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Artigos-->BAUDRILLARD e a lógica do Papai-Noel -- 05/12/2001 - 17:06 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Teoria dos mídia ou puro cinismo? Uma análise da manifestação de Baudrillard sobre o espírito do terrorismo como "mãe" de todos os acontecimentos.



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Frank Hartmann (DIE ZEIT online, 02/12/2001)

Trad.: zé pedro antunes



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Depois do 11 de setembro, os intelectuais – ou, ao menos, "os John Waynes entre eles" - viram-se no direito de “concorrer para ver quem saca mais rapidamente a arma da cintura e dispara”. Foi essa a ironia usada por Jürgen Habermas em meados de outubro, ao discursar em agradecimento pelo Prêmio da Paz que lhe foi outorgado pelo comércio livreiro alemão.



Slavoj Zizek, supõem-se, gostou da imagem. Apenas tratou de incluir, em seus textos, citações de filmes praticamente incontornáveis. O mesmo diga-se, então, quando, depois dos atentados nos EUA, o filósofo se viu na obrigação de declarar finalmente bem-vindo o país ao "deserto do real".



Até então, diz Zizek, a América vivia num mundo pleno de absurda artificialidade – muito semelhantemente ao vivido pelo herói de "O show de Truman" ante a constatação de que sua vida "na realidade" não passava de algo planejado e construído para um show de TV. Duração: 24 horas por dia.



Mas tudo de repente se transformou. Terroristas obrigam a América a perceber o mundo "tal qual ele realmente é". A "vida real" não tomou de assalto apenas a nação. Com alívio, percebeu-se que também o assim chamado virtual havia recebido o seu quinhão.



Com o fracasso da bolha que foi a New-Economy, o que se segue vale também no plano teórico: a realidade, mais poderosa do que nunca, bateu em retirada. Agora, finalmente, estamos livres da baboseira pós-moderna, do discurso da simulação e do simulacro, desse papo acerca do fim da história – ante os ataques terroristas, tudo desemboca num grito libertador: "aquilo, sim, foi autêntico!"



Os pecadores podem se desmanchar em remorso penitente. Na falta de outra coisa, entra em cena o provocador. Jean Baudrillard dispara com veemência: "A implosão do World Trade Center era inimaginável, mas não foi suficiente para fazer desse um acontecimento real."



É, sem tirar nem pôr, o mesmo que se lia há pouco no Suddeutsche Zeitung (Munique), jornal que acaba de publicar em alemão o ensaio “L’esprit du terrorisme”, originalmente lançado pelo Le Monde no início de novembro. Nele, Baudrillard repete e radicaliza sua tese principal, a da "simulação": na sociedade dos mídia, o acontecimento real e sua construção midiática de tal forma se sobrepõem, a ponto de não apenas tornarem-se ambos indistingüíveis, como também, sem a elaboração dos mídia, o real enfim deixar de existir.



Por um lado, pode-se dizer que na Guerra do Golfo, na Iugoslávia e, agora, no Afeganistão, a censura das imagens veiculadas pelos mídia vem sendo de tal maneira indevassável, que absolutamente não permitem mais uma representação do acontecimento real. Pelo que os mídia nos transmitem, impossível saber o que efetivamente está em curso. Ou não se trata de um caso exemplar de "simulação", este engodo e esta encenação de todos os acontecimentos à CNN?



Por outro lado, há muitas outras coisas em jogo. Baudrillard repete sua fórmula já expressa quando da Guerra do Golfo, de que, na era dos mídia, a guerra representa "a continuação, por outros meios, da ausência de política".



Os ataques terroristas de 11 de setembro, como "a mãe de todos os acontecimentos", gera uma série de "pseudo-acontecimentos", frente aos quais nos vemos ante nada menos do que um consenso global.



A repetição das mesmas imagens e, nesta interminável esteira de repetições, a asseguração do "inimaginável", esse, em última instância, o objetivo dos atentados.



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"Entre as diversas armas que os terroristas tomaram ao sistema e direcionaram contra seus proprietários, está a autenticidade das imagens, sua divulgação imediata por todos os canais. Eles tanto se valeram dos mídia como da especulação na bolsa, da informática ou do tráfego aéreo. O papel da imagem é ambivalente. Na imagem, o acontecimento é não apenas reforçado, mas ao mesmo tempo tomado como refém."

(Baudrillard)



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Na encenação midiática dos acontecimentos, entra algo decisivo: o medo impositivo da perda de uma ordem cultural que deposita toda a significação ideológica em seus signos materiais.



Ao destruir as estátuas de Buda em Bamiyan e as obras de arte no Museu Nacional de Cabul, os Taleban não demonstraram ter sobre esse jogo um domínio magistral? O ocidente não teve capacidade para ver nessa iconoclastia algo mais do que uma recaída na Idade Média. Um pensamento unidimensional e alheio à lógica das não-simultaneidades não consegue mais perceber o princípio transcendente, a apoiar-se no fundamentalismo islâmico contra a cultura de imagens feita de símbolos e de logotipos auto-referentes.



