeiro depois do fim da ditadura.

A quinta série era a primeira vez em que se tinha mais de um professor na mesma turma. Havia pelo menos uns quatro, que dividiam o conteúdo em disciplinas. Embora não esteja muito seguro, penso que eram algo como: Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, Estudos Sociais, Artes e Religião.

E lá estavam os filhos da classe média baixa de um bairro de trabalhadores. Era gente pobre, mas que tinha uma renda suficiente para alimentar, vestir e educar suas crianças sem depender de transporte escolar, automóvel ou pagar pela escola. As professoras, e os poucos professores, eram vistos como figuras a se respeitar, já se ultrapassara os tempos em que havia castigos físicos aplicados aos alunos e se estava muito longe dos tempos em que as crianças começaram a deixar de ver os professores como figuras de referência da sociedade que estavam sendo orientadas a se engajar.

Conviviam gentes de todo o tipo: cores, religiões e posses eram diferenças adjetivas. Na hora da escola e da brincadeira aquela heterogeneidade era mais um ingrediente de vivência rica em descobertas e curiosidade. Ficava encantado, por exemplo, com a quantidade de coisas penduradas na parede da casa de um dos meus amigos que era negro. Na casa dele, como na minha e na de outros colegas, as crianças eram tratadas como filhos da comunidade. Não faltavam jamais cuidado e alimentação – que se chamava merenda - para toda a gurizada que estivesse por ali; solidariedade inesquecível!

Já mais para o final do ano, aconteceu um episódio que marcaria para sempre minha memória afetiva como uma abertura de um novo caminho para ver o mundo.

As turmas de quinta série, por terem vários professores, tinham também uma professora regente de classe. A da nossa turma se chamava Lia. A imagem vaga que carrego é de uma mulher esguia, elegante, cabelos claros sempre arrumados; do comportamento, lembro que era exigente e dedicada.

Certo dia, ela me chamou ao final de uma aula e me entregou, por empréstimo, um livro. Identificara em mim, entendo hoje, um potencial leitor que provavelmente teria prazer em ver o mundo por meio de letras, palavras e sentenças.

O livro era uma novela. O número de páginas, isto é, a “grossura” do volume não amedrontariam o pequeno curioso. E, embora já convivesse com a presença de livros em casa, pois a família, que não tivera oportunidade de muita instrução lá na área rural de onde migrara, ainda assim ou talvez por isso os julgava um valor, considero aquele, até hoje, como o primeiro livro da minha vida.

Este ano, encontrei um exemplar em ótimo estado em um sebo. Comprei e presenteei-o à minha filha, de onze anos. Ela, que já tem a leitura com hábito há algum tempo, não gostou do final da história. Quando, ao conversarmos sobre o enredo, me veio à mente o nome “Salvador”, ela ajudou-me a lembrar o nome do personagem principal: Santiago.

A novela que a professora Lia me apresentou no ano de 1972 foi “O Velho e o Mar”, publicado pela primeira vez exatos vinte anos antes por Ernest Hemingway.



*publicado originalmente no "site" Overmundo [www.overmundo.com] como parte do projeto participativo, em andamento, "Reminiscências de Escola" sob coordenação de Joca Oeiras.
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