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Artigos-->A CONSTRUÇÃO DO TEMPO -- 13/07/2008 - 12:16 (Antonio Pereira Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Antonio Pereira Sousa



O homem vive uma materialidade feita de diferentes rotinas, umas simples, outras complexas, todas inventadas para permitir o viver social, mais do que isso, para se encontrar o melhor modo desse viver. Nesse sentido é que elaboramos os bens úteis para permitir essa existência. Precisamos nos alimentar, manter a nossa saúde, criar facilidades de comunicação, divertir-se, entre outras necessidades.

Pode-se dizer que tempo é esse domínio das astúcias, das táticas, das artes de fazer de um dado grupo social, nesse desejo de realizar e manter a vida. Assim, cada grupo, em cada espaço, elabora o seu próprio tempo, sua forma de conduzir a vida, com certa originalidade, dado ao condicionamento que o espaço impõe nesse exercício do viver, a par das possibilidades concretas que se tornaram possíveis, numa construção de um dado grupo social. Isso nos leva a pensar que o tempo (as astúcias, as táticas, as artes de fazer) que faz a vida existir e permanecer é plural. A vida, assim, se realiza de maneira diferente em cada canto do mundo.

O significado disso é que, para se conhecer historicamente uma sociedade, devemos compreender o modo de ação que foi construído pelos grupos na individualidade da realização específica de sua luta pela vida, ou, dito de outra forma, como expressa Furet1 : “[...] a idéia de uma história total é inapreensível”.

Essa compreensão desse tempo, desse modo como os sujeitos sociais operaram as ações em busca de realizar seus desejos, é um desvendamento de sentidos e significados que ganharam valor próprio e se fizeram cultura, permitindo-se diferenciar os grupos agentes, distinguindo-os enquanto forma de efetuar o viver, tomando-se esse agir como “[...] um processo de luta que ocorre em torno dos recursos simbólicos e também dos recursos materiais”, na consideração de Levi2.

Estamos falando de um tempo plural, de uma cultura plural, estamos reconhecendo que cada grupo, maior ou menor, em cada canto do mundo, constrói socialmente o seu jeito de ser. Constrói o seu tempo, e, assim, a história, como narrativa do vivido, sendo o que é, uma compreensão das ações sociais dos indivíduos e grupos, alcança maior inteligibilidade se sua abordagem enfocar a singularidade da realização dos respectivos grupos, porque permite a verticalização do conhecimento de seus feitos, daquelas ações significativas que fizeram a vida fluir, perspectiva que Geertz3 expõe da seguinte forma: “Olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas; é mergulhar no meio delas”.

Lidar com esses tempos plurais, instituídos no campo de lutas circunscritas no cotidiano dos diferentes grupos, é reconhecer correta a tese defendida por Reis4 na qual: “[...] a terceira geração dos Annales teria realizado e radicalizado o projeto inicial, pois, hoje, ela problematiza e estuda “tudo” e não mais o “todo”. Esse processo, ao dilatar o campo da história, abrigou tantas outras questões que Le Goff e Nora5 os denominou de “novos problemas”, “novas abordagens” e “novos objetos”. Agora importa compreender que o privilégio do estudo da história estende-se para o campo do social, nos seus múltiplos aspectos, como o político, econômico, religioso, educacional, familiar, etc.e não se limita aos grandes acontecimentos. Ali onde está o homem laborando, ali está se fazendo a história, na simplicidade das atividades do canoeiro, na aventura do homem que se remete aos espaços siderais, no conduzir do lar operário ou no ato de administrar o Estado pelos poderes constituídos de uma nação.

Esse mundo de realizações sociais que está se processando em cada espaço do viver dos sujeitos, é, já vimos, inapreensível na totalidade. O conhecer histórico, nesse caso, deve ser uma compreensão de aspectos particulares da totalidade, naquilo que facilite o historiador a dar conta de seu interesse, que é saber como os homens, em culturas diferentes, portanto com outros meios, lutaram por seus valores de liberdade, direito, justiça. Nessa perspectiva, o historiador, na afirmação de Baccega6, “[...] buscando compreender o passado como construtor de nosso presente, o qual já traz em si o futuro, avalia, interpreta como ocorreram as transformações do homem no seu relacionamento com o mundo no processo de construção das sociedades”. Esse esforço do historiador, de avaliar e interpretar o passado, não seria nada sem o socorro que nos presta Duby7, ao nos comprometer com a seguinte lembrança: “Para que escrever a história, se não for para ajudar os contemporâneos a ter confiança em seu futuro e a abordar com mais recursos as dificuldades que eles encontram cotidianamente?”.

