O fundamento inicial do discurso (aquilo que se fala) é a realidade, o tempo vivido, o conjunto dos eventos resultantes da vida ativa dos homens. Antes de pensar sobre o discurso, no seu modo de compor-se como linguagem comunicativa, antecede e se impõe a história como sendo cursos de eventos humanos. A vida do homem no tempo e suas múltiplas experiências objetivam-se numa permanente mudança e ajuste, num episódio depois do outro ou por causa do outro, num encadeamento configurativo que faz a infinitude do viver, ao se estender dos tempos mais longínquos, perdidos nas origens mais remotas, e se dirigir para mundos idealizados, possibilitados pelo desejo de desenvolvimento e de aperfeiçoamento, que nos faz dominar o tempo com mais técnica e arte, conformando-se esforço e prazer como estética de viver, numa espécie de busca do belo platônico, do céu cristão, da liberdade hegeliana, do socialismo marxista, do liberalismo de Adam Smith.
É nesse trânsito do tempo (do passado ao futuro) que se evidencia a intencionalidade do agente social motivada por uma carência de viver, que se deixa desvelar, enquanto face de conclusão de ato, a produção de “bens” para o grupo, esses que depois se transformam em vestígios do homem, documentos que representam vontades daqueles instantes em que a vida ativa do sujeito se elaborava e onde novos ideais se instituíam ou se atualizavam.
Esses conteúdos revelam, ao menos, dois corolários essenciais na apreciação da história como evento. Um deles é reconhecer que o agir em comum é evanescente, em face da natureza transitória do tempo, em que as experiências permanentemente se refazem; no ato seguinte, o modo de agir já não é o mesmo, esvai-se substituído por outros interesses ou exigências, e, com isso, surge o segundo corolário, a certeza de que toda experiência humana apresenta uma propriedade comum - o caráter temporal.
É por isso que a ação racionável presente na realização da vida, no curso de tempos longos e curtos, mais se ocultam que se mostram. O que mais aparece é sua materialidade (tempo cósmico: calendário, seqüência das gerações, arquivos), continente das expressões de sentimentos – discordantes / concordantes - que um dia fizeram a vida humana fluir, ser projeto, historicizar-se enquanto evento, episódio, totalidade inteligível, datação documentada, que se desvelam na intencionalidade do conhecimento histórico.
Herdeiros que somos de um tempo anterior, de uma experiência que fez o mundo mudar, a idéia é seguir uma história, “[...] compreender como e porque certos episódios encontraram sua realização em uma conclusão [...]” . É aí que surge a necessidade da textualização da realidade, das experiências dos homens em ação.
Esse passo da ação ao texto é o modo de organizar as ocorrências de uma totalidade inteligível num todo coerente, ainda que compostas por conjunturas, contingências e interesses heterogêneos, permitindo-se compreender o encadeamento causal da diversidade aleatória dos eventos num exercício de verossimilhança, nessa trilha ricoeuriana, onde a “[...] a ordenação (mythos) dos fatos é representação (mimese) de uma ação [...]” . Mais ainda, nessa configuração da ação em texto, é possível perceber, no ato comum evanescente, manifestações de caráter singular e perene e, ainda, poder se articular e clarificar o trânsito do tempo (presente, passado e futuro).
Em síntese, a mudança da ação ao texto pode ser expressa em três momentos:
• Na compreensão da intriga (enredo) dos eventos, fazendo a totalidade inteligível transformar-se em um todo coerente;
• Na construção das configurações concordantes a partir de elementos heterogêneos;
• Na dimensão do tempo cronológico (tempo cósmico) com um tempo não cronológico (tempo vivido).