Mas voltemos à questão do status da realidade. Para Baudrillard, esse status de realidade desapareceu, está fora de questão. Sob as condições impostas pelos mídia, tudo se transforma em simulação – mas como reação a este teorema, dito de forma mais ou menos refinada, pode-se falar que o filósofo estaria sendo vítima de um surto de enlouquecimento.



No caso, ao falar em "desaparecimento", Baudrillard propõe uma diferenciação discursiva e não uma asserção propositiva sobre o que "realmente" é ou deixa de ser.



Segundo a lógica da simulação, o desaparecimento do real significa: na era dos mídia, a referência a uma realidade - como sempre engendrada – deixou de oferecer qualquer garantia à nossa interpretação.



O acontecimento e sua reconstrução midiática não podem mais ser vistos como coisas separadas uma da outra. Em outras palavras: a realidade dos mídia faz desaparecer a realidade supostamente reproduzida – eis o "efeito de simulação" de Baudrillard.



Mesmo as palavras e as teorias acabam por sofrer sob esse mesmo efeito, a simular, como simulam, um significado ou uma referência que não possuem. Quem fala é naturalmente o desencantado crítico da ideologia, que entreviu o quão sem sentido pode ser querer desmascarar, como sendo falsa, uma falsa realidade.



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"Tão-somente ainda é possível espiar o andamento das coisas, criticá-lo já não nos é mais possível."

(Baudrillard 1986)



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A única reação correta seria não tomar parte no exorcismo, qual seja, o de ocupar um pólo exatamente oposto ao dos terroristas – eles que soberanamente se valeram da simulação.

Baudrillard teria mesmo enlouquecido, ou não?



A resposta é negativa. Para tanto, boas razões tanto sociológicas como filosóficas. Seu primeiro livro, O sistema das coisas (1968), ele o apresentou na qualidade de sociólogo, tratando da nossa relação com os objetos cotidianos. Nele, descreve o movimento dos bens utilitários humanos dentro de um segundo âmbito de significação. Somente neste segundo âmbito é que o sistema técnico adquire o seu significado cultural. É exatamente com esta sobreposição de asserções que a propaganda e os mídia fazem o seu jogo: Baudrillard batizou-o como a "lógica do Papai-Noel", já então com um charme irresistível. Não é preciso crer nele. Basta participar dele por um tempo e ele existe. Assim funciona, no geral, qualquer afirmação dos mídia. Sua comprovação na realidade deve necessariamente fracassar. Aqueles produtos que a propaganda nos promete não existem na realidade, pois, essencialmente, eles se constituem na propaganda de um estilo de vida.



E, passando à razão filosófica, por que isso tem a ver com Baudrillard? Em Kant já não se lê que, quando antecede a coisa, o conceito passa a ser sua condição, que, no entanto, nada afirma sobre o caráter de sua existência no sentido de uma "efetividade" (Wirklichkeit) (in: "Crítica da razão pura": postulados do pensamento empírico)?



Trata-se, segundo Kant, de uma questão inteiramente razoável do ponto de vista filosófico, se, sem serem reais, as coisas podem ser possíveis. A possibilidade de uma coisa é sua posição em relação à compreensão; sua efetividade, ao contrário, é a sua vinculação com a percepção. É sempre esta possibilidade, e não a própria coisa, o que condiciona sua efetividade.



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O idealismo é a teoria que declara a existência dos objetos no espaço fora de nós como sendo ou meramente duvidosa e improvável, ou falsa e impossível ...

(Kant: “Crítica da razão pura”)



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No entanto, o novo sistema dos meios de comunicação – e isso nos separa de Kant – efetivamente desativa a diferenciação entre o dom da visão e a ilusão. Em sua dialética, o que se produz é, de um ponto de vista filosófico, uma duplicidade ontológica, que já não permite mais uma clara delimitação entre ser (Sein) e aparência (Schein).



Soa óbvia a forma como Baudrillard hoje se expressa, um tanto comedida. Mas foram notáveis as reações a sua polêmica intervenção segundo a lógica do Papai-Noel. A radicalidade de sua abordagem, baseada na teoria dos meios de comunicação, de que toda e qualquer realidade extra-midiática também se transformou, ela própria, em efeito dos mídia, nela é simploriamente deixada de lado.



Há alguns anos, num texto brilhante, a Agência Bilwet alertou para a impossibilidade de se ter uma situação autêntica, não-midiática; à época, falava-se em justificado delírio da teoria.



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Para poder formular a charada dos mídia, é preciso renunciar à idéia clássica da função social que a informação das massas conteria. Deve-se evitar que a teoria dos mídia se torne, ela própria, uma mínima forma de energia dos meios de comunicação.



(Agentur Bilwet: Medienarchiv, 1993)



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Mas o que realmente ficou da abertura de novos espaços teóricos? Um filosofar divagante, que, mais fortemente do que nunca, coloca em questão a hegemonia do consenso global.



Com isso, aliás, seu potencial crítico (se é que ele ainda quer possuir um) deixou para trás a fascinação do espetáculo, para, ele próprio, se transformar em elemento de fascínio – mas, no plano teórico, como então se atualizaria a resistência que seus estetas, por toda a parte, tratam de exorcizar de forma tão ingênua?







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