Esse historiador, vimos, compreende e interpreta o passado e nos faz entender essa relação passado-presente mantida através de troca de experiências. Nessa condição, o historiador assume o papel importante de ser o “arauto”, o mensageiro desse diálogo entre os homens passados, cuja presença torna-se viva, e os homens presentes que passam a dispor de uma referência para empreender sua busca de sobrevivência em sua finitude, ou, como expressou Benjamim8: “Os vivos se vêem no meio-dia da história. Eles se sentem obrigados a oferecer um banquete ao passado. O historiador é o arauto que convida os mortos para a mesa”.

Cabe acentuar que aqueles homens passados já não estão lá naquele tempo realizando as atividades de manutenção da vida. O que sabemos deles, em grande parte, sabemos por que os historiadores realizaram a compreensão daquele tempo através da interpretação dos vestígios deixados. Esses sinais da presença de homens realizando a vida no passado estão presentes naqueles bens úteis que permitiram fluir a existência social do grupo (a casa, a roupa, os instrumentos de trabalho, a escrita, etc.). O que nós sabemos do passado, nesse caso, ou nos vem através da transmissão oral, das manifestações tradicionais dos grupos, ou é aquilo que está dito pelo historiador, numa narrativa que reproduz muito de sua subjetividade, de seu modo de enxergar, a partir do que ele, o historiador, é enquanto cultura de seu tempo. Ainda que fundamentada em vestígios, em documentos produzidos no calor do viver social, a história que conhecemos é uma construção mental do historiador, por ser uma interpretação, por ser um texto, como conceitua Jameson9: “A história, a não ser sob forma textual, nos é inacessível”.

O discurso do historiador é então o símbolo de um tempo, representação ou substituição possível de um dado movimento da sociedade. É esse discurso que nos vai dizer o que foi a experiência social num dado momento, repassando-nos, como referência, os indicativos que emolduram nossa forma de ser hoje, nossa forma de sentir, nossa forma de reagir, nosso jeito de gostar, de amar, tornando-nos conhecidos: somos brasileiros, baianos, grapiúnas. Esse exercício da história, da elaboração do discurso que nos faz conhecer um dado passado, torna-se útil na medida em que, na busca da compreensão de homens passados, revela fundamentos básicos de sua existência, apresenta jeitos diversos de sobrevivência, confere ao presente o dever de realizar-se, fazendo plataforma de um futuro. A história é, nesse caso, uma atividade de conhecimento. Essa atividade de conhecimento está disponível nas mais diferentes publicações, espalhadas nas mais variadas bibliotecas.

O historiador, por força disso, é um construtor da realidade, do vivido concreto da sociedade, do tempo que transcorreu. Ele realiza essa façanha ao organizar a forma de entender os acontecimentos que foram elaborados no exercício cotidiano do viver dos sujeitos. É ele, o historiador, quem atribui relevância aos temas, efetua a escolha dos documentos e os interpreta. É ele que revela, por força de sua interpretação, o que nós fomos enquanto ser social, enquanto parte daquela totalidade que, a um só tempo, numa reciprocidade, é formada pelos sujeitos e influi na sua formação, tornando-nos sujeito ativo e passivo da história, corpo inseparável dessa mesma totalidade, que mereceu de Karel Kosik a seguinte reflexão: “[...] a totalidade do mundo compreende ao mesmo tempo, como momento da própria totalidade, também o modo pelo qual a realidade se abre ao homem e o modo pelo qual o homem descobre essa totalidade” - Kosik10.

Nesse material intelectual produzido pelo o historiador (os livros, os artigos), nesse seu discurso é que o tempo de homens passados se objetiva, homens aqueles que agora se fazem conhecidos pelo que foram, pelo que fizeram, mais ainda, pela forma que sentiram o seu tempo e criaram as esperanças geradoras do futuro, embora o canto de Fernando Pessoa amenize esse vigor epistêmico, nessa construção do tempo: “[...] a nossa realidade é o que não conseguimos nunca”.





Ah, quem escreverá a história do

que poderia ter sido?

Será essa, se alguém a escrever

A verdadeira história da Humanidade.

O que não há somos nós, e a verdade

Está aí.



Sou quem falhei ser.

Somos todos quem nos supusemos

a nossa realidade é o que não

conseguimos nunca.



Fernando Pessoa



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